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A-24

Terceiro Mundo: O sistema de castas na Índia II

por A-24, em 03.08.13
Nascer hindu na Índia é entrar para o sistema de castas, uma das mais antigas formas de estratificação ainda em vigor. Arraigado na cultura indiana há 1,5 mil anos, o sistema segue um preceito básico: todos são criados desiguais. A hierarquização da sociedade hindu originou-se de uma lenda na qual os quatro principais grupos, ou varnas, emergem de um ser primordial. Da boca, vêm os brâmanes – sacerdotes e mestres. Dos braços, os xátrias – governantes e soldados. Das coxas, os vaixás – mercadores e negociantes – e, dos pés, os sudras – trabalhadores braçais. Cada varna, por sua vez, abrange centenas de castas e subcastas hereditárias, cada qual com hierarquia própria.
Um quinto grupo consiste nas pessoas que são achuta, ou intocáveis. Não vieram do ser primordial. Eles são os excluídos – pessoas demasiado impuras para classificar-se como seres dignos. O preconceito define sua vida, particularmente nas áreas rurais, onde vive quase três quartos da população indiana.


Os intocáveis são evitados, insultados, proibidos de freqüentar templos e casas de castas superiores, obrigados a comer e beber em utensílios separados em lugares públicos e, em casos extremos mas não incomuns, são estuprados, queimados, linchados e baleados.
O antigo sistema de crença que criou os intocáveis prepondera sobre a lei moderna. Embora a Constituição da Índia proíba a discriminação de casta e especificamente tenha abolido a condição de intocável, o hinduísmo, religião de 80% da população da Índia, governa a vida diária com suas hierarquias e seus rígidos códigos sociais. Um pai ou uma mãe intocável gera filhos intocáveis, marcados como impuros desde o momento em que começam a respirar.
Mas eles não têm aparência diferente da dos outros indianos. Sua pele é da mesma cor. Não andam esfarrapados, não são cobertos de feridas. Andam pelas mesmas ruas e freqüentam as mesmas escolas. As mulheres varrem o quintal de terra e lavam a roupa da família. As crianças jogam críquete, geralmente com ramos de árvore e bolas de tênis, e colam fotos de atletas e astros pop na parede de suas casas de barro de um cômodo. Os homens labutam, costurando sapatos, bordando tapetes, secando esterco de vaca que será usado como combustível e, como homens de todas as castas em todas as comunidades, deitam dinheiro fora bebendo e jogando.
Mas, apesar desses sinais exteriores de normalidade, os intocáveis nem precisam usar uma tatuagem escarlate na testa para anunciar sua condição. “Casta não se consegue esconder”, garante Sukhadeo Thorat, docente da Universidade Jawaharlal Nehru, em Nova Délhi, um dos poucos intocáveis na Índia com Ph.D. em economia. “Dá para tentar disfarçá-la, mas muitos são os modos de trair-se. Um hindu não se sente confiante para estabelecer um relacionamento social sem conhecer as origens da outra pessoa. Antes de dois meses, a casta se revelará.” Nome de família, endereço na aldeia, linguagem do corpo – tudo fornece pistas. O mais revelador, porém, é a ocupação.
Os intocáveis executam o “trabalho sujo” da sociedade – atividade que requer contato físico com sangue e excrementos humanos. Os intocáveis cremam os mortos, limpam latrinas, cortam cordões umbilicais, removem animais mortos da rua, curtem couro, varrem sarjeta. Esses trabalhos, e a condição de intocável, são transmitidos aos descendentes. Mesmo os numerosos intocáveis que exercem serviços “limpos”, principalmente trabalhos agrícolas mal remunerados em terras de grandes proprietários, são considerados impuros.
Em uma sociedade livre só na aparência, os intocáveis estão atrelados à base de um sistema incapaz de funcionar sem discriminação.
Tom O'Neill 

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