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A-24

O Fascismo e a Memória Curta da Esquerda

por A-24, em 07.12.14
Via História Maximus

"O Comunismo distingue-se fundamentalmente do Fascismo porque foi o primeiro." - Virgílio Ferreira (1916 - 1996) in "Pensar", Bertrand Editora, 1992.

A esquerda usa e abusa da palavra "Fascismo". Desde há décadas, quando se trata de atacar qualquer inimigo, a esquerda não hesita em rapidamente o apelidar de "fascista" e a propaganda marxista tem-se laboriosamente encarregue desde a Segunda Guerra Mundial de erguer um "muro de betão" que tenta a todo o custo esconder a velha amizade e camaradagem que em tempos a esquerda partilhou com o "papão" fascista. A esquerda padece e sempre padeceu de memória curta e infelizmente são poucos os que tanto dentro, como fora do campo político da esquerda contradizem esta tendência. Deixo aqui um breve contributo que espero que possa auxiliar alguns "camaradas" a combater a gravíssima amnésia de que padecem há demasiado tempo.

Aquando da fundação dos Fasci italiani di combattimento em 1919, uma parte significativa dos seus membros e teóricos políticos eram, à semelhança do próprio Mussolini, ex-marxistas e/ou ex-membros de organizações da esquerda radical e revolucionária. Já em 1917 e no papel de líder dos Fasci d'Azione Rivoluzionaria, Benito Mussolini apoiou abertamente a Revolução Bolchevique, tendo-se mais tarde desiludido em relação à mesma por esta não ser na sua visão suficientemente radical, vejam bem! Sendo também um admirador de Lenine, Mussolini ficou igualmente desiludido com este por considerar que o mesmo estava a ficar demasiado parecido com o Czar Nicolau II.[1]

Desde a sua génese e até tomar o poder, o Fascismo foi em muitos aspectos ainda mais de esquerda do que a própria esquerda. O apelo à acção popular revolucionária, a estrutura para-militar, a retórica anti-capitalista e anti-burguesa, o anti-clericalismo, o ódio às elites e às monarquias, todos os elementos da esquerda mais radical e violenta estavam presentes no Fascismo. Talvez a única coisa que o Fascismo partilhava com a direita fosse o fervor nacionalista, de resto nada mais o distinguia da esquerda. 
No campo social, o Manifesto Fascista (Il manifesto dei fasci italiani di combattimento) publicado em 1919 por Alceste De Ambris e o futurista Filippo Tommaso Marinetti[2] propunha avanços radicais para a época como o sufrágio universal para homens e mulheres, a criação de uma jornada de trabalho de oito horas para todos os trabalhadores, um salário mínimo, a participação dos trabalhadores na gestão das empresas, a redução da idade da reforma dos 65 para os 55 anos, um forte imposto progressivo sobre todo o capital, a confiscação de toda a propriedade pertencente a instituições religiosas e a revisão de todos os contratos militares, podendo o governo confiscar até 85% dos seus lucros.

Em 1924, a Itália já sob a liderança do Duce Mussolini, tornou-se o primeiro País da Europa Ocidental a reconhecer a União Soviética.[3] Se dúvidas houvesse sobre a latente irmandade entre marxistas e fascistas, estas dissiparam-se todas aqui. A este reconhecimento diplomático por parte da Itália Fascista, seguiram-se toda uma série de relações amistosas com os soviéticos que iam desde o campo económico ao campo cultural.
Na sua essência, o objectivo final tanto do Fascismo como do Marxismo era o esmagamento revolucionário da velha ordem social conservadora e burguesa e a sua substituição por uma nova ordem social baseada no culto da força, da vitalidade e da ordem em prol dos trabalhadores. A única diferença de relevo era que enquanto o Fascismo advogava o Nacionalismo, já o Marxismo seguia a linha do Internacionalismo, mas na praxis ambas as ideologias partilham muito mais semelhanças do que diferenças.
Em Portugal, o professor Salazar tornou-se um grande admirador de Mussolini e do Fascismo Italiano e chegou a ter na sua secretária uma fotografia de Mussolini autografada pelo próprio. No entanto, o modelo político seguido por Salazar, apesar de partilhar algumas semelhanças com o Fascismo Italiano, não foi na realidade um verdadeiro Fascismo devido à sua profunda interligação com a Igreja Católica que no fundo foi o que impediu que o regime caísse nos excessos de violência que caracterizaram outros regimes fascistas. Se quiserem, podem utilizar o termo "Fascismo Clerical" para caracterizar o regime de Salazar, mas mesmo assim ficam muito aquém de uma definição completa e que verdadeiramente faça justiça àquilo que realmente foi o Salazarismo.


António de Oliveira Salazar com a fotografia autografada de Mussolini sobre a sua secretária.

O ódio de Mussolini ao Liberalismo económico fica patente no facto de em 1935 já estar nacionalizada ou sob forte controle estatal cerca de 75% de toda a indústria italiana. O Duce sempre teve um "grande interesse pela URSS, talvez mais genuíno que o que sentia pela Alemanha nacional-socialista. Mussolini manteve boas relações diplomáticas com a URSS - na noite que precedeu o ataque alemão à URSS, houve grande jantar-festa na embaixada soviética em Roma, com a presença dos mais altos hierarcas do regime, pelo que as más línguas sugerem que Hitler não informou Mussolini do iminente ataque à Rússia de Estaline com medo que os amigos fascistas italianos informassem o Kremlin - e ao longo dos dois anos que se seguiram Mussolini defendeu sempre a ideia de uma paz separada entre o Eixo e a URSS. O anti-fascismo foi, pois, uma estória do pós-guerra !"
Curiosamente, foi nos anos finais da sua vida que Mussolini adoptou as políticas mais esquerdistas. Em 1943 e já como líder da então designada República Social Italiana, Mussolini insistiu que ao contrário do que muitos pensavam, ele nunca abandonou as políticas de esquerda e quis até nacionalizar a propriedade privada em 1939-1940, mas não o fez por razões tácticas que tinham a ver com a economia de guerra e a necessidade de não perturbar o sistema económico antes de vencer a guerra então em curso.[4]   
Com a guerra a correr mal para as forças do eixo, Mussolini começa cada vez mais a radicalizar as suas políticas económicas. Ordena a nacionalização de todas as empresas com mais de 100 trabalhadores e pede auxílio ao ex-comunista e antigo estudante de Lenine, Nicola Bombacci, para que o ajude a recuperar a imagem do Fascismo, conferindo-lhe uma imagem de movimento progressista e amigo dos trabalhadores. Oficialmente, a política económica da República Social Italiana foi designada de "Socialização" e foi o próprio Nicola Bombacci que teorizou a política económica. Ironicamente, mais tarde Mussolini acabaria por ser fuzilado com Bombacci e os seus corpos expostos lado a lado na Piazzale Loreto.


Da esquerda para a direita: os corpos de Nicola Bombacci, Benito Mussolini, Clara Petacci, Alessandro Pavolini e Achille Starace.

A rivalidade histórica e o ódio existente entre marxistas e fascistas é muito menos um conflito entre a esquerda e a direita e mais um conflito entre irmãos de esquerda que salvo algumas excepções, nunca se entenderam entre si, nem se vão entender. O corpus ideológico do Fascismo é hoje totalmente independente da esquerda marxista e este adquiriu uma identidade própria como ideologia política. Apesar de enfraquecido, está longe da derrota e a actual crise do modelo económico-financeiro em prática no Ocidente está a criar uma "oportunidade de ouro" para que movimentos, grupos e partidos de inspiração fascista possam ressurgir em força e com a imagem restaurada.

Claro que nada do que acima se escreveu irá alguma vez ser publicado no jornal Avante! ou ser reconhecido pelas lideranças dos partidos de esquerda, sob pena destas contradizerem mais de 70 anos de mentiras produzidas pela sua própria propaganda. No fundo, a "gloriosa luta" anti-fascista não passa de uma meia-verdade, sim, é verdade que os movimentos de esquerda combateram o Fascismo, mas apenas após o ataque Nacional-Socialista contra a União Soviética é que o fizeram com seriedade, pois até lá ambas as ideologias colaboraram extensivamente e partilharam entre si um compadrio muitíssimo comprometedor.

Resta dizer que no campo do sucesso político, o Fascismo sempre bateu e vai continuar a bater a esquerda marxista em toda a linha, pelo simples motivo de que este alia dois dos mais poderosos elementos que sempre motivaram o ser humano: a luta pela Nação ou tribo se assim lhe quiserem chamar e a luta por uma utopia social que acabe com a exploração do mais fraco pelo mais forte, ou a "exploração do homem pelo homem" se desejarem utilizar um termo genuinamente marxista. Estes dois elementos explosivos são o núcleo do Fascismo como ideologia e são o que lhe conferiram a força imbatível que teve nas décadas de 1930-1940 e que provavelmente voltará a ter futuramente numa forma metamorfoseada se a actual crise do modelo económico-financeiro na Europa não se resolver a breve trecho.

[1] NEVILLE, Peter - Mussolini. Oxon, England, UK; New York, New York, USA, Routledge, 2004, p. 36.
[2] ELAZAR, Dahlia S. - The making of fascism: class, state, and counter-revolution, Italy 1919–1922. Westport, Connecticut, US, Praeger Publishers, 2001, p. 73.
[3] PAYNE, Stanley G. - A History of Fascism: 1914-1945. The University of Wisconsin Press, United States of America, 1995, p. 223.
[4] SMITH, Denis Mack - Mussolini: A Biography. New York, Vintage Books, 1983, p. 311.
[5] SMITH, Denis Mack - Mussolini: A Biography. New York, Vintage Books, 1983, p. 312. 

A Herança de Sócrates

por A-24, em 06.12.14
via Viriatos da Economia

- Dívida Pública aumentou 90.000 milhões de euros entre 2005 e 2010.
- Nacionalizou o BPN, com o contribuinte a pagar, aumentando o seu buraco em 4.300 milhões em 2 anos, e fornecendo ainda mais 4.000 milhões em avales da CGD que irão provavelmente aumentar a conta final para perto de 8.000 milhões, depois de ter garantido que não nos ia custar um euro.
- Derrapagem de 695 milhões nas PPPs só em 2011.
- Aumentou custo do Campus da Justiça de 52 para 235 milhões.
- A CGD emprestou 300 milhões a um amigo do partido para comprar ações de um banco privado rival, que agora valem pouco mais que zero.
- Injectou 450 milhões no BPP para pagar salários dos administradores.
- Desbaratou 587 milhões do OE de 2011 em atrasos e erros de projeto nas SCUTs Norte.
- Desapareceram 200 milhões de euros entre a proposta e o contrato da Autoestrada do Douro Interior.
- Anulou e deixou prescrever 5.800 milhões em impostos.
- Perdeu 7.200 milhões de fundos europeus pela incapacidade do governo de programar o seu uso.
- Enterrou 360 milhões em empresas que prometeu extinguir.
- Contratou 60.000 milhões em PPPs até 2040.
- Usou Reformas para financiar a dívida de SCUTs e PPPs.
- Deu de mão beijada 14.000 milhões aos concessionários das SCUTs na última renegociação.
- Deixou agravar o passivo da Estradas de Portugal em 400 milhõesem 2009.
- Deu 270 milhões às Fundações em apenas dois anos.
- Pagou à EDP, em rendas excessivas, 3.900 milhões tirados à força da vossa fatura da eletricidade.
- Deixou os sindicatos afundar as EPs em 30.000 milhões de passivo para os camaradas sindicalizados com salários chorudos e mordomias, pagos pelo contribuinte.
- Aprovou um TGV que já nos custou 300 milhões só em papelada, e vai custar outro tanto em indemnizações
- Mais todos os milhões enterrados no Aeroporto fantasma de Beja, totalmente inoperacional, inaugurado à pressa antes das eleições para fechar logo de seguida.

Os saudosos do Muro de Berlim

por A-24, em 29.11.14
André Azevedo Alves

25 anos depois da queda do Muro de Berlim e da libertação da Europa de Leste do totalitarismo comunista, o marxismo puro e duro subsiste e prospera no sistema educacional e universitário.
Por ocasião da comemoração dos 25 anos da queda do Muro de Berlim, que marcou o início do fim do totalitarismo comunista que oprimia boa parte da Europa, no jornal Avante!, do PCP, foi publicado umeditorial que merece ser lido e relido com atenção. Aí, as celebrações relativas à queda do Muro de Berlim são descritas nos seguintes termos:
“Mais do que a «queda do muro de Berlim» o que as forças da reacção e da social-democracia celebram é o fim da República Democrática Alemã (RDA), é a anexação (a que chamam de «unificação») da RDA pela República Federal Alemã (RFA) com a formação de uma «grande Alemanha» imperialista, é a derrota do socialismo no primeiro Estado alemão antifascista e demais países do Leste da Europa e, posteriormente, a derrota do socialismo na URSS.”
Coerentemente, na linha comunista de defesa do bloco soviético, a República Democrática Alemã (RDA) e as suas realizações são elogiadas de forma entusiástica e inequívoca, ao mesmo tempo que se lamenta o triunfo do “imperialismo”:
“Hostilizada e caluniada pela reacção internacional, a RDA, pelas suas notáveis realizações nos planos económico, social e cultural e pela sua política antifascista e de paz, impôs-se e fez-se respeitar no concerto das nações como Estado independente e soberano e tornando-se depois de anos de duro combate membro de pleno direito da ONU (1973) em simultâneo com a RFA. Mas o imperialismo nunca desistiu das suas tentativas de liquidar a RDA socialista acabando em 1989 por alcançar a vitória, conseguindo que manifestações, nomeadamente em Leipzig, que na sua essência reclamavam o aperfeiçoamento do socialismo e não a sua destruição, ganhassem a dinâmica contra-revolucionária que conduziu à precipitação dos acontecimentos e à anexação forçada da RDA pelo governo de Helmut Kohl.”
Curiosamente (ou talvez não), este notável editorial do jornal do PCP mereceu muito pouco destaque na comunicação social portuguesa. Qual seria a reacção nessas mesmas redacções se o órgão oficial de um qualquer partido português com representação parlamentar achasse por bem lamentar o colapso do hediondo regime da Alemanha Nazi no final da Segunda Guerra Mundial e louvar as “notáveis realizações nos planos económico, social e cultural” do regime Nacional-Socialista de Hitler? Face à enormidade de um tal disparate, não é difícil prever que as (perfeitamente justificadas) ondas de choque e indignação seriam imediatas e avassaladoras, o que só por si nos diz bastante sobre o padrão geral do jornalismo político em Portugal.
Conforme muito bem salientou João Carlos Espada, o editorial do jornal do PCP “pode ser útil para recordar que as ditaduras comunistas de Leste se reclamavam também elas da democracia, a chamada democracia popular” e que durante o PREC “os comunistas procuraram impedir a consolidação de uma democracia de tipo ocidental — e que se opuseram a ela em nome de uma democracia socialista, ou popular”.
Mas além dessas – pertinentes – observações, creio que a ausência de uma vaga de indignação e condenação generalizada evidencia um problema mais grave no país, cujas raízes são mais profundas do que a forte influência da extrema-esquerda nas redacções dos orgãos de comunicação social portugueses. Esse problema é bem resumido por Ramiro Marques quando alerta: “Aqueles que vaticinaram que a queda do Muro de Berlim marcou o fim da ideologia comunista ignoraram os escritos de António Gramsci e falaram cedo de mais.”
De facto, não obstante a queda do Muro de Berlim, as escolas e – ainda mais – as Universidades continuam em Portugal a ser, não raras vezes, bastiões da extrema-esquerda. Creio aliás que não é possível compreender o sucesso da “perversa aliança entre governantes e grupos de interesse que, como no “neomercantilismo” de hoje, se revê no centralismo e no excesso de regulamentação”, bem denunciada por José Manuel Moreira, sem acrescentar a sustentação intelectual de que goza. De facto, não faltam no sistema universitário português aspirantes a planeadores soviéticos que conjugam habilmente as velhas crenças revolucionárias com uma pragmática capacidade para actividades rentistas à custa do Orçamento de Estado e dos fundos europeus.
É aliás interessante constatar que, 25 anos depois da queda do Muro de Berlim e da libertação da Europa de Leste do totalitarismo comunista, o marxismo puro e duro subsiste e prospera no sistema educacional e universitário, onde abundam os aspirantes a planeadores, em especial na área das ciências sociais. É certo que não raras vezes se trata de um marxismo mais duro do que puro – já que as graves lacunas teóricas em alguns departamentos de ciências sociais e políticas por esse país fora não dão para mais – mas ainda assim é uma realidade que deveria merecer maior reflexão, dentro e (especialmente) fora das Universidades.

Professor do Instituto de Estudos Políticos da Universidade Católica Portuguesa

Dos comentários valiosos II - Sobre Portugal e a RDA

por A-24, em 28.11.14
Fernando Vieira, comentando esta notícia no Observador

Em finais da década de 80, antes da queda do muro, tive o privilégio de conviver, por motivo de trabalho, com um cidadão da então RDA (República Democrática da Alemanha), de seu nome Hans e de cujo sobrenome já não me lembro. A empresa para a qual eu trabalhava tinha adquirido algumas máquinas da RDA, e o Hans foi o técnico que veio para nos ajudar a instalar e colocar as referidas máquinas em funcionamento. É verdade, não se admirem, porque nessa época a RDA exportava máquinas para os países ocidentais, não só para a empresa que eu trabalhava, que era uma das maiores multinacionais do ramo no mundo e de origem francesa, mas também para muitas outras empresas.
Como eu era o responsável pela manutenção, e o único técnico da empresa em Portugal que falava inglês, era comigo que o Hans falava sobre quase todos os assuntos, não só de trabalho, mas também pessoais. Ele já tinha estado em outros países de quatro continentes. As despesas de alojamento e de alimentação do Hans eram por conta da empresa dele, e o transporte de ida e volta à nossa fábrica era por conta da nossa empresa. O Hans estava instalado numa pousada da região, que era a mais barata e nem sequer tinha restaurante. De manhã, alguém da nossa empresa passava na pousada para o trazer, e ao final da tarde levava-o de volta, não para a pousada, mas sim para o centro da cidade, porque ele queria passear e ver as montras das mais diversas lojas. Depois, ele seguia a pé para a pousada que ficava a 8 Km de distância do centro, para o merecido descanso.
A nossa empresa não tinha cantina, apenas um refeitório para quem levasse comida de casa, e o Hans ia almoçar lá, leite e pão sem mais nada, que ele mesmo levava. Um dia, ele ficou indisposto, quase desmaiou, e eu mesmo levei-o ao hospital local. Lá, fiquei a saber que ele estava com a pressão arterial demasiado baixa, e que, além de almoçar só pão e leite, raramente jantava. Porquê? Porque os dólares que a empresa dele lhe passara para o seu alojamento e alimentação, cujo valor não posso precisar agora, eram o valor máximo que alguma lei (estúpida) da RDA permitia, em função do número de dias que estaria fora do país dele. Esse valor mal dava para pagar a pousada barata. Falei com a direção da empresa e passei a levá-lo a almoçar comigo e a pagar-lhe também o jantar.
Entretanto, ele ia-me contando como vivia na RDA, com um salário muito melhor que o nosso (quase o triplo), com uma casa com aquecimento central muito mais barata do que seria possível em Portugal, com um carro mais barato do que os que se podiam comprar em Portugal, com vestuário e alimentação mais baratos do que em Portugal, etc. Mas, o carro por exemplo, ele teve que esperar 8 anos para o poder comprar, não por falta e dinheiro, e sim por causa da escassez de oferta. Os produtos alimentares eram em abundância, mas escassos em quantidade de géneros, por exemplo, não tinham bananas e outros frutos meridionais, etc. Com os produtos de vestuário passava-se o mesmo, eram quase todos iguais, não havia calças jeans por exemplo, quem as quisesse teria que as ir comprar na Hungria, que era o país do então Bloco de Leste que mais produtos ocidentais tinha, apesar de também haver restrições para comprar quantidades maiores.
Por isso o Hans gostava tanto de ver as montras cá, apesar de não poder comprar quase nada.
Quando lhe perguntei se ele gostaria de viver fora da RDA, ele respondeu-me que não, que lá era a terra dele, mas que gostaria muito que lá se pudesse viver como na Alemanha Federal ou na França. E gostaria de viver em Portugal? Perguntei. Portugal é muito bonito mas o vosso nível de vida é muito baixo, respondeu ele.
Estávamos em 1987. O sonho do Hans concretizou-se pouco depois. O meu não.

Decrépitos

por A-24, em 20.11.14
Via Lura do Grilo



A Venezuela a caminho da insolvência com a descida do petróleo. Cuba em pânico ... já não há dinheiro de outrem para financiar a revolução a limiares de sobrevivência.


Su problema más urgente es la falta de divisas para importar comida, combustible y otros bienes esenciales. El país se está cayendo a pedazos. Cuba es asombrosamente improductiva. Se trabaja poco y mal. La Isla vive de siete rubros: 1) el subsidio venezolano; 2) el alquiler y explotación de profesionales sanitarios en el extranjero; 3) las remesas de los exiliados; 4) el níquel que extraen los canadienses; 5) el turismo; 6) la mendicidad revolucionaria, que sostienen Brasil, Angola, Ecuador, y hasta la pobrísima Bolivia; 7) el tabaco y otras minucias de exportación, algunas de ellas indignas, como la venta de sangre y de vísceras humanas para trasplantes (por más de 100 millones de dólares). Comenzaron emulando a Stalin y han terminado imitando a Drácula.

Esquerda populista: o ‘marketing’ da opressão na América Latina

por A-24, em 16.11.14
O Diabo

O populismo sempre foi um instrumento político característico dos países da América do Sul – ou da América Latina, se quisermos incluir o caso da ditadura cubana e do conturbado percurso da Nicarágua. O discurso populista pretende exaltar as massas, servindo-se geralmente de um inimigo comum que “deve ser destruído”: como “inimigo do povo” durante a luta pelo poder, como “inimigo do Estado” depois da conquista do poder.
O inimigo, esse, varia conforme as necessidades do populista: podem ser “os burgueses”, podem ser os norte-americanos (os “gringos”), podem ser “os sabotadores”, pode ser qualquer coisa. Não importa que seja verdade ou mentira, o que interessa é que uma maioria de pessoas acredite que é verdade. Sim, uma maioria: porque os direitos democráticos da minoria não são algo que os populistas estejam interessados em proteger.


A partir do final dos anos 90, o populismo foi crescendo na América do Sul. As economias locais, tradicionalmente caóticas, estavam a recuperar devido ao preço elevado das matérias-primas, nomeadamente o petróleo. Este é o sonho do populista de esquerda: a possibilidade de poder usar dinheiro fácil de obter para pagar políticas que compram votos.
Diga-se que tal não é um fenómeno exclusivo da América Latina. Portugal, durante anos, foi governado por Executivos que usaram financiamento europeu e crédito barato para pagar infra-estruturas e políticas que davam votos. Pelo final deste ciclo, o Governo já pagava, com grande fanfarra e cobertura mediática, computadores portáteis aos alunos portugueses, grandes auto-estradas que hoje estão desertas, e ainda queria construir uma linha de TGV de duvidosa necessidade. Nenhuma destas medidas teve qualquer efeito benéfico na economia portuguesa. O populismo acabou por arruinar as contas nacionais.

As causas do desastre português serão as razões do desastre que se aproxima na América Latina?

República “Bolivariana” da Loucura
Ora olhemos então para a Venezuela, governada pelo regime criado por Hugo Chávez, intitulada, muito originalmente diga-se, de “República Bolivariana”. A mudança da designação, de forma a fazer apelo ao nome do famoso líder dos movimentos independentistas latino-americanos, foi um primeiro sinal de alerta: Hugo Chávez via-se como um Simón Bolívar do século XXI.
E esta é a parte menos louca do regime de Chávez, um indivíduo tão “democrático” que começou por tentar alcançar o poder através de um golpe de Estado (falhado) que procurava derrubar um governo legitimamente eleito. Falhada a via golpista, Chávez decidiu candidatar-se a eleições. Para ganhar, usou um discurso altamente agressivo visando virar os cidadãos mais pobres contra a classe média e abastada. Prometeu auroras douradas e ganhou.
O problema de se prometer auroras douradas é que, depois, é preciso cumprir. Mas para um populista isso não é problema: a realidade pode ser vergada à sua vontade. Sempre que algum desastre económico ou social atingiu a Venezuela (e sob o governo brutalmente incompetente de Chávez tal era uma ocorrência regular), a culpa caía sempre sobre algum inimigo fictício da “República Bolivariana”.
O ataque aos “inimigos” alcançou tais níveis de ridículo que Chávez chegou a afirmar que um sismo de grande escala no Haiti fora provocado pelos Estados Unidos, que tinham usado uma “arma de terramotos”. Quando faltava um bem de consumo nas lojas, a culpa era sempre dos “sabotadores burgueses” que impediam que os produtos chegassem ao mercado. Todas as semanas Chávez passava horas (ocasionalmente mais de seis horas, à maneira de Fidel) nos ecrãs da televisão estatal a arengar sobre os “inimigos” ficcionais. Tinha uma grande audiência, não pelo conteúdo ideológico das mensagens, mas porque era nestes programas que Chávez costumava anunciar a distribuição de novos subsídios pelos seus apoiantes.

25 anos da quedo do muro: Alemanha oriental vendeu prisioneiros políticos ao ocidente

por A-24, em 10.11.14
DN


A braços com uma situação económica caótica, autoridades da RDA entregaram à RFA prisioneiros em troca de dinheiro, mas também café, cobre e petróleo, diz historiador.
A operação tinha um nome: haeftlingsfreikauf. A partir de 1964, a administração da República Democrática Alemã começou a trocar prisioneiros políticos, detidos quando tentavam desertar para o ocidente, por dinheiro e outros bens.
"Entre 1964 e 1989, cerca de 33.755 prisioneiros políticos e 250.000 seus familiares foram vendidos para a Alemanha Ocidental, por um valor total de 3,5 mil milhões de marcos", diz o historiador Andreas Apelt à BBC, no dia em que se assinalam os 25 anos da queda do Muro de Berlim.
Há também registo de negociações de presos por bens de primeira necessidade ou matérias primas, como café, cobre e petróleo.
Todas as negociações foram mantidas no mais absoluto secretismo: nem o regime comunista podia qualquer fraqueza a nível internacional; nem o governo democrático da República Federal Alemã queria fazer parecer que estava de alguma forma a financiar o estado totalitário vizinho.
Escreve a BBC que todos os movimentos foram feitos em ambiente de clandestinidade, em túneis de comboio desertos ou através de autocarros equipados com placas de matrícula rotativas, ao estilo dos filmes de espiões.

Filha de uma família vendida

Daniela Walther tinha 5 anos em 1961 quando foi detida, junto com a família, a tentar fugir de Berlim oriental. Hoje, conta à BBCporque a família decidiu arriscar a fuga: o pai, Karl-Heinz Prietz, que escrevia para uma revista de educação, tinha sabido junto de fontes das autoridades que a fronteira entre o leste e o oeste ia ser fechada.
"Ele sabia que eles iam construir o muro", conta Daniela. Lembra-se bem da noite em que tentaram passar a fronteira, numa zona menos vigiada: "O meu pai avançou e chamou a minha mãe, mas ela paralizou, não teve coragem. Lembro-me de estar junto dela, a ouvir o meu pai chamar".
A hesitação revelou-se fatal. Foram todos detidos. A mãe foi condenada a nove meses de prisão por cumplicidade na tentativa de atravessar a fronteira e Daniela Walther foi mandada para a cidade de Stockhausen, para viver com os avós. Aqui permaneceu até que a mãe foi libertada. Os avós pediam-lhe para ela dizer que era filha da tia, que vivia na Alemanha Ocidental. "Ser filha de alguém que tinha tentado passar a fronteira era pior do que ser filha de um assassino", afirma.
Quanto ao pai, estave oito anos preso - "Foi torturado. Ele nunca explicou os métodos que utilizaram, mas destruíram-lhe a saúde.Penso que não viu a luz do dia durante anos" - até que foi vendido.
Já em Berlim ocidental, Karl-Heinz Prietz conseguiu que se fizesse um negócio para reaver a família. "Penso que pagaram 100 mil marcos por nós", diz Daniela Walther. "Eu na altura não queria ir, queria ficar no leste com os meus avós, na o acordado era para a mulher e filha".
Daniela tinha então 13 anos - estávamos em 1969 - e teve pena de deixar os amigos e a vida que conhecia. "A minha amiga Gudrun veio despedir-se de mim. Tive muita pena de a abandonar. Ela disse que me viria visitar quando tivesse 60 anos, porque era autorizado sair da Alemanha Ocidental a partir dos 60 anos".

O socialismo está de parabéns

por A-24, em 20.10.14
O Insurgente

Pelos melhores motivos, a Venezuela que possui uma das maiores reservas de petróleo do mundo, alcançou a proeza de ter de importar o ouro negro.
Existem planos para “fazer uma revolução dentro da revolução”. Há 15 anos que o chavismo reina na Venezuela. Com o sistema económico a colapsar, o Presidente Nicolás Maduro, reconheceu no programa de propaganda semanal “Em Contacto com Maduro” que “há problemas económicos.” De frente para a realidade, o governo venezuelano colocou em marcha um conjunto de medidas que visam atacar os problemas: a inflacção a 60 por cento ao ano, a falta de produtividade, a escassez de bens essenciais e de divisas. A forma encontrada não poderia ser mais mágica: apostar no aprofundamento do modelo socialista que tão bons resultados tem originado.

Na vertigem socialista, o executivo de Nicolás Maduro nomeou Orlando Borrego, antigo colaborador de Che Guevara, como mentor da reestruturação da administração venezuelana. A nomeação política aprofunda ainda mais a ligação entre Cuba e a Venezuela e dá poderes a funcionários do estado para intervir nas decisões de produção e de investimento das empresas e por intervir com base em verdadeiras leis anti-terroristas contra quem seja indiciado por participar naquilo que se considera como um “atentado à ordem económica.” Dificilmente se poderia esperar mais e melhor.

China, Hong Kong, Instagram e Liberdade

por A-24, em 29.09.14
Via Breitbart

China blocked the photo-sharing site Instagram over the weekend due to massive pro-democracy protests in Hong Kong. People posted pictures of police using tear gas on the demonstrators.
The photos used hash tags such as #OccupyCentral and #UmbrellaRevolution. The latter hash tag was developed after many protesters used umbrellas to defend themselves against the police. China blocked these hash tags on “Hong Kong Tear Gas” on Weibo, China’s version of Twitter, and Baidu, China’s largest search engine. However, the site is still allowed in Hong Kong.


China is well known for severe censorship laws. The Global Times, which is associated with state media People’s Daily, ran a column arguing that these protests ruin Hong Kong’s image, mainly in economics. Hong Kong, New York City, and London are the top three financial hubs in the world. The unnamed author offers excuses for China’s censorship and insists these moves help keep the peace. From the Global Times:
Radical activists in Hong Kong announced early Sunday the launch of the Occupy Central movement, raising the curtain on an illicit campaign earlier than expected. Photos of Hong Kong police being forced to disperse demonstrators with teargas have been widely circulated online across the world. These activists are jeopardizing the global image of Hong Kong, and presenting the world with the turbulent face of the city. 
....
China is no longer the same nation it was 25 years ago. We have accumulated experience and drawn lessons from others, which help strengthen our judgment when faced with social disorder.  
The country now has more feasible approaches to deal with varied disturbances.
Recent years have witnessed many severe mass incidents, but none had the ability to disturb the thinking of society. China has tackled these incidents smoothly.
Unsaid in the article is the vast differences in levels of freedom between Hong Kong and China. Hong Kong does not have censorship. The residents enjoy freedom of speech, free press, and free assembly. In a 1999 special, John Stossel demonstrated how easy it was to open a business in Hong Kong compared to America. Milton Friedman told Stossel that “Hong Kong showed us all a lesson on how to make everyone’s life better.”

A mera miséria. E armários.

por A-24, em 22.06.14
Mário Amorim Lopes



Quando Marx e Proudhon esgalhavam argumentos sobre a devida evolução a dar à luta do proletariado e à formulação do Estado (ou ausência dele) na sociedade comunista, argumentos estes reflectidos então na Filosofia da Miséria e na Miséria de Filosofia, era uma época fértil para a esquerda. Estavam volvidos 60 anos mas a Revolução Francesa e a não menos relevante Revolução Industrial permitiam ainda um vasto escorrimento de argumentário e panfletário para apanhar incautos iludidos com a ilusão de uma utopia ilidível. Não obstante, algo novo se discutia.
Hoje, finda a discussão entre a esquerda, cuja segregação interna reconstrói o divisionismo de Lenine e Trotsky, a senda é na união da segregação, montanha que nem Sísifo percorreria, com ou sem pedra. E como a união da divisão é estéril, porque indivíduos têm visões diferentes, porque indivíduos pensam de forma diferente, mas especialmente porque indivíduos são diferentes, a esquerda portuguesa, versão recauchutada da esquerda soviética do PCP, com laivos de trostkismo do BE, tonificada pelo republicanismo francês do PS e ainda decorada com new age e eco-socialismo (seja lá o que isso for) do LIVRE, está esvaziada de ideias. Não há nada de absolutamente novo. Não há nada de novo. O que existe é um absoluto vácuo que transita, crónica sim, crónica sim, entre a vacuidade e o casualismo. Do que diz e pensa a direita, claro está. Que ideias verdadeiramente originais, para lá de uma ou outra histeria transitória movida a causas, tem a esquerda tido? A extrema, nenhuma. A democrática, mais do mesmo. A insistência no luso-keynesianismo, versão particular que descarta os saldos orçamentais e a contenção em períodos de crescimento e apenas considera o desperdício público, tornou-se o agouro que foi devidamente abraçado e consensualizado e que basicamente nos trouxe até aqui.
E quando o café se esgota, toma-se chá. Então a esquerda achou interessante fazer uma recensão crítica sobre os livros, as obras, as vidas, os gostos e os planos de reinar o mundo, com roque e remoque mas agora sem Rei, de uma direita que era ultramontana, vivia numa caverna, parecia não ler (excepto versículos da Bíblia, claro está) e gostava de ir à missa para ouvir os versículos, evitando assim ler. Esta direita transforma-se então numa direita renovada, qual Fénix, refrescada, que agora lê, que agora até pensa, como se a primeira nunca fosse intelectual ou como se a segunda nunca fosse de direita. Como se a inteligência fosse oxímoro de direita. Tão antagónico que, tal como Graça Moura, era até surpreendente que fosse de direita, dada a sua aclamada inteligência. Analisar a cultura de direita, se feito com respeito e rigor, é um exercício voluntarioso e que tornaesta obra de António Araújo extremamente interessante. Fazê-lo de fora e com um tom pedagógico que roça uma análise técnica da movimentação de animais num Zoo torna o feito menos digno. E menos feito.
Os objectivos são múltiplos. O primeiro é ridicularizar a concepção tradicional de direita. Caricaturizar aquilo que a esquerda, lá do alto da sua pretensa superioridade, imagina que era ou o que é a direita. O outro é menos óbvio: marginalizar o liberalismo dentro da direita. Uma direita renascida, burguesa, que gosta de arte e cultura, que lê, avant-garde, tão avançada e cosmopolita que até se parece uma esquerda, dizem eles, emaranhada com os neoliberais que, juram eles, querem um Estado fraco mas bombas em fartura algures no Médio-Oriente.
Não precisamos de uma cisão entre liberais e conservadores, ela é mais do que óbvia e assumida. Há muito que largou o armário, há muito que se assumiu. Toda a gente, excepto a esquerda, percebeu isso. Um liberal, por tradição, deve rejeitar a tradição como argumento para o debate político, ou pelo menos relegar-lhe a importância que este merece: um estabilizador. A tradição não é necessariamente melhor ou pior. O seu único mérito foi sobreviver ao tempo, coisa que uma rocha também faz com especial primazia. Claro que uma dinâmica social que respeita a ordem e a estabilidade é, para alguém de direita, condição fundamental e necessária, mas não condição suficiente, pelo menos para um liberal.
O curioso é que transparece, é por demais evidente, que a esquerda se sente ameaçada não por esta nuova direita cosmopolita mas sim pelo liberalismo, desde sempre novo e cosmopolita, ao ponto de enaltecer os garantes do conservadorismo que, em certa medida, sempre promoveu o Estado. Foram os liberais, foram as ideias de John Locke e de Montesquieu que fomentaram a Revolução Francesa, o início, não o que depois se sucede. Os conservadores estavam e estarão do outro lado. E estavam bem, pelo menos à luz do que os rege. O sistema não estava mau, embora as finanças francesas estivessem depauperadas muito em parte devido à participação na Revolução Americana, lutando ao lado (a história é irónica) dos Republicanos, e as pessoas passassem fome enquanto a corte festejava. Como tal, a sua cisão deveria ser evitada a todo o custo, a fim de manter a tradição. E, justiça lhes seja feita, tinham razão. O processo revolucionário que dali surgiu foi sangrento, sujo, miserável, facetas geralmente ignoradas em função da exaltação da república, com a res-pública, ou pelo menos uns quantos, delapidada pela guilhotina e depois unida à força com a vontade bélica de Napoleão. E se essa direita se assume republicana, terá de justificar como figura a tradição e a revolução (francesa) num mesmo quadro.
Para a esquerda, este recente aggiornamento é uma saída de um armário que esta, obviamente, já havia feito. Se a referência implícita “aos direitos dos LGBT” é mais do que evidente, é interessante recordar que antes da nova direita aceitar algumas das causas da esquerda, como o casamento homossexual, já a velha direita, especialmente os liberais, achavam que não compete ao Estado legislar sobre o matrimónio, instituição que nunca foi sua, aliás. Corolário? Cada um casa com quem bem entender, não necessitando do aval ou da benesse do Estado, que mais se assemelha à bênção do pároco local. A tradição ainda está a percorrer este caminho. Alguma já lá chegou, outra eventualmente lá irá chegar. A esquerda, que do alto do seu púlpito observa, permanece de olhos fechados.
Neste tentativa de escalpelizar a direita, a esquerda esquece-se que, porém, é muito mais o que nos une do que nos separa. Da mesma forma que no séc. XVIII liberais e conservadores trocaram de papéis, assumindo os conservadores o papel de reformar o Estado e restituir aos indivíduos a sua liberdade (cf. “The Man vs The State”, Herbert Spencer), os “liberais” de então ocupavam-se com uma agenda que hoje seria facilmente apelidada de progressista. Embora um liberal não partilhe do imaginário utilitarista de Stuart Mill ou não se identifique com Burke, são mais as pontes em comum do que as ilhas. Não é por acaso que liberais admiram Churchill. Podemos discordar no método, mas concordamos no princípio: entre conservadorismo e liberalismo, o pior é mesmo o socialismo. E, em boa verdade, se João Pereira Coutinho, Henrique Raposo, Pedro Mexia ou João Miguel Tavares nos representam, estamos bem representados, ainda que com naturais e salutares discordâncias decorrentes nas diferenças que inevitavelmente reconhecemos como parte da essência humana.
Despidas as vestes, tornando-se óbvio que não existe nada para além do mero intriguismo político e estando a bola deste lado, é inevitável sugerir à esquerda que se ocupe com a construção e propagação da névoa que envolve esse novo grande timoneiro da esquerda, feito D. Sebastião, que virá para salvar os portugueses deles próprios. Ou, como a realidade mostrará, somente para sair do armário e revelar o Hollande que contém em si, sem ideias novas, sem ideias mas com muita narrativa, como a esquerda moderna, que não é nada mais do que a estampagem da esquerda de sempre, a da miséria, assim requer.