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A-24

Rússia, país com passado imprevisível

por A-24, em 15.12.14

José Milhazes

Na Rússia o o passado é revisto, na maior parte das vezes, para justificar os devaneios do presente. Como o passado é imprevisível, também os amigos de ontem são os inimigos de hoje.

Os russos dizem que “a Rússia é um país com um passado imprevisível” para sublinhar que a história pode ser reescrita ao sabor dos desejos do senhor no poder. O problema é que o passado é revisto, na maior parte das vezes, para justificar os devaneios do presente.

Quando eu estava na Faculdade de História da Universidade de Moscovo, um professor mais ousado e aberto da disciplina de História do Partido Comunista da União Soviética decidiu mostrar-nos como é que isso se fazia na prática. Trouxe-nos três livros sobre o mesmo tema: a revolução comunista de 1917, escritos entre 1918 e 1929. No primeiro, os principais mentores e realizadores do golpe são Vladimir Lenine e Lev Trotski, aparecendo José Estaline num lugar insignificante; no segundo, Trotski desaparece, passando Lénine a ser acompanhado na direcção por Estaline e, no terceiro, Trotski passa a adversário, Estaline a figura central e Lenine a ajudante do ditador soviético.

Recentemente, realizou-se um Concílio Mundial do Povo Russo, cujo dirigente máximo é o Kirill I, Patriarca de Moscovo e de toda a Rússia. Nele participaram altos dirigentes religiosos, políticos e militares.

Ora aí foi decidido definir quem se pode considerar russo. Segundo uma declaração aprovada, “russo é aquele que se considera russo; que não possui outras preferências étnicas e que pensa em língua russa; que reconhece no cristianismo ortodoxo a base da cultura espiritual nacional; que sente solidariedade com o destino do povo russo”.

Com apenas esta definição deixam de ser russos Piotr Tchaadaev pensador católico do séc. XIX, ou o poeta ateu Vladimir Maiakovski ou até um dos maiores dos clássicos da literatura mundial Lev Tolstoi, que, como é sabido, foi excomungado pela Igreja Ortodoxa Russa por criticar duramente a sua doutrina e prática. Mas a lista de excluídos poderá ser bem mais extensa.

Num país multinacional como a Rússia, o aparecimento de semelhantes “definições” é extremamente perigoso, pois cria ou acentua novas linhas fracturantes na sociedade.

Aqui, não posso deixar dar razão ao Presidente Putin que escreveu há dois anos atrás: “Para a Rússia, com a sua multiplicidade de línguas, tradições, etnias e culturas, a questão nacional, sem qualquer tipo de exagero, tem um carácter fundamental. Qualquer político responsável, activista social, deve ter presente que a concórdia cívica e entre nacionalidades é uma das principais condições da própria existência do nosso país”.

Mas os tempos mudaram e talvez a nova definição de russo esteja mais na moda entre as elites políticas e religiosas do país. Afinal, o passado é imprevisível e os amigos de ontem são os inimigos de hoje.

Moldávia é o próximo campo de baalha entre a Rússia e a UE

por A-24, em 08.12.14
Via The Moscow Times


Foi por um triz. Depois de uma campanha eleitoral amargo que opôs partidos pró-europeus contra um pró-russo Partido Socialista bem financiada, moldavos optou por um percurso europeu nas eleições parlamentares em 30 de novembro Os resultados mostraram um país dividido entre se aproximando para a Europa ou para Rússia.
Os liberais democratas, o Partido Democrata e do Partido Liberal, juntos, conquistaram 45,5 por cento, ou 54 lugares, do parlamento. Partindo do princípio que eles podem acabar com a reputação de brigas e corrupção que muitas vezes era a marca registrada no governo ao longo dos últimos cinco anos, eles vão formar próxima coligação na Moldávia.
Não vai ser um passeio fácil para eles. O partido radical-esquerda dos Socialistas, liderado por Igor Dodon e firmemente apoiada pelo presidente Vladimir Putin, ganhou com 21 por cento dos votos, tornando-se o maior partido político do país.

O embaixador da Rússia na Moldávia, Farit Mukhametshin, não escondeu a sua satisfação acerca da ascensão meteórica do partido. Ele visitou a sede dos socialistas em 2 de dezembro e esbanjou felicitações e elogios sobre a sua liderança. Junto com os comunistas, que ganhou 18 por cento dos votos, os partidos de esquerda e anti-europeus terão agora 44 assentos num parlamento de 101 membros.
Não é de admirar, então, que o resultado da eleição vai testar o compromisso da União Europeia a este pequeno e pobre país.
Como a Ucrânia, a Moldávia se tornou uma competição geo-estratégica entre Bruxelas e Moscovo. E, como a Ucrânia, a Rússia tem se determinado a não deixar o país escapar de sua influência. Como foi mostrado durante a campanha eleitoral, a Rússia vai tentar usar a sua versão do soft power para continuar a se intrometer na Moldávia.
Na verdade, o que o resultado das eleições na Moldávia mostrou foi as diferenças entre as ferramentas de soft power utilizados pela UE e os utilizados pela Rússia.
A UE orgulha-se de seu poder de persuasão, que consiste, entre outras coisas, de ajudar a construir o Estado de direito, a concessão de assistência financeira e ajuda ao desenvolvimento, e estendendo-se tarifas de comércio preferencial. No caso da Moldávia, é a própria atratividade da UE, que se manteve um ímã para a maioria dos 3,5 milhões de habitantes do país.
Não é apenas sobre os instrumentos de soft power do comércio. É o simples fato de trazer Moldova mais perto da Europa - por exemplo, permitindo a isenção de visto, que foi recentemente concedido a moldavos.
Este tipo de soft power não deve ser subestimado. Quando os cidadãos da vizinha Roménia - um membro da UE - foi dado o direito de trabalhar em qualquer lugar nos países da UE, o impacto sobre os jovens, em particular, foi surpreendente.

Foram eles que durante a eleição presidencial do mês passado na Roménia estiveram horas nafora de suas embaixadas em Londres, Paris, Berlim e Madrid para votar. Foram eles, juntamente com a geração mais jovem de volta para casa, que decidiu que queria um novo rumo para o seu país. Eles votaram a favor da etnia alemã-romeno, Klaus Iohannis.
Este prefeito não-carismático de Sibiu, Transilvânia, fez da luta contra a corrupção e a necessidade de transparência a sua batalha eleitoral chora. Depois de quase 25 anos de desgoverno, corrupção desenfreada e as elites políticas cínicas que levou o eleitorado como um dado adquirido, a vitória Iohannis "poderia agora regenerar política romena.
Em suma, a mudança na Roménia não poderia ter acontecido sem a exposição de uma geração mais jovem a trabalhar e estudar nos países da UE. Este é provavelmente um dos aspectos mais importantes da UE de soft power. Moldavos estão experimentando agora a oportunidade de comparar as estruturas políticas e sociais de poder.
Próprio soft power da Rússia, que utilizou durante a campanha eleitoral de Moldova, é completamente diferente. Além do fato de que a Rússia apoiou o Partido bem oleada de máquina socialistas, ea Rússia tem enormes meios à sua disposição para influenciar os meios de comunicação, tanto em países não membros da UE e da UE, o poder brando da Rússia na Moldávia, também foi baseada em ameaças e intromissão.
A Moldávia já tenha sido sujeita a um extraordinário grau de chantagem e ameaças por parte da Rússia. Pouco antes  de a Moldávia assinar um acordo de associação da UE em Vilnius mais de um ano atrás, a Rússia lançou uma violenta campanha contra a UE na Moldávia. Ele também ameaçou impor vários tipos de embargos comerciais em um país que tem sido fortemente dependente da Rússia para a sua energia, do comércio e do mercado de trabalho dos trabalhadores migrantes.
A pressão aumentou após a assinatura e posterior ratificação do acordo entre a UE, a Rússia, desde então, proibiu a importação de vinhos, carne e legumes. A Rússia também ameaçou cortar o abastecimento de energia e impedir os trabalhadores migrantes da Moldávia de entrar na Rússia.
Intromissão da Rússia na Moldávia aumentou de outra maneira também. Não é apenas na região da autoproclamada república de Transdnestr onde durante vários anos líderes apoiados pelos russos têm vindo a tentar romper com a Moldávia.
A Rússia está se intrometendo na região de Gagauzia, sudeste do Moldova, que é o lar de 200 mil habitantes de língua turca. A comunidade tem se tornado cada vez mais pró-russoa como o Kremlin apoia abertamente os seus pedidos de mais autonomia, se não a independência da Moldávia.
O governo em Chisinau poderia ter um grande movimento separatista em suas mãos, apoiado pela Rússia. Em um referendo realizado entre a minoria Gagauz em fevereiro passado, 98 por cento votaram contra a aproximação da Moldávia com a UE e 92 por cento apoiaram a Moldávia se juntar à União Aduaneira liderada pela Rússia.
Carregado com as distrações de um conflito congelado em Transdnestr, o apoio da Rússia para a Gagauz e embargos econômicos de Moscovo, o governo de entrada da Moldávia será duramente pressionado para combater a corrupção e introduzir reformas de longo atraso. Não fazê-lo poderia reivindicar versão russa do soft power.

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Diálogo entre Católicos e Ortodoxos passa por Moscovo e não por Istambul

por A-24, em 05.12.14
José Milhazes


A visita do Papa Francisco a Istambul e os seus encontros com o Patriarca de Constantinopla não permite criar ilusões: a chave para a aproximação entre católicos e ortodoxos está em Moscovo.


Durante a sua visita à Turquia, o Papa Francisco fez vários gestos simbólicos e lançou apelos ao diálogo entre católicos e ortodoxos, que parecem ter sido ouvidos e apoiados pelo Patriarca de Constantinopla Bartolomeu, mas o problema é que a chave do diálogo entre essas duas correntes cristãs está nas relações entre Moscovo e o Vaticano. A Igreja Ortodoxa Russa é a mais numerosa quanto ao número de membros e quanto à influência política na Rússia.
Não foi por acaso que o Papa Francisco, na viagem de avião de regresso a Roma, declarou aos jornalistas: “Eu disse que vou aonde for necessário, chamai-me e eu vou. Ele [Kirill, Patriarca russo] manifestou o mesmo desejo”. Porém, a realização deste desejo enfrenta sérios obstáculos.

Não obstante o Papa Francisco ser mais “aceitável” para o clérigo ortodoxo russo, pois não é eslavo como João Paulo II e é “menos agressivo” no que respeita ao “proselitismo católico na Rússia”, a guerra na Ucrânia voltou a reacender ódios e inimizades também no campo religioso.

Grosso modo, os cristãos na Ucrânia estão divididos entre três grandes grupos: os ortodoxos que se mantêm fiéis ao Patriarcado de Moscovo, os ortodoxos que se reúnem em torno da Igreja Ortodoxa Ucraniana e os uniatas (católicos de rito oriental).

Quando da cerimónia da proclamação da “adesão da Crimeia à Rússia”, realizada no Kremlin com pompa e circunstância e na presença de altos dignitários políticos e religiosos, o Patriarca Kirill teve a sabedoria de estar ausente, pois isso contribuiria para afastar muito do rebanho ortodoxo ucraniano da Igreja Ortodoxa Russa.
Porém isso não faz com que, ao nível de bases, a guerra no Leste da Ucrânia esteja desprovida do “factor religioso”. São muitos os ucranianos que veem na Igreja Ortodoxa Ucraniana do Patriarcado de Moscovo um “agente” do Kremlin e apoiante dos separatistas. Nos territórios ocupados da Ucrânia, grande parte dos ortodoxos não esconde a sua simpatia pró-russa. Como resultado, todos os grupos religiosos tentam tirar dividendos desta crise. Na parte ocidental e central do país, observa-se uma passagem de paróquias do Patriarcado de Moscovo para as Igrejas Ortodoxa Ucraniana e Uniata, e vice-versa na parte oriental.
É também de recordar que a Igreja Ortodoxa Russa sujeitou-se completamente ao estado laico a fim de conseguir maiores apoios e impor-se como culto dominante num país multi-religioso como a Rússia. Isto faz com que Kirill seja mais um dos condutores da política externa do Kremlin e, no meio de uma histeria anti-ocidental e anti-europeia como a que reina no país, é quase impossível ver a diferença entre a ideia da defesa do “território canónico tradicional”, defendida pela Igreja Ortodoxa Russa, e a ideia da “defesa do mundo russo”, proclamada pelo Kremlin.
É difícil imaginar o que levará a juntar os chefes máximos das Igrejas Católica Romana e Ortodoxa Russa. Os “valores tradicionais” poderiam ser uma das bases, mas até aqui as posições não são coincidentes.
Além disso, dentro das próprias Igrejas Ortodoxas existem questões difíceis de ultrapassar, nomeadamente no que diz respeita ao lugar do Patriarca de Constantinopla no mundo ortodoxo. Tradicionalmente, ele tem o “primado de honra”, mas Moscovo sublinha que isso não lhe dá o mesmo estatuto que tem o Bispo de Roma entre os bispos católicos.
O metropolita Ilarion, chefe das Relações Externas do Patriarcado de Moscovo, afirma em relação ao Concílio Mundial Ortodoxo que está previsto realizar-se em 2016: “O presidente será o ‘primeiro entre iguais’ [Patriarca de Constantinopla], mas ele irá estar rodeado por representantes de outras igrejas ortodoxas autocéfalas. Desse modo, o quadro externo do concílio não fará lembrar um concílio católico, onde o Papa está à cabeça e todos os restantes bispos na sala. Ele irá antes reflectir a doutrina ortodoxa sobre a Igreja, segundo a qual as igrejas ortodoxas autocéfalas são chefiadas por chefes iguais em dignidade: patriarcas, metropolitas e arcebispos”.

O ar da Rússia cura a homossexualidade

por A-24, em 25.11.14
Não é só a democracia que está em regressão no mundo: é também a verdade, como se vê na Rússia de Putin.

Há uns anos que o actor Gérard Dépardieu faz parte, com o espião americano Edward Snowden, da pequena colecção de refugiados ocidentais reunida por Putin. Numas memórias recentes (Ça c’est fait comme ça), Depardieu descreveu a sua homossexualidade juvenil. O pormenor inspirou logo ao deputado Vitaly Milonov a tese de que terá sido o ar russo a “purificar” Depardieu de todos os vestígios de uma homossexualidade causada pela atmosfera de corrupção moral no Ocidente. Em qualquer lugar a oeste da Crimeia, Milonov nunca teria saído da franja alucinada das caixas de comentários anónimos. Na Rússia de Putin, é uma das estrelas da Rússia Unida, o maior partido russo e a base eleitoral do presidente. Foi ele, em 2012, com o apoio da igreja ortodoxa, quem promoveu a lei contra “propaganda homossexual” em São Petersburgo. Há dias, exigiu que o CEO da Apple fosse proibido de entrar na Rússia por ser gay confesso. Aparentemente, não o incomoda privar Tim Cook dos efeitos terapêuticos do ar russo.
Estes episódios são importantes para colocar na devida perspectiva a invasão russa do leste da Ucrânia, agora acompanhada por violações frequentes do espaço aéreo e marítimo ocidental. É porque está muito mais em causa do que as fronteiras europeias.
A nova tensão leste-oeste podia servir apenas para recordar que os governos russos não se conformam com a perda do império soviético. Mas à Rússia de Putin não basta ter um conflito de interesses com o Ocidente. O regime sente necessidade de mais: de se separar filosoficamente, moralmente dos ocidentais. Não voltou ao marxismo-leninismo (embora tenha reactivado várias lendas da propaganda soviética, como no caso do pacto entre Hitler e Estaline), mas não hesita em recorrer ao muro de homofobia com que muitos Estados procuram hoje diferenciar-se do Ocidente e barrar a sua influência.

Putin pôs a Rússia, como nos tempos soviéticos, a viver num universo paralelo, feito de mentiras e teorias da conspiração. Há uns meses, Mark Adomanis escreveu sobre a sua estranha experiência em Moscovo: mesmo gente instruída e sofisticada lhe repetia teorias que, num país como os EUA, os marcariam como lunáticos. O voo MH17? Obviamente abatido pela Nato. O atentado de 11 de Setembro? Claramente organizado pela maçonaria. A alternativa russa à Wikipedia, encomendada por Putin, será talvez o repositório completo desse mundo alternativo, onde nunca a Rússia interferiu na Ucrânia.
Dir-me-ão: todos mentem, lembre-se da invasão do Iraque. Há diferenças: uma América revista por Putin continuaria até hoje a negar que alguma vez tivesse invadido o Iraque em 2003, ou teria obviamente “encontrado” as armas de destruição maciça. Porque Putin não se limita a omitir ou a manipular. Mente sem limites, como só pode mentir um ditador plebiscitário que há quinze anos controla a administração, a justiça, a economia e a imprensa do seu país, perseguindo a oposição e a crítica. Um presidente americano está sujeito a escrutínio e a contraditório. Putin, não. Por exemplo: a população russa não quer tropas na Ucrânia. Ora, no mundo de Putin, isso não é problema, porque não há tropas russas na Ucrânia.

A Rússia é uma potência decadente, demográfica e economicamente. Isso, porém, pode apenas tornar o regime de Putin ainda mais dependente das audácias externas que lhe dão glória e justificam, em nome da defesa da Rússia, as suas brutalidades domésticas. A Rússia de Putin continuará assim, muito provavelmente, a dar para todos os peditórios anti-ocidentais e a ajudar de todas as maneiras a reverter a vaga de democracia da década de 1980. Para aqueles, do PCP em Portugal à Frente Nacional em França, que nunca se conformaram com o consenso democrático e liberal, Putin é hoje uma figura de culto. Tal como Putin, também eles sabem que a subversão da democracia começa na negação da verdade, na recusa da realidade, na denúncia do mundo como o produto de uma conspiração judaico-capitalista-homossexual-americana. Quando confrontou Vitaly Milonov durante uma reportagem em São Petersburgo, Stephen Fry disse-lhe na cara: “o senhor vive num mundo de fantasia”. Mas esse mundo de fantasia alastra à nossa volta.

O petróleo como arma geopolítica

por A-24, em 19.11.14
João Marques de Almeida


A descoberta do “petróleo de xisto” nos Estados Unidos constitui uma das transformações geopolíticas mais relevantes dos últimos anos e terá repercussões enormes na política mundial.
O preço do petróleo está nos 80 dólares (mais precisamente nos 83). Eis um dos acontecimentos mais relevantes da política mundial. Há poucos meses custava cerca de 120 dólares. A redução do preço resulta de uma maior produção, desde o “petróleo de xisto” nos Estados Unidos até ao “pré-sal” no Brasil e em Angola. Mas também de uma menor procura, como resultado da crise económica, tanto nos países desenvolvidos como nas economias emergentes.
Petróleo de Xisto
A descoberta do “petróleo de xisto” nos Estados Unidos constitui uma das transformações geopolíticas mais relevantes dos últimos anos e terá repercussões enormes na política mundial. Os Estados Unidos tornaram-se independentes energeticamente e a partir do próximo ano tornar-se-ão exportadores de petróleo. Apesar das fraquezas conjunturais, a prazo os Estados Unidos serão mais poderosos. Como disse um famoso historiador norte-americano, “os Estados Unidos não só nasceram em liberdade mas também com sorte”. E a sorte continua. Além disso, ao contrário de muitos países, nos EUA a descoberta de petróleo não provoca corrupção. Desenvolve novas tecnologias, novas empresas e cria empregos.
O petróleo de xisto serve igualmente como uma arma geopolítica. E Washington já começou a utilizá-la. O Financial Times deste fim de semana publicou um artigo sobre o preço do petróleo com dados interessantes. Para a Venezuela manter as finanças públicas equilibradas – e estamos a falar de uma país que não tem acesso ao financiamento dos mercados internacionais – e não incorrer em bancarrota, o preço do petróleo deverá ser 160 dólares o barril. Para o Irão, seria 130 dólares. E para a Rússia, seria 110 dólares. Isto significa que a manter-se o actual preço de 80 dólares, o futuro destes três países não será brilhante.
Em particular, para a Rússia, a situação pode tornar-se dramática. Como resultado das sanções económicas, os seus bancos deixaram de ter acesso aos mercados, o que torna cada vez mais difícil o crédito às empresas e aos consumidores, afectando gravemente a economia russa. Preocupado com a situação económica, Putin não recorreu, pelo menos por agora, à arma do gás, tendo assinado um acordo com a Ucrânia. Com uma dívida elevada, a Gazprom precisa de vender gás à Europa; e a China não é a melhor alternativa porque, aproveitando as dificuldades da Rússia, impôs um preço do gás inferior ao praticado com a Europa.
Ao mesmo tempo, a maioria das empresas norte americanas produtoras de petróleo de xisto, para ter lucro, precisa de um preço do barril de petróleo entre os 40 e os 60 dólares. Ou seja, os Estados Unidos enfraquecem os seus adversários externos sem prejudicarem a sua economia. A outra boa notícia refere-se à transferência de riqueza e de recursos financeiros dos produtores para os consumidores de petróleo. Ou seja, num país como Portugal, todos nós. Um bom exemplo de alinhamento dos interesses transatlânticos.

Tim Cook reconheceu que era gay, mas, na Rússia, quem paga é Steve Jobs

por A-24, em 07.11.14
José Milhazes

Tim Cook, director executivo da empresa Apple, decidiu reconhecer publicamente a sua orientação sexual não tradicional. Nos nossos dias, nada de extraordinário, mas não na Rússia. Aqui, semelhante "ousadia" não poderia ficar sem consequências.
Porém, o mais extraordinário é quem paga a "factura" desse reconhecimento é, em primeiro lugar, o defunto Steve Jobs, ou melhor, um monumento que tinha sido erigido em honra do fundador da Apple em São Petersburgo. 
Depois de Steve Jobs falecer, no pátio do parque tecnológico da Universidade de Tecnologias de Informação e Óptica de São Petersburgo, foi decidido instalar um iPhone-4 de dois metros com um ecrã onde se podia ler a biografia de Jobs ou ver vídeos com as suas intervenções e discursos. Agora, "em cumprimento da lei da proibição da propaganda do homossexualismo entre menores", o holding "Zapadno-evropeisky finansovy soyuz", dono do dito parque, decidiu retirá-lo.
Segundo as palavras do chefe dessa empresa, Maxim Dolgopolov, "depois do reconhecimento de Tim Cook, o monumento ganhou um sentido ambíguo, inimigo da nossa cultura russa", é "propaganda pública da sodomia".
Além disso, Dolgopolov acrescentou que, quando decidiu levantar o monumento, não sabia que a Apple era "uma cobertura para operações da Agência Nacional de Segurança" norte-americana.
Vitali Milonov, deputado municipal de São Petersburgo e conhecido adversário ferrenho dos gays, apelou às empresas russas que fabriquem telemóveis, acrescentando que "limpo da sujidade do homossexualismo, o espírito da ciência russa arrancará as ervas daninhas que querem crescer no corpo alvo da moral social".
Quanto à possibilidade de Tim Cook visitar a Rússia, o deputado é ainda mais categórico: "Que nos pode trazer ele? O vírus ebola, a SIDA, gonorréia? Na terra deles, eles têm todas relações promíscuas. Proibir eternamente a entrada".
"Agora todos sabem que o Apple é fabricado por pederastas e a consciênciade cada um começa a mudar, ele [Tim Cook] tem talento. Trata-se de uma jogada política inteligente", frisa o deputado.

Só agora é que deram conta dos aviões russos?

por A-24, em 05.11.14
José Milhazes

Se alguém tem dúvidas das intenções do Presidente russo preste atenção ao facto de 25% do Orçamento de Estado da Rússia ir para “fins secretos”, ou seja, despesas militares.

Num comunicado ontem publicado pela Nato, esta organizou alertou para as “manobras aéreas incomuns” e de “grande escala”, mas Portugal só acordou para este problema quando dois bombardeiros russos se aproximaram das águas territoriais portuguesas. Se as notícias fossem apenas relativas a incidentes semelhantes nos mares Negro ou Báltico, que acontecem regularmente, talvez não merecessem destaque.
Mas ainda bem que isso aconteceu connosco, pois talvez só assim despertemos para o que realmente está a acontecer na Europa, e compreendamos que a “guerra fria” já é uma realidade pelo menos desde o segundo mandato presidencial de Vladimir Putin na Rússia (2004-2008). Desde então ficou claro que Moscovo iria passar das palavras aos actos para manter o seu poder de influência no chamado “estrangeiro próximo”, ou seja, no antigo espaço soviético.
Quando da guerra entre a Rússia e a Geórgia (2008), esta perdeu parte significativa do seu território, mas a União Europeia não fez mais do que se apressar a congelar o problema, segundo o princípio: o fundamental é pôr fim aos combates e depois veremos o resto. Nicolas Sarkozy, então Presidente de França, veio a Moscovo para acordar o cessar de fogo e estava com tanta pressa que se esqueceu de definir para onde iriam os observadores da OCSE. O Kremlin decidiu que eles só poderiam estar do lado georgiano da fronteira, Bruxelas protestou um pouco e calou-se.
Talvez os dirigentes da NATO e da UE tenham decidido que Vladimir Putin se ficaria por aí, mas enganaram-se. O dirigente russo, aproveitando-se de uma crise interna na Ucrânia, ocupou silenciosamente a Crimeia, justificando-se com o antecedente do Kosovo, o que não corresponde à verdade. O antecedente seria equivalente se a Crimeia passasse a ser formalmente independente como o Kosovo, mas o Kremlin deixou-se de cerimónias e simplesmente transformou esse território em mais uma república sua.
Logo a seguir ateou o fogo do separatismo no Leste da Ucrânia e a explicação também foi encontrada: se os EUA têm direito, porque é que nós não temos? Mas os dirigentes do Kremlin continuam a falar de respeito pelo Direito Internacional com uma superioridade tal como se fossem anjinhos. E aqui a história volta a repetir-se: quando os EUA enviavam tropas para algum território, isso significava invasão. A União Soviética fazia exactamente o mesmo mas chamava-lhe “internacionalismo proletário”. Hoje, o Kremlin encontrou outra fórmula: “defesa do mundo russo”, ou, como afirmou recentemente Vladimir Putin, “o urso não vai pedir autorização a ninguém” na defesa da sua taiga. É verdade que o dirigente russo prometeu que esse animal “não tenciona ir para outras zonas climatéricas”, mas a Ucrânia já não é propriamente taiga.
E se alguém tem dúvidas das intenções do Presidente russo preste atenção ao facto de 25% do Orçamento de Estado da Rússia ir para “fins secretos”, ou seja, despesas militares. Aliás, o Kremlin não faz muita questão de esconder que está a gastar enormes meios financeiros para modernizar as suas forças armadas.
Os países da NATO, até há bem pouco tempo, decidiram relaxar-se e poupar nos orçamentos militares talvez considerando que as boas relações com a Rússia se iriam prolongar eternamente e, agora, irão ter de fazer esforços que países como Portugal e outros não conseguirão fazer.
Além disso, e isto parece-me ser o mais importante, a UE e a NATO parecem não saber como travar a expansão russa no antigo espaço soviético, criando esse desconhecimento um clima de insegurança nas populações dos países que são vizinhos da Rússia. Se falarem com estónios, por exemplo, verão que a maioria está convencida de que o Kremlin irá criar problemas nos países do Báltico sem que a UE ou a NATO venham em sua defesa. Eles foram abandonados aos caprichos de Hitler e Estaline e a história, como é sabido, tende a repetir-se.
Posso estar a exagerar? Talvez, mas dentro em breve terá lugar ou não um acontecimento que responderá a essa pergunta. Dmitri Rogozin, vice-primeiro-ministro russo encarregado do sector militar-industrial, anunciou que a França irá entregar o primeiro porta-helicópteros “Mistral” ao seu país e começar a construir o segundo a 14 de Novembro. Paris diz não existirem condições para isso. Vamos ver em que vai acabar este braço de ferro e o que vale a solidariedade europeia.

Lithuania Offers Example of How to Break Russia’s Grip on Energy

por A-24, em 31.10.14
NY Times


KLAIPEDA, Lithuania — The vast ship that eased into this misty seaport early on Monday was hailed by American and European officials as the strongest signal that the stranglehold Russia has on the Baltics and their energy needs can be broken.
The vessel, the Independence, is a floating factory for converting liquefiednatural gas into the burnable variety. It represents a direct challenge to the Russian way of doing business as many other countries in the European Union have dithered over how to deal with President Vladimir V. Putin and his attempts to reassert Russian influence over parts of the former Soviet empire like Ukraine.
The floating natural gas terminal Independence arriving in Klaipeda, Lithuania, on Monday.
“We are now an energy-secure state,” Dalia Grybauskaite, the Lithuanian president, said at a ceremony that featured martial touches like a naval brass band, red flares and a cannon salute. “Nobody else from now on will be able to dictate to us the price of gas, or to buy our political will, or to bribe our politicians.”
“If we don’t like it, we can drop it fully and totally,” Ms. Grybauskaite said, referring to a possible severing of relations with Gazprom, the government-controlled Russian gas exporter, which supplies all of Lithuania’s gas.
For Lithuania, which is just slightly larger than West Virginia, the floating terminal — a faster and generally cheaper option than building a terminal on land — is a big step toward energy independence from Russia. Europe has long declared such independence to be its goal, but has done little to achieve it. That makes Lithuania’s efforts to break free of Gazprom a significant example of how even countries that are bound by geography and history to Russia’s energy behemoth can find alternatives.

“This was done because the government of Lithuania wanted to make this happen,” Amos J. Hochstein, acting special envoy for international energy affairs at the State Department, told a gas conference here on Monday. “This needs to be the inspiration for the rest of Europe,” said Mr. Hochstein, who urged the European Union to approve a short list of strategic infrastructure projects intended to improve its energy security.
The American focus on the issue began in late 2008, when the government contributed more than $800,000 to Lithuania to help develop technical specifications for a liquefied natural gas terminal to provide “increased flexibility and competition” for the country.

The Lithuanian government gave final approval for the project in 2010.
Ms. Grybauskaite, who previously said that local companies and lawmakers with links to Gazprom and other Russian businesses meddled in the liquefied natural gas project, said on Monday that more energy independence could have been achieved sooner had there been greater political will in Lithuania.
Lithuanian officials say they had already pushed Russia into bargaining — something it has long resisted — when Gazprom cut its gas prices by about 20 percent in May.
“Consumers are already feeling lower prices of gas” as “a natural outcome of our terminal construction,” Rokas Masiulis, the Lithuanian energy minister, told reporters on Monday. The price that Lithuania was paying for liquefied natural gas was in “a very similar range” to the lower Gazprom price, he said.
The first shipment of liquefied natural gas, set to arrive on Tuesday from the Norwegian company Statoil, is equivalent to 60 million cubic meters of natural gas. Further shipments from Statoil should reach the equivalent of 540 million cubic meters annually in the next five years. That is a fifth of Lithuania’s needs.
Lithuania says the terminal, the only operation of its kind in the region, could become a beachhead to supply most of the needs of the other two Baltic states, Latvia and Estonia, which also rely on Russia for gas.
Even so, the company managing the project, Klaipedos Nafta, the state-controlled oil terminal operator, has not yet sold the majority of the liquefied natural gas terminal’s capacity — one of the factors that raise the important question of whether the terminal makes economic as well as political sense.
“Next year will show very real interest for the terminal,” said Mr. Masiulis, the energy minister.
Another challenge for the project would be if Gazprom dropped prices to Lithuania to the point that running the terminal became uneconomical.
Gazprom shrugged off the arrival of the vessel.
“If Lithuanian consumers are willing to pay more to reduce their dependence, it’s their business,” a spokesman, Sergei Kupriyanov, said by email.
The vessel was built in South Korea for the Norwegian company Hoegh, which is leasing it to Klaipedos Nafta under an arrangement that gives the Lithuanians the right to buy it after a decade.
Lithuania is spending 448 million euros, or $568 million, for construction, maintenance and a 10-year lease on the floating terminal, including financing for state-backed loans, said Mantas Bartuska, the chief executive of Klaipedos Nafta.
The vessel, which is three soccer fields in length and formally known as a floating gas storage and regasification unit, could not have been more timely for Lithuanians. The country of about three million people was the first former Soviet republic to reclaim its political independence. This year, Lithuania received approval to join the eurozone on Jan. 1, 2015. But it has waited 25 years to regain some control over its energy, which is a major expense for Lithuanian households and businesses.
In the past, Lithuania paid more than its Baltic neighbors for Russian gas. Lithuania also says it feels more exposed than Latvia, which has gas storage facilities, and Estonia, which has shale oil resources. Gazprom had an ownership stake in Lithuania’s natural gas distribution network until this summer and part of Lithuania’s electrical infrastructure is still controlled from Moscow.
Before the arrival of the vessel, Lithuanian commentators warned of the potential for Russian sabotage, and parts of the port were locked down Monday for its arrival. Linas Linkevicius, the Lithuanian foreign minister, suggested on his Twitter account on Oct. 19 that reports of a lost submarine in Swedish waters represented a “weird coincidence” when the liquefied natural gas vessel was crossing the Baltic Sea.
Lithuanians continue to complain that the West has underestimated the dangers posed by Russia, which has an enclave in Kaliningrad, on the border with Lithuania, where Russia keeps a naval base.
For analysts like Jonathan Stern of the Oxford Institute for Energy Studies, the project comes at the right time for Lithuania, partly because liquefied natural gas prices are expected to ease over the next two years.
“One of the most interesting questions is when the long-term contracts run out in Lithuania next year,” Mr. Stern said, referring to Gazprom’s sales agreements. “Will the Lithuanians say they do not want to extend the contracts” because it is “geopolitically unacceptable to depend on Russian gas at all?”

As verdades do Presidente da Bielorrússia

por A-24, em 20.10.14
José Milhazes


Mas será que a Rússia irá repetir a história da URSS? São cada vez mais os que receiam que isso aconteça, o que nada trará de bom para a Europa e o mundo.
É fácil não se gostar do Presidente da Bielorrússia, Alexandre Lukachenko, mas convém estar atento ao que ele diz relativamente às relações entre os estados do antigo espaço soviético.
Sábado, numa conferência de imprensa para jornalistas russos, o homem que dirige o seu país com mão de ferro e levou o seu país para a União Alfandegária, que engloba também a Rússia e Cazaquistão, fez algumas declarações que se fossem pronunciadas por um político russo, este seria imediatamente rotulado de “traidor”.
Lukachenko, por exemplo, considerou que Victor Ianukovitch, antigo Presidente da Ucrânia, foi derrubado por culpa própria. “Ele e os seus companheiros financiaram o “Sector de Direita”, porque este era alegadamente contra Iúlia [Timochenko]. Perdeu a orientação… e criou uma força que o destruiu depois”, afirmou ele.
O “Sector de Direita” é uma organização política de extrema-direita que participou nos distúrbios que levaram à queda de Ianukovitch. A sua participação nos acontecimentos foi um dos argumentos que levou à intervenção da Rússia na Crimeia e no Leste da Ucrânia a pretexto de defender as “populações russófonas” dos “fascistas” e “nazis”.
As sondagens apontam para que os partidos de extrema direita não elejam deputados nos círculos maioritários, mas a propaganda de Moscovo continua a colocar toda a população do centro e ocidente da Ucrânia entre os “fascistas”.
“Não acreditem que no Ocidente da Ucrânia vivem fascistas e nazis” e, no Oriente, os “nossos”. Em toda a parte há pessoas normais, mas em ambas as partes não há famílias sem abortos”, frisou Lukachenko.
É importante assinalar que Lukachenko acusa também Victor Ianukovitch, que diz ser “antigo grande amigo”, que ele e a sua corte foram os iniciadores do ódio dos ucranianos para com os russos.
“Foi criada uma terrível posição anti-russa no interior do país. Devido aos altos preços do gás, passaram a odiar os russos e o Presidente. E no Leste havia disposições semelhantes. Isso foi criado pelo poder”, acrescentou.
Claro que o Presidente bielorrusso considera que o derrube de Ianukovitch foi um “golpe anticonstitucional”, mas reconhece uma coisa que Moscovo continua a negar contra todas as evidências: “sem o apoio da Rússia as “repúblicas” auto-proclamadas não existiriam no leste da Europa. “Sejamos honestos, sem a Rússia, essas repúblicas teriam já os dias contados”, precisou.
Ao terminar a sua intervenção, Lukachenko manifestou a opinião de alguns analistas de que o Kremlin se deixou cair numa ratoeira ao atacar a Ucrânia: “Aí [no Leste da Ucrânia], ninguém além da Rússia, vai lutar de um lado. Do outro lado, nenhum dos jogadores globais irá combater. Por exemplo, a América jamais avançará para um confronto direto. Mas alguns estados e blocos estão muito interessados em que nos matemos uns aos outros com as próprias mãos”.
A Crimeia e o Leste da Ucrânia tornam-se num fardo insuportável para a economia russa, tanto mais que a desvalorização do rublo é diária, o preço do petróleo continua a descer nos mercados internacionais, a fuga de capitais aumenta, começam a ser reduzidos os investidos nas esferas social e educativa, sendo só aumentados os gastos militares.
Mas será que a Rússia irá repetir a história da URSS? São cada vez mais os que receiam que isso aconteça, o que nada trará de bom para a Europa e o mundo.

A União Europeia dá mais um “tiro no pé” na Ucrânia

por A-24, em 04.10.14
José Milhazes

União Europeia e Ucrânia ratificaram o tão famoso acordo de associação, que, como é sabido, foi o documento que esteve na origem da crise e da guerra civil que dilaceram a Ucrânia e põe em causa a sua própria existência como Estado.

Ora, como é sabido, a UE e a Ucrânia ratificaram um documento meramente simbólico, porque, sob a pressão de Moscovo, adiaram a entrada em vigor da parte mais importante do acordo, ou seja da parte económica. O Kremlin conseguiu fazer com que a criação de uma zona económica livre entre a UE e a Ucrânia fosse adiada para 31 de Dezembro de 2015.
Pela primeira vez na história da UE, Bruxelas admite publicamente que uma terceira parte, neste caso a Rússia, tem capacidade de se ingerir nas suas relações bilaterais. Desse modo, Vladimir Putin vê reconhecido em Bruxelas os seus “especiais interesses” no antigo espaço soviético
Claro que me podem dizer que isso foi feito para acalmar e apaziguar o Kremlin e, desse modo, contribuir para o fim do conflito no Leste da Ucrânia. Se assim foi, pergunto, porque é que isso não foi feito antes de novembro do ano passado? Se, então, Durão Barroso e companhia tivessem chegado a um acordo com Putin não teriam evitado um derramamento de sangue que já provocou mais de dois mil mortos entre civis e militares?
Não sei, talvez esse acordo não fosse suficiente, porque, em relação à Ucrânia, a política de Moscovo é de dominar completamente esse país. Por isso, o mais provável é que nem essa cedência, nem as leis aprovadas pela Rada Suprema com vista a amnistiar os independentistas e a dar um estatuto especial às regiões do sudeste do pais sejam suficientes para satisfazer Putin.
Os separatistas já vieram dizer que só aceitam a independência e Moscovo sente-se inclinado a aproveitar até ao fim as cedências do adversário.
Valentina Matvienko, dirigente do Conselho da Federação (câmara alta do parlamento) da Rússia, veio propor a realização de um referendo no Leste da Ucrânia à semelhança da Escócia. À primeira vista, uma saída democrática, mas que o Kremlin recusou e recusa a qualquer república da Federação da Rússia.
Por isso, a paz na Ucrânia continua a ser uma miragem.