por A-24, em 16.05.14
«No dia 19 de Janeiro de 1998, o jornal La Vanguardia publicou um anúncio do Ministério do Trabalho e dos Assuntos Sociais sobre um leilão de imóveis para o pagamento de dívidas à Segurança Social. Um dos devedores era Mario Costeja González, um perito em caligrafia e comunicação não verbal, cujo apartamento foi levado a hasta pública. O caso foi encerrado há anos, mas o nome de González ficou para sempre associado à dívida que já não tinha, quando o La Vanguardia decidiu digitalizar o seu arquivo, em 2008. Ainda hoje, sempre que alguém entra no Google para fazer uma pesquisa sobre Mario Costeja González, lá está a página do jornal espanhol – “O Parlamento negou a eutanásia no debate sobre o Código Penal” é a notícia em destaque, ilustrada com uma fotografia de Ramón Sampedro, o tetraplégico que lutou nos tribunais pelo direito à eutanásia e que cometera suicídio poucos meses antes; ao lado, o comunicado do Ministério do Trabalho e dos Assuntos Sociais informa-nos que o apartamento de Mario Costeja González, na Rua Montseny, em Barcelona, tem 90m2 e está à venda por 8,5 milhões de pesetas. Numa tentativa de apagar da Internet essa fase da sua vida, González queixou-se à Agência Espanhola de Protecção de Dados há quatro anos. Escolheu como alvos o jornal La Vanguardia (ao qual exigiu que retirasse a página em causa ou que a rasurasse, para esconder o seu nome) e o todo-poderoso Google (que foi instado a deixar de indexar a mesma página, evitando que ela continuasse a aparecer como resultado das pesquisas). A agência espanhola deixou cair o caso contra o La Vanguardia, argumentando que o jornal publicou a informação de forma legal em papel, há 16 anos, mas considerou que as normas europeias protegem Mario Costeja González contra o acesso a essa informação, facilitada hoje em dia pelos motores de busca. »
O Tribunal europeu que reconhece “direito ao esquecimento” na Internet do senhor González abriu uma caixa de Pandora. Basta que dentro em pouco alguém venha lembrar o direito a ser esquecido no papel. Dirão que às hemerotecas vão poucas pessoas. Pois vão. Mas se eu usar o que leio nos jornais para fazer um livro estou ou não a colidir com o direito ao esquecimento das pessoas cujos actos recuperei do papel?
Helena Matos