O Estado Islâmico (EI) instituiu uma força policial do sexo feminino, cuja missão é garantir uma sociedade shariah-compliant e gerenciar bordéis abastecido com mulheres iázidis que foram forçadas à escravidão sexual.
O grupo diz-se ser chamada Brigada Al-Khansa. A unidade só de mulheres esconde declaradamente armas de aplicação, tais como armas de fogo e facas sob seus revestimentos de corpo inteiro islâmicos. Eles são baseados fora de Raqqa, que tem sido descrita como a capital do ISIS, na Síria.
As mulheres muçulmanas britânicas que viajaram para a região orgulhosamente ostentavam nas redes sociais um comportamento primitivo exibido pelas patrulhas do sexo feminino ISIS em Raqqa, detalhando como elas realizam espancamentos sem motivo e asseguram que as meninas iáziges mantenham um comportamento adequado, enquanto escravizadas, relata o Daily Mail.
A patrulha da polícia já teria batido muitas vezes a mulheres que não vestem correctamente o véu islâmico, e outros que estavam usando sapatos que não eram apenas negros.
Al-Khansa empresta seu homônimo de um poeta que viveu no mesmo tempo que o profeta Mohamed, de acordo com a escritura islâmica. Al-Khansa traduzido do Inglês como "mãe de muitos mártires."
Separadamente, os militantes ISIS continuaram se aproximando de uma base aérea síria no leste do país. Na quinta-feira, os relatórios afirmaram que dezenas de soldados sírios e jihadistas do ISIS foram mortos em combate. A base aérea tem sido usada como uma plataforma para ataques contra cidades ISIS-ocupados e aldeias em toda a região. Caso a queda base aérea nas mãos de ISIS, os jihadistas guerreiros santos espera enfrentar muito menos resistência em suas operações regionais futuras.
Uma das análises mais correctas sobre o que se estava a passar no mundo resulta de um livro de Samuel P. Huntington, de 1996, intitulado The Clash of Civilizations and the Remaking of World Order. Nesse livro demonstra claramente como se estava a formar uma nova ordem mundial para o séc. XXI e que nessa nova ordem um dos factores mais decisivos era o Ressurgimento Islâmico. A seu ver a civilização islâmica estava a tornar-se cada vez mais influente a nível mundial, não apenas pela sua maior capacidade de conversão de novos crentes, mas ainda pelo maior crescimento demográfico das suas populações.
Para Huntington a influência mundial da civilização islâmica só não era maior porque o islamismo radical não tinha um Estado religioso forte que pudesse servir de sustentáculo às suas pretensões. A esmagadora maioria dos Estados árabes não apoiava uma versão radical do islamismo, preferindo estar de bem com o Ocidente, e a única excepção, o Irão, baseava-se na corrente xiita do Islão, minoritária em face dos sunitas, o que levava a que não fosse seguido pelos militantes islâmicos radicais.
Por isso o Ocidente ficou descansado com o aumento da influência islâmica no mundo, uma vez que as guerras eram travadas entre os próprios Estadoa arábes, ainda que o ataque ao Kuwait tenha pela primeira vez obrigado a uma intervenção, dado que pôs em causa os interesses ocidentais. Mas Bush pai teve a inteligência de deixar Saddam Hussein no poder, uma vez que bem sabia que o seu derrube só serviria para aumentar a influência do Irão e dos movimentos islâmicos radicais na região.
Bush filho, com uma inteligência rudimentar, e movido por uma questão pessoal, quis derrubar Saddam Hussein, seguindo a estratégia de iluminados como Wolfowitz que achava que o Iraque tinha que ser conquistado, uma vez que "nadava num mar de petróleo". Consta que terá respondido o seguinte a quem o interrogava como é que depois os americanos sairiam do Iraque: "É simples. Não saímos". Nessa estratégia teve o apoio ainda mais desastrado de Blair, Asnar e do nosso Durão Barroso, que juntos criaram um enorme sarilho.
Obama, que é inteligente e tinha a vantagem de se ter oposto desde o início a este disparate, não conseguiu, porém, ver que Wolfowitz tinha razão num ponto: é que depois de se ter entrado no Iraque já não era possível sair de lá. A saída dos EUA do Iraque, associada a um apoio às primaveras nos outros países arábes, foi um campo fértil para os militantes islâmicos radicais, que conseguiram nos territórios sírios e iraquianos aquilo que desde sempre ambicionavam: a reconstrução do califado. Ora, esse Estado islâmico vai ser seguido pelos militantes radicais de todo o mundo e pode ter um sucesso muito mais rápido que o califado original, cujos exércitos chegaram em 80 anos desde a península arábica em 632 até Poitiers em 711. E esse Estado todos os dias proclama o seu ódio aos ocidentais, como se vê pelas execuções que sistematicamente são exibidas.
É manifesto, por isso, que o Ocidente está a ser constantemente desafiado para a guerra, só que já não tem coragem de mandar tropas para o terreno e os ataques aéreos podem fazer mossa, mas não alterarão a situação. Quanto a Portugal, é o ridículo de sempre. Mal li aqui que o Ministro da Defesa afirmava que Portugal vai participar na coligação contra o Estado islâmico, julguei que se estava a planear uma cruzada, ao velho estilo do "Por El-Rey e São Jorge aos Mouros!". Mas afinal o Ministro explicou que "a seu momento se verá" de que forma Portugal participará, tendo em conta que a colaboração pode acontecer de várias formas, designadamente através "de treino, de inteligência, de formação" ou humanitária. Quanto a tropas no terreno, cruzes canhoto. Está visto assim que o Ocidente não vai ter a mínima hipótese de ganhar esta guerra.
José Milhazes Não obstante os terroristas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante terem também ameaçado a Rússia e o próprio Presidente Putin, este não se apressa a juntar à coligação internacional que luta contra o ISIS, pois parece recear que o objectivo dos Estados Unidos e seus aliados seja derrubar o regime sírio de Bashar Assad à sombra do combate aos jihadistas.
Numa conversa telefónica com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o Presidente russo defende que, nas operações contra o ISIS na Síria se “deve respeitar o Direito Internacional” e os bombardeamentos aéreos nesse país só deverão realizar-se com o “consentimento do governo sírio”.
Tendo em contra que Washington e os seus aliados deram ouvidos a Putin quando este evitou a invasão da Síria a troco da entrega das armas químicas por Damasco à comunidade internacional, poder-se-ia pensar que também desta vez será possível chegar a um acordo, mas tal não deverá acontecer. Isto porque, ao espezinhar o Direito Internacional na Ucrânia com a anexação da Crimeia e o apoio aos separatistas do leste do país, o Kremlin perdeu o direito de dar lições de moral aos outros, se é que já não tinha perdido esse direito quando da guerra na Chechénia ou da invasão da Geórgia.
E, pelos vistos, os EUA e os seus aliados irão resolver os problemas da Síria e do ISIS à sua maneira, enquanto que a Rússia irá continuar a sua política no país vizinho, embora com mais êxito. O conflito entre Kiev e os separatistas pró-russos está a caminho do congelamento, o que permitirá a consolidação dos poderes nas regiões separatistas e a criação de uma situação como a que existe na Transdnistria em relação à Moldávia. Isto se Putin não avançar ainda para a conquista de corredores para ligar a Rússia à Transdnístria e à Crimeia.
Nesta situação, é difícil esperar uma coordenação de acções entre a Rússia e a NATO face a qualquer problema mundial, a não ser que a Terra seja invadida por extraterrestres. E mesmo assim...
O Estado Islâmico avança com desordem e sem atender a fronteiras. É a facção mais extrema do islamismo radical. Ocupa zonas do Iraque e da Síria. É uma cópia conceptual dos califados de há quase mil anos. Os Estados Unidos e a França bombardeiam as imprecisas posições dos novos terroristas, que degolaram vários cidadãos ocidentais e ameaçam voltar a fazê-lo, espectáculos filmados que se retransmitem através das redes globais. As pessoas que viviam no Curdistão iraquiano e sírio atravessam massivamente a fronteira com a Turquia — mais de 130.000 nos últimos dias.
Esta guerra é uma profunda aberração. Os curdos lutaram durante mais de trinta anos contra a Turquia. Paradoxalmente, é agora a Turquia a acolher por razões humanitárias milhares de curdos procedentes da Síria e do Iraque. Esses curdos não são bem-vindos pelos que na Turquia lutaram contra Ankara. A mobilidade forçada de grandes dimensões é sempre conflituosa. Mas o facto da Turquia aceitar centenas de milhares de curdos indica até que ponto o Estado Islâmico é concebido como um perigo para a estabilidade na zona e para a sobrevivência de etnias, culturas e antigas religiões que, como a cristã, povoam aquelas terras desde há quase vinte séculos.
A agência de refugiados da ONU pede desesperadamente ajuda para mitigar dentro do possível este drama humano de bárbaras dimensões. Se o Estado Islâmico controlar a cidade de Kobane terá um enclave para dominar toda a região. Está em marcha uma coligação que agrupa mais de trinta países, incluindo vários estados muçulmanos. Os bombardeamentos americanos e franceses atingem os fundamentalistas, mas Tony Blair pediu a entrada de forças terrestres se se quer derrotar definitivamente o Estado Islâmico.
Obama venceu duas eleições prometendo sair do Afeganistão e do Iraque, e agora volta à guerra para destruir um grupo terrorista que está a formar um novo estado, apagando as fronteiras entre a Síria e o Iraque e enviando centenas de milhares de refugiados para a Turquia.
A política, sobretudo a internacional, é imprevisível. Mas há que dizer que a guerra iniciada em 2003 contra Saddam Hussein, justificada pelas inexistentes armas de destruição massiva, foi um erro cujas consequências estamos todos a pagar. A alegria com que se lançavam bombas sobre Bagdade retornou na forma da amargura de centenas de milhares de mortos, deslocados e desesperados. Está tudo pior que em 2003. Os efeitos da tristemente célebre cimeira dos Açores continuarão a fazer-se sentir e o seu cabal apuramento só poderá ser medido dentro de pelo menos mais uma década.
É difícil esperar qualquer coordenação de acções entre a Rússia e a NATO face a um problema mundial, a não ser que a Terra seja invadida por extraterrestres. E mesmo assim...
Não obstante os terroristas do Estado Islâmico do Iraque e do Levante terem também ameaçado a Rússia e o próprio Presidente Putin, este não se apressa a juntar-se à coligação internacional que luta contra o ISIS, pois parece recear que o objectivo dos Estados Unidos e seus aliados seja derrubar o regime sírio de Bashar Assad à sombra do combate aos jihadistas.
Numa conversa telefónica com o secretário-geral da ONU, Ban Ki-moon, o Presidente russo defende que, nas operações contra o ISIS na Síria, se “deve respeitar o Direito Internacional” e os bombardeamentos aéreos nesse país só deverão realizar-se com “o consentimento do governo sírio”.
Tendo em conta que Washington e os seus aliados deram ouvidos a Putin quando este evitou a invasão da Síria a troco da entrega das armas químicas por Damasco à comunidade internacional, poder-se-ia pensar que também desta vez será possível chegar a um acordo, mas tal não deverá acontecer. Isto porque, ao espezinhar o Direito Internacional na Ucrânia com a anexação da Crimeia e o apoio aos separatistas do leste do país, o Kremlin perdeu o direito de dar lições de moral aos outros, se é que já não tinha perdido esse direito quando da guerra na Tchechénia ou da invasão da Geórgia.
E, pelos vistos, os EUA e os seus aliados irão resolver os problemas da Síria e do ISIS à sua maneira, enquanto a Rússia irá continuar a sua política no país vizinho, embora com mais êxito. O conflito entre Kiev e os separatistas pró-russos está a caminho do congelamento, o que permitirá a consolidação dos poderes nas regiões separatistas e a criação de uma situação como a que existe na Transdnistria em relação à Moldávia. Isto se Putin não avançar ainda para a conquista de corredores para ligar a Rússia à Transdnístria e à Crimeia.
Face a esta situação é difícil esperar uma coordenação de acções entre a Rússia e a NATO face a qualquer problema mundial, a não ser que a Terra seja invadida por extraterrestres. E mesmo assim…
Não se pode dizer que tenham chegado sem aviso. Chegaram, instalaram-se, a eles e ao caos que é a sua imagem de marca, e foram ficando. Primeiro fizeram isso em aldeias e depois em cidades como Raqqa ou Deir Ezzor, e isto fica tudo lá na Síria, aquele país tão perto e tão longe. Depois, chegaram ao Líbano, a seguir, ao Iraque. Entraram por Falluja, quem é que ainda queria saber de Falluja.
Mossul, a segunda maior e mais importante cidade do Iraque, é diferente. Mesmo. Nínive, a província de que é capital, também. Não são só as 500 mil pessoas que em menos de 48 horas fugiram de Mossul. Não são apenas as instalações petrolíferas de Baji, a estrada até ao Curdistão (iraquiano e turco), a localização estratégica, a meio caminho entre a Síria e o Irão e com a Turquia logo ali acima. Não é só Mossul: Tikrit, capital da província de Salahedin, a meio caminho entre Mossul e Bagdad, também já caiu.
É a Europa, também. Os refugiados a tentar chegar e tanto mais. Como o atentado do fim de Maio ao Museu Judaico da Bélgica, cometido por Medhi Nemmouche, um francês de 29 anos que esteve na Síria, a combater nas fileiras do ISIS (Estado Islâmico do Iraque e do Levante), qualificado esta quarta-feira pelo embaixador americano em Bagdad como "um dos grupos terroristas mais perigosos do mundo".
“A queda de uma grande cidade como Mossul e a fuga das forças de segurança é algo de verdadeiramente dramático”, afirmou esta quarta-feira o ministro dos Negócios Estrangeiros iraquiano, Hoshyar Zebari. Ban Ki-moon, secretário-geral da ONU, diz-se “muito inquieto”, enquanto a Casa Branca descreve o ISIS e o seu crescimento imparável como “ameaça à estabilidade de toda a região”. Na Síria, o ditador Bashar al-Assad oferece ajuda ao Governo iraquiano de Nouri al-Maliki. Parece uma piada, mas não é.
Como habitualmente, o ISIS fez as suas apresentações executando membros das forças de segurança iraquianas, alguns na província de Kirkuk, a sudeste de Mossul e de Nínive.
Os jihadistas que ocuparam o lugar da Al-Qaeda na ameaça que constituem para esta região e para o resto mundo, aproveitando o vazio e as poucas armas em poder de quem os quis combater na Síria – os rebeldes anti-Assad –, já controlam vastas zonas de três províncias iraquianas e patrulham Mossul, uma cidade gigantesca e imponente, ao mesmo tempo que apelam com os seus megafones à população, explicando-lhes que chegou a hora de se unirem aos novos senhores. Entretanto, raptaram 47 turcos no consulado da cidade. Tudo isto em menos de dois dias.
Meio milhão em fuga
Os civis que fugiram foram para onde puderam: em direcção a norte, para a província autónoma do Curdistão iraquiano (as forças de Maliki e os exércitos curdos já decidiram que terão de enfrentar o ISIS em conjunto, resta saber se serão capazes); atravessaram da margem ocidental para a oriental do rio Tigre, à procura de refúgio em cidades de Nínive que os jihadistas ainda não alcançaram.
Os sírios estão a viver este filme há meses – principalmente no Norte, de Alepo até à fronteira com a Turquia, de Alepo até ao Curdistão sírio. Até que o ISIS alcança a aldeia para onde fugiram e depois a cidade a seguir e ainda instala barreiras em todas as estradas e ninguém sabe se passará como se nada fosse ou se acabará raptado e escravizado, executado ou decapitado. Mas poucos, para além dos sírios, quiseram ver e antecipar o que viria necessariamente a seguir.
Há “um número significativo de vítimas entre a população civil”, mas “o centro de cuidados principal, formado por quatro hospitais no centro da cidade, está inacessível, fica em pleno coração de uma zona de combates e as mesquitas foram convertidas em clínicas para tratar os feridos”, explica a Organização Internacional para as Migrações. Os homens do ISIS proíbem a utilização de carros, toda a gente sai de Mossul a pé.
Os sírios já viram este filme. Assad fez a sua parte, mas depois o ISIS apareceu e começou a crescer e os sírios já fogem de tudo e de todos e é de há muito. A pé, com o que conseguem levar. Já fugiram 9 milhões e quase nem se acredita. A não ser em dias como esta quarta-feira, em que se percebe que meio milhão de iraquianos fugiu de casa.
O ISIS e a Al-Qaeda partilham ideias e métodos, nascem dos mesmos muçulmanos sunitas radicais (árabes, europeus, asiáticos) prontos a levantar armas em nome de um califado no meio de terras lideradas por xiitas (que consideram hereges), "jihadistão", chamemos-lhe assim, como faz o jornal Le Monde em editorial. O ISIS está perto, muito perto, de controlar províncias inteiras do Iraque e de amputar a Síria – em parte, estas áreas concentram petróleo, para além de localizações absolutamente estratégicas.
A Europa, escreve o Le Monde, “não pode ficar indiferente: o ISIS seduz centenas, talvez milhares, de jovens muçulmanos europeus regressados de combater nas suas fileiras, essencialmente na Síria”. Maliki e a ausência de um Estado funcional no Iraque contribuíram de forma decisiva para os últimos acontecimentos. Mas a responsabilidade é partilhada.
Escreve Simon Tisdall no diário britânico The Guardian que Barack Obama prometeu que ajudaria Bagdad a construir “um exército nacional eficiente e bem equipado”. Entretanto, fez pouco mais do que “tornar o Iraque num mercado lucrativo para vender armas”. Ao mesmo tempo, deixou o Irão oferecer ajuda a Bagdad, como já fizera na Síria – aqui contra civis desarmados, antes de ser contra rebeldes dispostos a tudo, antes de os sírios conheceram o poder de sangue do ISIS.
Obama não enviará tropas para o Médio Oriente; já era óbvio, o Presidente norte-americano repetiu-o na semana passada, no seu discurso em West Point. A Rússia, lembra e bem o Le Monde, continua fiel à sua aliança com a Síria e com o Irão e “a Europa olha para o lado.” Onze anos depois de uma invasão que George W. Bush e Tony Blair justificaram em nome da “guerra ao terrorismo”, o jihadismo triunfa no Iraque, concluiu o diário francês. “Tragédia sem fim para os iraquianos e para os sírios. Ameaça a chegar para os europeus.”
A Síria não cumprirá o prazo de entrega das armas químicas. De acordo com o Secretário-Geral das Nações Ban Ki-moon, mais de sete por cento do arsenal declarado pela Síria, continua no país pelo que não será possível a entrega do total das armas químicas até ao dia 30 de Junho. O regime de Assad apontou a insegurança como o motivo para que as armas quimicas não possam ser entregues e posteriormente destruídas. Num acordo em que a Rússia e os EUA actuaram como intermediários, a Síria aceitou desfazer-se do seu arsenal de armas químicas, estimado em 1300 toneladas – depois de em finais do ano passado ter usado um gás nervoso contra civís em Damasco.
Os efeitos da guerra permancem desastrosos. De acordo com um relatório da ONU que cobre o último trimestre de 2013, três quartos da populção síria vive numa situação de pobreza, com 53.4 por cento a sobreviver numa situação de pobreza extrema e 20 por cento da população não conta sequer com os meios para satisfazer as necessidades básicas. Os autores do relatório estimam que durante a guerra, o nível de desenvolvimento humano na Síria retrocedeu quatro décadas e alertam que o conflito originou a criação de novas elites políticas e económicas que usam as redes nacionais e internacionais para enriquecerem com o tráfico de matérias-primas, armas e pessoas. A violência, o medo, a destruição está a levar à extinção o que resta da humanidade na Síria.
"A Síria é uma república monárquica. Ao pai Hafez al-Assad sucedeu o filho, Bashar al-Assad. Os dois têm o carisma de uma anémona. Mas, mesmo assim, não hesitam em levar o culto da personalidade até ao enjoo. As fotografias de pai e filho são omnipresentes. Todos os cafés, lojas, restaurantes e bares, queiram ou não queiram - e duvido muito que algum queira -, são obrigados a ostentar as carinhas dos dois senhores. Nas fotos de propaganda do regime ao pai e ao filho junta-se o Espírito Santo. O filho predileto de Hafez, Basil al-Assad, era o candidato ao trono, mas morreu prematuramente num acidente de viação. Ficou o filho Bashar, o mais ocidentalizado, que chegou a dar sinais de abertura nunca concretizados. Basil surge como herói, montado em cavalos. Ao que parece praticava hipismo e conseguiu um segundo prémio para a Síria. Sendo da dinastia Assad, isso chega para ser um novo Saladino. As imagens estilizadas do defunto estão estampadas nos carros. A Síria é, como praticamente todos os regimes árabes, uma ditadura repressiva. Esta calhou ter estado do lado de lá do Muro - ou seja, do lado dos derrotados. Mas falar de socialismo aqui seria no mínimo exagerado. A intervenção do Estado na economia é maior do que nos países vizinhos. A repressão política também. A religiosa, pelo contrário, é mais baixa. Trata-se de uma ditadura laica que da mesma forma que prende e mata os opositores políticos, mantém controlados os movimentos de qualquer tipo de fundamentalismo religioso que nunca quereriam nada com a dinastia Assad. A ligação ao Irão é táctica, não religiosa, já que a esmagadora maioria da população é sunita (mesmo que o regime seja dominado pelos alauitas)."
"Se em Damasco a diversidade religiosa se sente, em Alepo ela é muito presente. Alepo diz-se o mais antigo local habitado do Mundo e a sua história é feita de conquistas, reconquistas, ocupações e guerras. Mas também de convivência. O hotel onde fiquei é no bairro arménio, maioritariamente cristão. Um bairro semelhante existe na cidade velha de Damasco. No domingo, fui assistir à missa dos maronitas. Podia ser em qualquer cidade europeia, mas eram árabes que ali estavam. Nos bairros cristãos de Damasco e Alepo os símbolos religiosos (crucifixos e imagens de Cristo) são tão visíveis como os símbolos islâmicos no resto da cidade. Nos anos sessenta houve tensões com os cristãos (arménios, ortodoxos gregos, maronitas e católicos latinos) mas os problemas não são comuns e muito menos visíveis para um visitante. Há ainda drusos, xiitas e alauitas, para além da maioria sunita. Com mais uma guerra a decorrer no Líbano, impressiona-me que cheguem, aos milhares, a Alepo e Damasco, refugiados libaneses de todos os credos: maronitas, drusos, xiitas, sunitas. Como se o Líbano fosse a reprodução extremada do mosaico sírio e a Síria, apesar da ditadura e da repressão (ou até por causa delas), a sua versão pacifica."
Reutilizo aqui duas passagens do pequeno diário que escrevi quando, há sete anos, estive na Síria. Não eram notas políticas. Apenas apontamentos de duas das coisas que mais notei na vida quotidiana de um dos países que mais me impressionou, pela sua beleza, até hoje: a ditadura, uma das mais repressivas do mundo árabe, e a inabitual convivência religiosa. A que poderia acrescentar a convivência étnica, que junta curdos, turcos, arménios e árabes. Duas impressões que demonstram que as coisas são, por vezes, mais complicadas do que parecem. A pior das ditaduras pode ser, do ponto de vista religioso e étnico, um regime tolerante.
Juntem-se a estes dois dados o papel estratégico da Síria na região. Todos os conflitos no Líbano são incompreensíveis sem perceber o que se passa no vizinho sírio. E qualquer conflito no Líbano tem repercussões imediatas em Israel e no seu conflito com a Palestina. Damasco tem um diferendo territorial com Telavive, dá apoio à resistência palestiniana e tem, no seu território, campos de refugiados palestinianos (bastante mais dignos, diga-se em abono da verdade, dos que existem no Líbano ou na Jordânia). Tem uma aliança tática com o Irão. Tem muitos refugiados iraquianos e relações próximas com o outro lado da fronteira. Tem uma minoria curda e está, mesmo que de forma ligeira, ligada aos conflitos do Curdistão com Bagdad e Ancara. O regime é dominado por alauitas (que se consideram xiitas), quando a maioria da população é sunita. Ou seja, a Síria é um dos elementos mais sensíveis na filigrana que é o Médio Oriente. Por ali passam, de forma intensa ou moderada, quase todos os conflitos da região: curdos contra turcos, iraquianos e sírios, palestinianos contra israelitas, iranianos contra o Ocidente, todos contra todos no Líbano, sunitas contra xiitas, muçulmanos contra cristãos.
A queda do regime de Assad pode parecer uma boa notícia. Mas também pode trazer muitos amargos de boca. Entre os rebeldes estão muitos fundamentalistas islâmicos que, numa sociedade habituada a viver numa razoável paz religiosa, poderiam abrir uma panela de pressão que nunca mais se fechará. A convivência que encontrei em Alepo e Damasco será, estou seguro, uma impossibilidade com a chegada de alguns dos rebeldes ao poder. Que Assad é um torcionário, não tenho qualquer dúvida. Que os que o lhe querem suceder não sejam ainda piores é coisa que não apostaria. Ao que se junta destabilização que a mudança de regime pode trazer a todo o Médio Oriente. Mas nem é necessário que haja uma revolução na Síria. Basta a intervenção ocidental naquele território, com o sempre indesejado envolvimento americano e com a participação das duas principais potências ocidentais com interesses económicos e estratégicos na região - França e Reino Unido -, para que a instabilidade se espalhe por todo o Médio Oriente.
Não há, do ponto de vista da paz na região, qualquer bom argumento para uma intervenção militar externa. Não há nenhum argumento político para substituir uma ditadura por aquilo que dificilmente virá a ser uma democracia. Sobra, então, o argumento moral para esta intervenção. Um argumento difícil de sustentar. Poderia enumerar dezenas de guerras civis recentes e mais mortíferas do que a da Síria. A questão são as armas químicas? Mas os mortos do Darfur ou do Ruanda são diferentes por ter sido usado armamento convencional? Centenas de milhares de vítimas valem menos se forem mortas à catanada? E não sabemos que também os rebeldes sírios já usaram este tipo de armamento? Não sei se os interesses económicos na região, para os quais a Síria tem uma posição geográfica estratégia, explicam esta vontade de intervir. Apostaria mais em razões internas norte-americanas e francesas. A paz na região é que não é de certeza.
Resumindo: nenhum argumento estratégico, político e moral sério pode ser usado para esta intervenção. Qual é a minha alternativa? A mais difícil de escrever, perante mais de cem mil mortos e dois milhões de refugiados: terão mesmo de ser os sírios a resolver a encruzilhada em que se encontram. A nós, resta-nos esperar que ali surja um poder democrático e laico. Depois desta guerra, não será provável. Mas quanto teve a Europa de penar para chegar às suas imperfeitas democracias? Não terão os árabes o direito de encontrar o seu próprio caminho? Não aprenderam os EUA que, quase sempre que se meteram no Médio Oriente, deixaram tudo ainda pior do que encontraram?
Os navios carregados de activistas, paz e eperança podem ser substituídos por um momento de stand up comedy de qualidade internacional.
“The demands of the Turkish people don’t deserve all this violence,” Syrian television quoted Information Minister Omran Zoabi as saying. “If Erdogan is unable to pursue non-violent means, he should resign.”
“Erdogan’s repression of peaceful protest … shows how detached he is from reality.”
A UE e os EUA descobriram finalmente como fazer dinheiro com o conflito sírio. Acaba-se com o embargo aos rebeldes para lhes vender armas. A Rússia e a China fazem o mesmo a Hassad. Entra-se numa bola de neve onde o conflito se prolonga, necessitando sempre de mais armas e os cifrões vão crescendo. Se os rebeldes vencem, ganha-se dinheiro e um aliado. Se Hassad vence pelo menos fez-se dinheiro. Se o conflito se prolonga, muito dinheiro entrará. Que final feliz.