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A-24

Os nacionalistas das causas alheias

por A-24, em 09.08.14
Via Combustões


As últimas semanas tornaram notória a existência entre nós de um ardoroso nacionalismo de novo tipo: o nacionalismo das causas alheias. Exaltar Portugal, defender o seu ser e destinação, a sua liberdade, auto-determinação e independência é crime. Contudo, pelo que me apercebo - à esquerda, à direita e ao centro - é lícito, conveniente e angariador de bom nome terçar armas por outros. Pelo que também me é dado ver, há entre nós mais nacionalistas israelitas que patriotas portugueses,
mais fedayin palestinos que lutadores por Portugal, mais estrénuos batalhadores pela União Europeia que orgulhosos portugueses. Eu compreendo que em tempos de crise muitos andem em busca de poiso, tudo fazendo para merecer umas migalhas caídas da mesa dos banqueteadores das causas milionárias. É tudo uma questão de bandeiras e de estipêndio. Curioso que no meio de tanta algazarra não me tenha apercebido de "luso-nacionalistas Curdos", de "luso-nacionalistas Rohingya", de "luso-nacionalistas malianos" ou de "luso-nacionalistas Caxemires". Pois, não pinga nada dessas pobres causas. Defender Portugal acarreta problemas. É politicamente sensível. Onde estão os luso-nacionalistas das causas alheias insurgindo-se contra o tratamento de Estado-vassalo concedido pela UE a Portugal ? Onde estão os luso-nacionalistas das causas alheias rebelando-se contra os comissários europeus que aqui são recebidos com grinaldas, com o pão e o sal concedido aos governadores de uma província imperial ? Assim vai o povo português, frivolizado, confuso, tele-dirigido e indigno rumo à escravatura. Caladinhos, amedrontados, respeitadores do chicote, salivadores pela cenoura; assim fiquem, ardorosos portugueses, pois nada se espera de vós. Pois é, lá está o Miguel a dizer "coisas daquelas que tornam impossível metê-lo em qualquer grupo".

A igualdade econômica é imoral e atenta contra o “bem comum”

por A-24, em 21.05.14
Diferenças na propriedade de ativos não significam uma igual diferença no padrão de vida, muito embora várias pessoas tenham esse fetiche. Por exemplo, a riqueza de Bill Gates de ser 100.000 vezes maior do que a minha. Mas será que ele ingere 100.000 vezes mais calorias, proteínas, carboidratos e gorduras saturadas do que eu? Será que as refeições dele são 100.000 vezes mais saborosas que as minhas? Será que seus filhos são 100.000 vezes mais cultos que os meus? Será que ele pode viajar para a Europa ou para a Ásia 100.000 vezes mais rápido ou mais seguro? Será que ele pode viver 100.000 vezes mais do que eu?
Sempre que você vir ou ouvir uma pessoa parolando sobre desigualdade, faça a si mesmo a seguinte pergunta: será que ela está genuinamente preocupada com os pobres ou está apenas indignada com os ricos? Eis uma maneira de descobrir a diferença: sempre que alguém reclamar sobre a desigualdade de renda, pergunte a ela se aceitaria que os ricos ficassem ainda mais ricos se isso, no entanto, significasse condições de vida melhores para os mais pobres. Se a resposta for "não", então ela está admitindo que está importunada apenas com o que os ricos têm, e não com o que os pobres não têm. Já se a resposta for "sim", então a tal desigualdade de renda é irrelevante. Em outras palavras, a preocupação deveria ser com a pobreza absoluta, e não com a pobreza relativa.

Instit. Ludwig Von Mises

Faz o mesmo!

por A-24, em 12.05.14

Tempos confusos II

por A-24, em 06.05.14

Eusébio e o Panteão

por A-24, em 13.01.14
Vasco Pulido Valente

O Panteão moderno, como quase tudo que é mau, foi inventado pela Revolução Francesa e pelas pomposas trasladações do pintor David. Mas, planeado para celebrar os deuses do novo renascimento da humanidade, o Panteão começou logo a dar sarilhos. Voltaire, o primeiro que lá entrou, conseguiu uma certa unanimidade. Mas Mirabeau, o segundo, acabou por ser rapidamente retirado, quando se descobriu que trabalhava para a Corte, e recebia dinheiro por isso. Para o substituir, os Jacobinos escolheram Marat, um terrorista assassinado por um virago virtuoso, Charlotte Corday. Felizmente, também este símbolo desapareceu com a fragorosa queda de Robespierre. E dali em diante, nem o Directório nem Napoleão mostraram um interesse particular em entronizar heróis. Parece que os mortos dividiam tanto como os ricos.
Como, de resto, demonstra o nosso Panteão, onde vários Governos recolheram uma extraordinária colecção para edificar a Pátria: Almeida Garrett, Amália Rodrigues, Aquilino Ribeiro, Guerra Junqueiro, Humberto Delgado, João de Deus, Manuel Arriaga, Óscar Carmona, Sidónio Paes, Teófilo Braga. Numa palavra, alguns símbolos (menores) do anticlericalismo, da Maçonaria e da República, que, ainda por cima, muitas vezes se detestavam e se guerreavam; e no meio disto Humberto Delgado, dois ditadores e uma cantora de fados, que não se percebe como acabaram numa sociedade tão esotérica e exclusiva. Se os mortos falassem, com certeza que estes mortos não se falariam.
Como se calculará, esta conversa vem a propósito do voto da Assembleia da República, que determina o depósito de Eusébio no Panteão. Contra a qual tenho quatro ou cinco objecções. Por um lado, não me cheira que Eusébio gostasse de se ver naquela companhia. Por outro, ninguém lhe pediu autorização para esse exercício de propaganda dos políticos, que ele talvez não apreciasse. E há mais. Há que Eusébio era um génio da sua profissão e de repente (tirando Garrett e Amália) o rodeiam de uma série de mediocridades, que nunca se distinguiram por terem ajudado a humanidade ou os portugueses. Sim, senhor, Eusébio merece um Panteão. Mas não aquele. Um Panteão no estádio do Benfica, ou perto dali, que as pessoas pudessem visitar sem medo de se irritar ou contaminar. Quanto ao Panteão Nacional, do que ele precisa com urgência é de um “saneamento” sucessivo, que o aproxime um pouco da realidade.

Sonhos de quem lê

por A-24, em 10.09.13
Ler pressupõe silêncio, recato, isolamento e reflexão... hoje, os meios audiovisuais exigem toda a atenção dos nossos sentidos e, quais cataratas de imagens e sons, não deixam tempo nem espaço para o pensar.
O pensamento, dizem-nos, é tanto melhor quanto mais abreviado, condensado e resumido. Mas quem vive sem produzir os seus próprios significados e valores, vive às escuras, porque não lhe é dado ver e orientar-se pelas estrelas que existem no fundo de si mesmo.
A ansiedade nasce e alimenta-se de quem, sem ter a coragem de pensar por si próprio, abraça medos que interessam a outros... faz-se escravo quem se demite de pensar; quem se entrega a temores; quem permite que outros lhe conduzam os passos.
A vida profunda é sentir refletido. Os livros, cujo motor é a alma de quem os lê, respeitam a especificidade de cada leitor. A distância aos factos promove uma maior compreensão. Não são histórias de outros, mas a nossa, ali.
Uma vida vale mais que qualquer livro. Um beijo verdadeiro vale mais que mil romances. Mas, só a um espírito educado e ágil é possível sentir a vida em toda a sua profundidade.
Os caminhos de quem escreve não são os de quem lê. As vidas são sempre diferentes, assemelhando-se nas bases, nas profundidades do ser... um bom livro é uma crónica dessas fossas abissais... passando a quem o lê pistas essenciais à descoberta das paisagens remotas que são comuns a todos os homens.
Ler é uma porta para nós mesmos, um desafio ao pensar, porque os autores criam sempre com os sonhos de quem lê.

José Luís Nunes Martins, ionline 2013-08-03

Calor de Agosto

por A-24, em 31.08.13
Matou-a com trinta e quatro golpes de faca. Atingiu-a nos braços, nas pernas, no tronco, vazou-lhe uma vista. O médico legista explicou que, pelas marcas, se percebia que a ponta da faca fora torcida depois de enterrada no olho. Para justificar tanta facada, o assassino explicou ao juiz que encontrara, naquela tarde de Agosto, um outro homem em casa. O ciúme falou mais alto. Pegou numa faca e, enquanto o calor abafava o apartamento, escorrendo pelas paredes, esfaqueou a mulher. O calor era muito e talvez tenha sido esse calor de Agosto, tão ardente, que lhe ateou a raiva e permitiu que o ódio se apoderasse de si. Talvez, continuou o homem, se estivesse um dia mais fresco, a raiva não tivesse ardido como ardeu.

Com o calor de Agosto, num instante, a fagulha se ateou e incendiou-lhe o corpo. A culpa, via-se bem, era dele, que não era homem para a não assumir, mas também do calor, do maldito calor de Agosto. O juiz escutou o assassino em silêncio e encontrou beleza nas suas palavras. As vizinhas, durante o julgamento, contaram os pormenores daquela vida. A pancadaria era muita e as discussões permanentes. Discutiam por tudo e por nada. Por causa do dinheiro, por causa do choro do menino, que tinha cólicas, mas, sobretudo, por causa da televisão. Ele queria ver o domingo desportivo; ela queria ver as telenovelas. Os gritos interrompiam o silêncio da noite. Eram gritos lancinantes. Pareciam arrancados de dentro. O homem chamava muitos nomes à mulher, nomes indecentes, porcos e ordinários, nomes que custava repetir ali, na sala de audiências, na presença dos senhores doutores juízes. Porém, explicaram as depoentes, quando amanhecia, a porta do apartamento abria-se e saiam os dois, homem e mulher, a caminho da paragem do autocarro. Como se nada se tivesse passado. Às vezes, quando a mulher trazia o corpo mais moído da pancada, o homem aliviava-lhe a carga e levava o bebé ao colo. Uma mulher contou que, muitas vezes, enquanto ele lhe batia, ela pedia “Amor, por favor, não me batas na cabeça”.
(A última frase, lida há alguns anos num jornal, não me larga e, hoje, para o meu filho mais velho, para lhe mostrar a maldade de Deus, li uma passagem de um conto do Albert Cossery, o do barbeiro que mata a mulher.)

in Ana de Amsterdam

Começou o verão

por A-24, em 26.06.13

Começou o verão. E com ele a "silly season", os anúncios de vitórias interplanetárias e visões faraónicas da terra prometida onde a secura vai acabar, a relva crescerá vermelha, ou melhor, encarnada, e onde os árbitros vão acabar o jogo antes dos 92'

É neste período, entre Junho e Agosto, que um clube ganha sempre tudo. É neste período que uma vez mais, a soberba e a alienação criam uma equipa divina, gigante, um "rolo compressor" que joga um futebol divino, digno de "nota artística".
Mas tal como no "1984" de Orwell, é difícil reescrever a história todos os dias e manipular toda gente durante todo o tempo. No último jogo do campeonato, a águia Vitória piou mais alto e disse chega: abriu as asas e voou para longe e decidiu nunca mais voltar. A águia já foi. Restam 6 milhões de alienados que continuam à espera de ganhar. Entretanto, vão perdendo tudo, e se quando perdem apagam as luzes, ligam a rega, não cumprimentam o presidente da nação e saem de campo sem honrar o adversário que lhes ganhou e agridem árbitros e o próprio treinador nem me atrevo a pensar no que seria se ganhassem.
Mas tento sempre entender que clube é este, que valores defende e que adeptos são estes. Nunca tenho muito sucesso, e entretanto começa mais um campeonato, onde a Providência nos lembra, inexoravelmente, que o inferno é vermelho e que o Céu foi pintado em tons de Azul!


André Villas Boas

Lições que nunca perdem a data de validade

por A-24, em 28.05.13
«O subsídio sem o trabalho compensador desmoraliza os indivíduos, torna-os indolentes, comodistas, completamente inúteis à vida duma sociedade. O subsídio a troco de trabalho, pelo contrário, não desabitua os homens da sua função natural dentro da vida e enriquece o País com o acabamento e a iniciação de obras públicas que são de utilidade para todos. Desta forma, o imposto do desemprego não se torna tão pesado ao contribuinte, porque, além de sarar uma chaga social que o deve incomodar, vai encontrar-se em melhoramentos que ele próprio reclama há muito tempo.»

António Oliveira Salazar, 1932

Sem a loucura o que é o homem?

por A-24, em 03.05.12

Texto reeditado, no dia em que a única das quatro versões d'O Grito que não está exposta na Noruega foi vendida pelo preço recorde de 119,9 milhões de dólares (cerca de 91 milhões de euros), tornando-se na obra mais cara de sempre em leilão.
  
Por vezes alguns dos aspectos mais secundários de um quadro são os que o tornam mais significativo. Acontece isso no célebre O Grito, de Edvard Munch (1893), peça essencial da iconografia do nosso tempo. Vi pela primeira vez esta tela densa e misteriosa ainda criança, reproduzida num selo norueguês que me fascinou. Norge, lia-se nesse selo branco e azul, como atestado de proveniência. Mirei-o e remirei-o incessantemente, sem nada saber da arte de Munch nem da sua existência atribulada. Fascinou-me ao primeiro olhar: jamais vira – jamais vi – os abismos da mente humana captados de forma tão verosímil pelos caprichos de um pincel lançado numa espécie de liturgia do expressonismo. Há vida neste quadro. Vida transtornada, transfigurada, trepassada por uma dilacerante angústia existencial, indescritível por palavras. Só vendo se percebe.
De há cem anos para cá, multiplicaram-se as teorias sobre a origem deste ‘grito’ tão singular. Houve quem mencionasse a hipótese de um ataque de pânico que o artista transportaria para a sua tela, falou-se em ansiedade e neurose. Houve até quem arriscasse que tudo se terá devido às frequentes libações alcoólicas de Munch. Não faltaram as teses psicanalíticas, aludindo à sucessão de dramas na infância do pintor, que ficou órfão de mãe muito cedo e viu a irmã mais velha desaparecer de forma trágica.
Filho de médico, o artista noruguês (1863-1944) habituou-se a acompanhar o pai, em criança, a diversas visitas domiciliárias que lhe causariam um permanente assombro perante os abismos da doença e o rasto inevitável da morte.
É o próprio Munch que nos ajuda a desvendar o que terá ocorrido naquele fim de tarde de 1892 numa rua de Cristiânia [a actual Oslo]:“Caminhava com dois amigos. O sol, vermelho-sangue, descia no horizonte – e senti-me invadido por um sopro de tristeza. Parei, num cansaço de morte. Sobre o fiorde negro-azulado e a cidade caíam línguas de fogo. Os meus amigos prosseguiram – eu fiquei, tremendo de medo. Senti um grito infinito através da natureza. Senti como se conseguisse de facto escutar esse grito.”
Não tardou a fazer um esboço daquele que viria a tornar-se um dos quadros mais célebres de todos os tempos, cheio de linhas irregulares e convulsivas: terra, água e céu parecem atingidas pela mesma vaga demencial de sangue e fogo. A paleta de Munch é única. E a sua visão sombria da existência também. No rosto da figura principal – de algum modo um símbolo do mundo contemporâneo – estampa-se a “imagem primária do medo”, como acentuou o britânico Iain Zaczek, autor da obra The Collins Big Book of Art and Masterworks.
Regresso ao princípio para acentuar um daqueles pormenores que fazem toda a diferença nos melhores quadros: as duas figuras de cartola que caminham impávidas na direcção oposta à da personagem principal. Elas – e só elas – nos elucidam de que tudo quanto ali vemos se passa apenas na mente perturbada do autor, estabelecendo um evidente contraste entre o que este imagina por sugestão de um pôr-de-sol e a realidade objectiva daquele plácido fim de tarde na capital norueguesa.
“Só podia ter sido pintado por um louco”, escreveu Munch, a lápis, numa das cópias deste quadro que lhe deu projecção universal. Um seu contemporâneo português, Fernando Pessoa, bem poderia responder-lhe nestes versos antológicos, adaptáveis a todas as estações da vida: “Sem a loucura o que é o homem / Mais que a besta sadia, / Cadáver adiado que procria?”

Outro quadro: Auto-Retrato com Cigarro, de Munch (1895). Tal como O Grito, pertence à colecção do Museu Munch, em Oslo.

Pedro Correia in Delito de Opinião