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A-24

Um minhoto sobre o cónego Melo

por A-24, em 21.08.13
Ricardo Campelo de Magalhães

No Minho prevalece o minifúndio. Ao contrário do Alentejo, em que o povo trabalhava para o latifundiário, no norte há já muito tempo que prevalecem as leiras quer na encosta, quer na bouça. Como por exemplo em Ponte de Lima, e mais em concreto em Moreira do Lima, onde cresci (eu sou o que tenho a cruz na foto).

Todas as terras na posse das famílias por aquelas bandas foram compradas por alguém. Um tio ou um avô que poupou uma vida para poder comprar aquela terra para nele crescer milho para as galinhas ou erva para vacas ou, para quem tem menos, ovelhas. Questões de águas frequentemente acabam mal e os marcos, apesar de serem pedras com um peso enorme e em grande parte enterrados, movem-se de acordo com conveniências. Cada um sabe bem o que é seu e o que ainda não o é, mas que está à espera que um vizinho mais casmurro morre e deixe aos herdeiros, com quem já se falou de ante-mão.
Nestes locais, a poupança é uma virtude, desconfia-se de quem “cabritos vende e cabras não tem” e ter propriedades é motivo de orgulho. Claro que Salazar era mal visto (sobretudo pela guerra do ultramar), mas agora imaginem chegar lá um intelectualzinho de esquerda e falar de juntar a propriedade de todos numa comuna. A Ponte de Lima, contou-me a minha avó, em 1975 chegaram lá 4 comunistas que ocuparam uma casa na avenida principal que era de um médico que estava na França. Tentara convencer aquele povo das suas ideias, as obviamente ali era chão que não lhes deu frutos. Numa segunda de feira, muita gente subiu do areal para a avenida e ficaram frente à casa. Os comunistas não saíram e avisaram que estavam armados (esses “democratas”). 

Bem, os da bomba (de gasolina) rapidamente forneceram material e chegou-se fogo à casa. 3 dos 4 comunistas fugiram pela parte traseira. Mas o 4º, investido de um furor revolucionário foi para a lateral e pôs-se a disparar para a multidão (nunca se percebeu bem porquê). Obviamente, alguns fugiram, outros correram para ele. Muito daquele povo era das aldeias dos montes em volta e para ir a Ponte de Lima faziam uso de um pau, geralmente de enxada. Quando chegaram à beira dele, depois de o deitar abaixo… Deve ter sido um minuto complicado, e quanto ao resultado digamos que ele hoje não está cá para contar os motivos das suas ações. Assim, não há imagens do Comunismo em Ponte de Lima para agora aqui colocar. Mas ficam com os resultados das últimas eleições.
É um resultado normal (link - eu ainda hei-de saber quem são 8 comunistas em Moreira do Lima). Na terra do minifúndio, a lógica do saque que resulta no Alentejo não resulta. A ideologia do ódio, da inveja face a quem tem, do “o que é meu é meu, o que é teu é nosso”, não colhe. Sentido nunca faz, mas mesmo de um ponto de vista emocional… quer dizer, eu não vou aderir a uma ideologia que me levaria a odiar a mim próprio: isso não faz sentido ali, onde todos são proprietários. E qual é a doutrina que colhe? A da Igreja. Caridade privada, como dar a quem percorre os montes a pedir (contra-exemplo: Raquel varela nunca dá nada). Fé e esperança num futuro melhor com base na nossa indústria, fortaleza e aforro. Mesmo que se vá menos à igreja, são conceitos que fazem sentido. Não a esquerda-caviar, mas sim a direita dos valores da terra.
E é assim que surgem figuras como o Cónego Melo. Com o país “dividido” entre Soaristas e Cunhalistas, com Sá Carneiro ainda menos conhecido, faz todo o sentido que o cónego de uma das mais influentes dioceses do país tomasse o assunto em mãos, respondendo aos tomadores de terras com os mesmos meios que eles usavam comummente. Qual é a surpresa? Na resistência aos socio-fascistas (piores que os originais, pois estes iam ao ponto de tomar a propriedade), sem poder contar com liderança política, militar, mediática, é natural que o povo visse a igreja como um polo aglutinador de resistência. Faz sentido.
Sim, o povo. Porque no Minho em que eu cresci, o povo é claramente anti-comuna. Face it! Vocês no Minho são anti-povo. A vossa estratégia de tomar os meios de produção para dividir entre os Apparatchik é visto como aquilo que é: mais uns invasores que vão tentar tomar o que é nosso por herança ou por direito próprio.
O cónego Melo liderou um movimento. O povo agradeceu. Fez-se uma colecta voluntária entre os muitos interessados em realizar uma estátua. Desenhou-se e fez-se a estátua. Podia ficar nos terrenos na gestão do cónego Melo. Mas isso não reconheceria a liderança que ele proporcionou quando o povo sentiu mais falta. E por isso a estátua paga pelo povo vai para o centro de uma das maiores rotundas da cidade.

Por uma vez, aceitem alguém que pensa de forma diferente.