Uma boa cura da Suíça para a Europa
por A-24, em 06.05.13
Um pouco de democracia direta, à maneira helvética, não faria mal à União Europeia. O exemplo suíço mostra, designadamente, que, quando são os próprios cidadãos a tomar as rédeas da política, o Estado e a dívida se tornam menos pesados.
Nos confins da esquerda, ouve-se um apelo a “mais Suíça”: é algo novo e original. Na origem deste novo entusiasmo de Berlim e Bruxelas pela Confederação Helvética, encontra-se o referendo suíço sobre a “iniciativa Minder” – uma iniciativa popular contra as remunerações abusivas, cujo instigador se chama Thomas Minder, patrão de uma empresa familiar suíça e senador.
Não vamos analisar a fundo aqui esta última iniciativa popular: na medida em que permite aos acionistas decidir diretamente qual a remuneração dos seus dirigentes, trata-se de uma medida retificativa pertinente para restabelecer a ligação entre propriedade e controlo [no seio da empresa].
A mesma questão de ordem estrutural coloca-se no que diz respeito às relações entre os cidadãos e os responsáveis políticos. Numa democracia, os eleitos devem agir em nome do povo. O cidadão é rei. Na prática, as coisas passam-se como entre o pequeno acionista e uma grande sociedade de capitais: é ingrato e difícil para o eleitor tomar decisões sobre as atividades multidimensionais dos seus representantes no Governo e no parlamento.
Assim, colocam-se duas questões de fundo. De uma maneira geral, que efeitos tem a democracia direta na Suíça? E os métodos de democracia direta (o referendo e as iniciativas populares) deverão ser recomendadas aos outros países da Europa, designadamente em matéria de política europeia?
Autonomia dos cantões e comunas
Em mais nenhum lugar, a democracia direta está tão desenvolvida como na Suíça. E o mesmo se pode dizer do “federalismo financeiro”, que, na sua versão helvética, se caracteriza por uma autonomia relativamente ampla dos cantões e das comunas. Na Suíça, são organizados várias vezes por ano, a nível local, referendos financeiros obrigatórios e facultativos. As iniciativas populares permitem que os cidadãos incentivem ou revoguem livremente as decisões políticas. E todas as transferências de soberania a uma escala superior têm de ter o aval direto da população.
Os resultados são bastante eloquentes: as coletividades territoriais são menos esbanjadoras, quando os cidadãos podem decidir por si qual a utilização do seu próprio dinheiro. A sua parcimónia tem por efeito aliviar a pressão fiscal. E a dívida também recua, graças aos referendos financeiros, que permitem que sejam os próprios cidadãos e não os governos a assumir a gestão dos fundos públicos.
Mas nem por isso a “solidariedade” passa para segundo plano. Apesar de, globalmente, os cantões que praticam a democracia direta redistribuírem menos, isso não significa de modo algum que o nível de redistribuição seja insuficiente para os pobres. A desigualdade social não é mais forte nos cantões que praticam a democracia direta. Pelo contrário, tudo leva a crer que, nesses cantões, as transferências sociais são mais racionais.
Tudo isto leva a um aumento da produtividade económica, graças a serviços públicos de melhor qualidade e a uma política financeira mais sã do que nas democracias unicamente representativas.
Felix Helvetia! A opinião pública limita a dívida, ao promover o respeito pelas obrigações fiscais, a eficácia e a subsidiariedade: não é precisamente disso que toda a Europa precisa hoje?
O modelo helvético será exportável?
A organização de referendos europeus, por exemplo sobre a introdução das euro-obrigações, sobre o reforço do mecanismo de apoio aos países em dificuldades ou sobre uma maior harmonização fiscal, não iria alterar em nada o “défice democrático” da UE. Em primeiro lugar, porque a democracia pressupõe um demos, um povo europeu capaz de conceber e exprimir uma “solidariedade” europeia e uma opinião pública. Coisa que, para já, não se divisa. Por outro lado, este tipo de consultas poderia facilmente levar as “maiorias” a constituir reservas de transferências ou benefícios específicos em detrimento de outros – segundo a divisa: “somos nós que decidimos e são vocês que pagam”.
O défice de democracia europeu começa ao nível dos Estados-membros. E a democracia direta tem aqui uma função importante, ao defender a descentralização do processo de tomada de decisões e das responsabilidades. O Governo e o parlamento representam o povo. É grande o risco de os chefes de Estado e de Governo, reunidos no Conselho Europeu, tomarem decisões que transferem a soberania dos Estados-membros para a escala europeia e que deixam assim de ter em conta os interesses dos seus cidadãos.
É esta a razão pela qual as grandes transferências de competências e de direitos soberanos para a escala supranacional não devem ser decididas pelos governos, ao sabor de reuniões de crise noturnas, e devem, sim, ser legitimadas diretamente – portanto, pela via do referendo.
Sobre as questões europeias, seria bom recorrer à democracia direta, nos domínios em que a Suíça a pratica frequentemente: os cidadãos devem poder decidir, a nível local, o que acontece ao seu dinheiro e dizer em que medida querem ser garantes das dívidas de outrem.
A União Europeia no seu conjunto poderia beneficiar dessa helvetização – desde que o processo assumisse a forma de um programa de reformas ambicioso das instituições políticas.
PressEurope