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A-24

A coerência de Mário Soares

por A-24, em 08.12.14
Rui Ramos

Custa talvez a reconhecer que o Mário Soares da Fonte Luminosa em 1975 é o mesmo da prisão de Évora em 2014. Mas é. Ele não mudou. E vai entrar na história com tudo isso.

Para muita gente, Mário Soares é uma dificuldade. Como é possível que o político que confrontou Vasco Gonçalves na Fonte Luminosa em Julho de 1975 seja o mesmo que defendeu José Sócrates diante da prisão de Évora em Novembro de 2014? A propósito, menciona-se a idade ou contradicções. Ora, Soares envelheceu certamente, mas não mudou. Há, na sua vida, uma coerência que convém reconhecer. Não é uma coerência doutrinária, como a que celebrizou Álvaro Cunhal, mas uma coerência prática, que explica, entre outras coisas, porque é que, tendo sujeito o país à austeridade em 1983, ao lado do PSD, a contestou em 2013, ao lado do PCP.  

O “enfant terrible” da democracia


O que nos impede de perceber Mário Soares é a vontade de o elevar acima de controvérsias e divisões. Há muito tempo que Soares parece pronto para ficar na história. É o último político em actividade que conheceu os barões assinalados da I República, como António Sérgio ou Jaime Cortesão. Está em fotografias com Norton de Matos em 1949 ou com Humberto Delgado em 1958. A ditadura salazarista prendeu-o, deportou-o e exilou-o. Depois de 1974, venceu e perdeu eleições, foi primeiro-ministro, foi presidente da república. Mas Soares, por mais avançado nos anos, nunca se dispôs a ficar-se pelo papel do velho estadista consensual. Com efeito, mais do que o clássico “pai fundador” do actual regime, ele foi acima de tudo o seu “enfant terrible”: o “sapo” que muitos tiveram de engolir, a pedra no caminho de quase todos. Soares enfrentou e contestou toda a gente: em 1975, Álvaro Cunhal; em 1980, o general Eanes, mas também Francisco Sá Carneiro; em 1994, Cavaco Silva e António Guterres; este ano, Passos Coelho e António José Seguro.

Não houve ninguém em Portugal, da direita à esquerda, que não tivesse tido Soares como adversário num momento ou noutro. Todas as correntes de opinião o acusaram, incluindo o partido que fundou: a direita nacionalista selecionou-o como principal responsável civil da descolonização de 1974; o PCP culpou-o pelo fracasso do PREC em 1975 (Álvaro Cunhal nunca lhe perdoou); muitos dos seus correligionários socialistas lamentaram a sua negligência ideológica e o seu favorecimento da direita, em 1978 (governo com o CDS), em 1983 (governo com o PSD) ou em 1987 (quando proporcionou a primeira maioria absoluta de Cavaco Silva); e a direita passou a encará-lo como um dos seus adversários mais radicais na fase final do governo de Cavaco Silva (1994-1995) e agora durante o último programa de ajustamento (2011-2014). Estes rancores têm uma razão: toda a gente, em certo momento, pensou que podia contar com Mário Soares, apenas para ficar desiludida com ele.

Oposicionista sem quixotismo

Mário Soares contestou todas as grandes propostas e situações de poder do seu tempo. Foi esse o papel histórico deste filho-família, literato e advogado da Baixa de Lisboa. Antes de 1974, combateu a ditadura salazarista, mas também a hegemonia que o PCP procurou exercer sobre a oposição. Depois de 1974, resistiu à aliança do PCP com o militarismo progressista, combateu o “eanismo”, e contrariou o reformismo liberal que a direita tentou protagonizar. Em geral, embora sem sempre, conseguiu polarizar conjugações de forças variadas para contrariar o que pareciam ser movimentos irresistíveis.

Soares parece ter concebido a oposição como um ponto de partida vantajoso. Em 1969, foi sondado por marcelistas liberais para se aproximar da ditadura, provavelmente em troca de um tratamento privilegiado. Recusou, para não deixar ao PCP o monopólio da resistência. Em 1974, aconselhou ao general Spínola que encaixasse o PCP no I Governo Provisório, mais uma vez para não deixar os comunistas aproveitar a oposição. Em 1978, quando o general Eanes forçou a sua demissão de primeiro-ministro, declarou que se sentia “livre como um pássaro”. Todos julgaram que ironizava. Era provavelmente mesmo assim. Fundamentalmente, Soares percebeu que numa sociedade plural e complexa, todo o poder suscita dúvidas e resistências, criando oportunidades de acção política.


Através dos seus protestos e impugnações, Soares marcou o desenvolvimento do actual regime: primeiro, impediu o estabelecimento de uma ditadura militar influenciada pelos comunistas, e ajudou à fundação de uma democracia pluralista, com uma economia de mercado, enquadrada pela NATO e pela União Europeia; desde então, identificou-se com todos os que contestavam a adaptação do Estado e da sociedade portuguesa à globalização e à integração monetária europeia.

Inicialmente, Soares acreditou que o seu Partido Socialista, fundado em 1973, seria um pequeno partido, fiel da balança entre uma grande Democracia Cristã e um grande Partido Comunista, como na Itália. Nada se passou assim. Em vez disso, o PS tornou-se em 1975, não só o maior partido, mas o único partido verdadeiramente nacional, com votos no sul e no norte. Em 1976, quando formou governo, discutiu-se a sua vocação “mexicana”. De facto, Soares acabou por passar os primeiros vinte anos do regime sobretudo na oposição, mesmo quando foi primeiro ministro ou presidente da república: no governo, entre 1976 e 1978 e entre 1983 e 1985, confrontou o presidente, o general Eanes; na presidência, entre 1986 e 1996, chocou com o governo chefiado por Cavaco Silva.

Soares tem assim pouco a ver com as figuras tutelares de outros regimes portugueses, como Fontes Pereira de Melo durante a Monarquia Constitucional ou Salazar sob o Estado Novo. Soares foi acima de tudo um político de oposição. Por isso, para além dos filiados no seu partido, reuniu à sua volta sobretudo personalidades em transição, desgarrados das suas famílias partidárias de origem: antigos marcelistas, ex-CDS, ex-comunistas, ex-PSD.

A tendência de Soares não foi tanto a de constituir um poder dominante, mas para reagir aos poderes tendencialmente dominantes em cada momento. Foi assim que se afirmou, que adquiriu poder e influência. Porque nunca o fez quixotescamente, para perder. No Verão de 1975, teve uma epifania numa praia do Oeste, cheia de famílias e de automóveis: num país com uma classe média veraneante, o comunismo não era possível. Kissinger julgou-o destinado a ser um Kerensky. Ele sempre soube que era possível ganhar. Em 2011, perante uma população envelhecida e uma Europa dividida, ter-se-á convencido de que a rejeição da Troika seria outra causa auspiciosa. E não hesitou em misturar-se com os seus antigos inimigos na Aula Magna, nem em permitir-se os maiores excessos verbais.

Se nunca foi um Dom Quixote, também nunca foi simplesmente um irrascível, dominado pelo simples gosto de contrariar. Em 1970, no exílio, evitou isolar-se e estendeu a mão a toda a gente, incluindo o PCP, que o atacara ferozmente no ano anterior. Nunca perdeu o instinto de sobrevivência política. Em 1974, conseguiu definir uma plataforma política abrangente: fim da guerra em África através da negociação com as guerrilhas, pluralismo partidário (“valor essencial”), e “abertura à Europa”. “Socialismo”, sim, mas com “rosto humano” e realista. Foi-lhe assim possível, em 1975, conspirar ao mesmo tempo com a igreja católica, a diplomacia americana e os moderados do MFA.

Republicano, laico, socialista e… político

Alguém perguntará: e o que é que ele era de facto? Mário Soares fez questão de se definir: “homem de esquerda”, ou mais detalhadamente, “republicano, laico e socialista”. Era, com efeito, de esquerda, sem os alçapões biográficos de François Mitterrand. Vinha de uma família republicana, com uma passagem pelo partido comunista no imediato pós-guerra. Mas aprendeu, na oposição ao salazarismo depois de abandonar o PCP, que não devia excluir ninguém em princípio. O seu republicanismo, numa época em que a forma republicana já não dividia, e o seu laicismo, extirpado de rigores anti-clericais, nunca o limitaram nos seus contactos, como haviam limitado os velhos republicanos de 1910. Tratou com católicos e monárquicos sem problemas de consciência. Também não estava condicionado, como os sociais democratas do norte da Europa, por uma máquina sindical pesada (em 1974, aliás, o PS quase não existia para além de um grupo de amigos). Pôde fazer política com todo o virtuosismo e desassombro, capaz de charme mas também de brutalidade, implacável num momento e magnânimo no outro.

Acima de tudo, Mário Soares é um político. “Desde criança que fui atingido pela política”, escreveu este ano de 2014 no prefácio ao seu livro mais recente, “Cartas e Intervenções Políticas no Exílio”. Em 1950, no seu primeiro livro, “As Ideias Políticas e Sociais de Teófilo Braga”, examinou a questão do “primado da luta política sobre todas as outras actividades”. A política que o “atingiu” não foi uma qualquer política, mas a política de uma sociedade democrática e aberta. Na primeira “Carta de Paris” publicada no  jornal “República” em 1971, explicou aos seus leitores portugueses que os debates, conflitos, antagonismos e “complicadas coligações dos partidos” da França eram uma fonte de dinamismo e até de força. Pouca gente, num país com uma cultura anti-política, partilhada igualmente pelos tecnocratas da ditadura e pelos revolucionários da oposição, era capaz de conceber a política dessa maneira. Ele foi.

Vale a pena ler: Salazar Merecia Isto?

por A-24, em 24.11.14
por João José Horta Nobre


"Não fazia o 25 de Abril se soubesse como o País ía ficar." - Otelo Saraiva de Carvalho, Capitão de Abril
O retrato de Salazar é apeado por um militar "revolucionário" em consequência
do 25 de Abril.
Noticiou recentemente o Jornal de Notícias que os portugueses estão hoje mais pobres e a ganhar menos do que em 1974.[1] Pessoalmente, o facto não me surpreende, pois há anos que assisto à destruição do meu País pela mão de uma elite de "adiantados mentais" que fazem muito mais pelo seu enriquecimento pessoal, do que pelo enriquecimento da Pátria como um todo.
O facto de os portugueses estarem hoje mais pobres e a ganhar menos do que em 1974, fez-me por momentos reflectir em tudo aquilo que os demagogos adeptos da "revolução" de 1974 têm dito e feito contra a imagem e o bom-nome do professor Oliveira Salazar. Porém, para se compreender melhor onde quero chegar, recuemos ao passado.

Portugal ao iniciar-se a Primeira República em 1910, era um País profundamente doente em termos económico-sociais. A República com a qual alguns círculos ligados à maçonaria deliravam há décadas, havia sido apresentada como sendo a "panaceia universal" para resolver todos os problemas nacionais, no entanto, tal ficou muitíssimo longe de se verificar. Ao invés, aquilo que se verificou foi a total balbúrdia política a roçar na bandalhice. Isto deveu-se antes de mais ao facto de a República ter sido erguida com base em fórmulas estrangeiras importadas que nada ou muito pouco tinham a ver com a tradição política nacional e que por isso mesmo criaram muitos mais problemas do que aqueles que eventualmente vieram a resolver.
Chegados a 1926 e após dezasseis anos de eleições manipuladas, pseudo-democracia, caceteiros a rachar cabeças, perseguições políticas, partidocracia e corrupção em larga escala, Portugal estava na sarjeta. A ditadura militar foi então imposta não por mero capricho de alguns generais ávidos de poder e glória, mas por absoluta necessidade, pois estávamos em risco de deixar de existir como Nação soberana e independente. Hoje, infelizmente são poucos os que se lembram de toda esta miséria que antecedeu a ditadura de Salazar e nem convém ao actual regime dito "democrático" que tal seja recordado, não vão os portugueses começar a ter ideias "perigosas"...
O golpe de 28 de Maio de 1926 conseguiu efectivamente restaurar a ordem pública e dar alguma estabilidade e segurança a um País carente das mesmas. Mas não foi capaz de resolver o gravíssimo problema financeiro que nos afectava e a comunidade internacional da época, sob a forma da Sociedade das Nações, ofereceu uma pretensa "ajuda" com condições tão pesadas e humilhantes que esta foi liminarmente recusada por ter sido considerada como sendo um atentado à "dignidade nacional".
Esgotados assim praticamente todos os recursos e com a margem de manobra a reduzir-se de dia para dia, os militares decidiram recorrer a um certo professor de Coimbra que gozava de boa fama e tinha produzido alguns escritos que se haviam destacado nos meios académicos. O professor Salazar aceitou o cargo de Ministro das Finanças para o qual foi convidado, mas com algumas condições, entre as quais se destacava uma: a de poder ser ele a controlar as despesas de todos os outros ministérios.
A "ditadura financeira" de Salazar não tardou a produzir resultados positivos, em menos de dois anos criou-se um superavit nas contas públicas e a credibilidade financeira de Portugal entre o concerto das nações nunca mais parou de melhorar até ao dia 25 de Abril de 1974.

Resolvido assim o problema financeiro que os republicanos em dezasseis anos de "gloriosa república" nunca foram capazes de resolver, o governo de Salazar não tardou a deparar-se com várias crises internacionais que se seguiram em catadupa umas às outras. A primeira das quais foi o crash financeiro de Wall Street em 1929 ao qual se seguiu a crise da libra inglesa à qual nós estavamos irremediavelmente ligados, esta situação fez estremecer a economia portuguesa, mas mesmo assim e apesar das terríveis adversidades, o governo de Salazar conseguiu fazer com que o País atravessasse tudo isto de uma forma exemplar e sem deixar de continuar a evoluir economicamente, nem abrindo "buracos" financeiros como já é hábito acontecer em regimes ditos "democráticos".
Ainda na década de 1930 o governo de Salazar teve de se confrontar com a Guerra Civil de Espanha e logo de seguida a Segunda Guerra Mundial que exigiu a máxima habilidade diplomática da parte de Salazar para evitar que fossemos arrastados para uma guerra que teria tido consequências catastróficas para Portugal. Não bastando a neutralidade que conseguimos manter durante toda a guerra, ainda permitimos a entrada em território nacional de milhares de refugiados de guerra que foram generosamente recebidos e bem tratados.
Aqueles que acusam o professor Salazar de não ter feito mais para salvar refugiados de guerra, queriam o quê? Queriam que se colocasse em causa a neutralidade de Portugal com todas as consequências que daí poderiam advir? Queriam que provocássemos uma invasão alemã sem quaisquer garantias de que a Grã-Bretanha e os Estados Unidos conseguissem efectivamente defender o nosso território nacional? E mesmo que o conseguissem defender, quantas centenas de milhares ou mesmo milhões dos nossos compatriotas teriam de morrer até essa loucura terminar? E uma vez terminada a guerra, será que conseguiríamos restaurar a nossa independência ou ficaríamos reduzidos a uma colónia de outra qualquer potência?
Após a guerra, os Estados Unidos ainda nos tentarem ludibriar com o Plano Marshall, porém, o professor Salazar compreendendo o "esquema" que visava apenas a colocação maciça de capitais americanos em solo português, como primeira etapa para provocar a nossa dependência económica em relação aos Estados Unidos, recusou o mesmo. Mais tarde e após um estudo cuidadoso da situação, aceitámos uma pequena ajuda financeira que apesar de ser a fundo perdido, foi prontamente devolvida aos Estados Unidos em 1962 como uma bofetada à administração Kennedy, que sem qualquer provocação prévia decidiu apoiar movimentos ditos de "libertação" que atacavam e cometiam as maiores sevícias contra as populações negras e brancas das províncias ultramarinas em África.
Apesar de todas as adversidades e contratempos, Portugal sob a liderança de Salazar nunca deixou de progredir tanto em termos económicos, como sociais. Aqueles demagogos que falam do "atraso do Salazarismo" e da "longa noite fascista", deveriam de comparar o Portugal que Salazar herdou em 1928 com o Portugal que o seu regime deixou em 1974. Éramos, aliás, um País que registava um crescimento económico de 6,9% em 1973, sendo este ainda superior no Ultramar e o escudo português era então uma das moedas mais fortes do Mundo. O mais surpreendente é que conseguimos fazer tudo isto ao mesmo tempo que as Forças Armadas combatiam simultâneamente em três frentes de guerra separadas entre si por milhares de quilómetros! 
Veja-se agora então a "obra" legada pelos "revolucionários" de 1974. Primeiro começaram por arrasar Portugal economicamente com a loucura infantil do PREC e estafaram as reservas de ouro e divisas que Salazar acumulou durante décadas. Não existiu da parte dos "revolucionários" de Abril a mínima preocupação em preservar alguma coisa de bom que tivesse sido feita pelo anterior regime. A indústria, a agricultura, as pescas, tudo acabou gravemente prejudicado e até hoje nunca mais recuperámos destes danos à nossa infra-estrutura económica. 
Enquanto tudo isto se processava, os "revolucionários" em busca dos "amanhãs que cantam" colocaram em marcha a infame "descolonização" sem a realização de qualquer referendo ou consulta popular. As populações dos territórios ultramarinos foram simplesmente abandonadas à sua sorte e entregues ao jugo dos assim-chamdos "movimentos de libertação" que não gozavam de qualquer legitimidade popular e eram já responsáveis por inúmeros crimes contra a humanidade perpetrados contra negros e brancos. O desfecho da tragédia da "descolonização" (como não podia deixar de ser...) redundou em vários milhões de mortos, mutilados e traumatizados e uma limpeza étnica da população branca em toda a África Portuguesa. Até hoje, nem o governo português, nem a comunidade internacional se preocuparam em capturar e levar a julgamento os responsáveis por todo este banho de sangue.
Em 1977 já estávamos na bancarrota graças ao "sucesso" do PREC e se não fosse a pronta intervenção do FMI, ter-nos-íamos transformado num Zimbabwe da Europa. Em 1983 seguiu-se nova intervenção do FMI e só não se seguiram mais porque a partir de 1986 entrámos na CEE e abriram-se as "comportas", tendo então começado a entrar em Portugal uma quantidade fabulosa de dinheiro. Apenas entre 1986 e 2011 Bruxelas injectou em Portugal uma média de nove milhões de euros por dia. 
O que é que os "democratas" de Abril fizeram a todo este dinheiro? Qual foi o processo de alquimia que utilizaram para fazer sumir "magicamente" 80,9 mil milhões de euros em fundos estruturais e de coesão?[2] 
Todos sabemos que foi a corrupção dos partidos e a "festa democrática" que rebentaram com todo este dinheiro. O compadrio entre o poder político e o sector privado, os "tachos" e as "panelas", os jobs para os boys e as "vacas", a corrupção da banca, etc... Nem adianta aprofundar mais neste ponto, pois trata-se de matéria dada e só não a sabe quem não quer saber. 
Hoje, após 40 anos de "democracia gloriosa", Portugal é um País técnicamente em bancarrota (estamos muito mais endividados do que estávamos em 1926...), apesar de ninguém o querer admitir e tudo isto aconteceu mesmo sem termos sido sujeitos a qualquer tipo de catástrofe natural, guerra ou epidemia. 
Depois de um saldo destes é então legítimo perguntar-se que autoridade moral ou cívica têm os "abrileiros do cravo falido" para cuspirem como cospem em cima do nome do professor Salazar? Será que Salazar foi assim tão mau e horrível que mereça todas as ofensas e calúnias que os ditos "democratas" lhe atiraram para cima nos últimos quarenta anos?
Os "democratas" retiraram o seu nome de praticamente todas as ruas e praças onde se encontrava, lançaram-lhe toda a espécie de acusações fictícias para cima, quase que proibiram que o seu nome fosse citado em qualquer circunstância, escreveram as mais fantasiosas mentiras sobre o mesmo nos livros de escola de forma a "lavar" e "formatar" o cérebro da juventude, retiraram o seu nome da ponte que mandou construir, impediram a construção de qualquer museu com o seu nome e chegou-se até à loucura surrealista de proibir que se comercializasse qualquer tipo de vinho chamado Salazar!

Que mal fez Salazar para merecer tanto ódio e perseguição?
Foi por ter combatido fervorosamente os comunistas que queriam montar uma ditadura Estalinista em Portugal? Foi por ter combatido com unhas e dentes o grupo de crime organizado que dá pelo nome de maçonaria? Foi por ter sido sempre avesso à "democracia" rotativa dos partidos que já levou o País várias vezes à falência e viciou por completo o sistema político? Foi por ter defendido Portugal e os Portugueses do Minho a Timor? 
A campanha negra lançada contra o professor Salazar na esmagadora maioria dos círculos académicos, políticos e mediáticos deve-se antes de mais ao facto de que quem está hoje bem instalado nesses círculos, são os mesmos que encheram mais a pança nos últimos quarenta anos e contribuíram para a nossa desgraça colectiva. Esses sim é que deviam de ser combatidos, perseguidos e caluniados e não o honesto professor de Coimbra que nada mais fez a não ser defender o seu País até ao último sopro de vida.
Salazar terá afirmado uma vez que no dia em que abandonasse o poder, quem voltasse os seus bolsos do avesso só iria encontrar pó.[3] De facto, assim foi, após o 25 de Abril de 1974 os "revolucionários" abrilescos bem tentaram encontrar provas de que Salazar seria corrupto e rebuscaram tudo o que conseguiram à procura da alegada "fortuna escondida" ou das hipotéticas contas bancárias na Suíça. Não encontraram nada! Nem um escudo ou uma grama de ouro que fosse! Tal como havia prometido e ao contrário dos escroques que entram hoje na política para fazer a "vidinha" nos partidos, Salazar morreu em condições modestas, sem estar rodeado de luxos, sem relógios da marca Rolex e sem nunca ter beneficiado de quaisquer esquemas de scuts, parecerias público-privadas, contratos com Lusopontes, cursos ao domingo, equivalências, sacos azuis, ou quaisquer outras imundices morais que hoje conspurcam a nossa classe política. 
Recordo-me bem do pânico de uma boa parte da elite abrilesca quando Salazar venceu aquele célebre concurso televisivo há alguns anos atrás que pretendia apurar qual foi "o maior português de sempre". Mais do que uma bofetada valente nas fuças das elites do actual regime, tratou-se de um pequeno exemplo de como o verdadeiro povo não tem memória curta. Não duvido até de que se Salazar ressuscitasse e concorresse hoje mesmo a eleições democráticas, ganharia as mesmas com maioria absoluta e sem grandes dificuldades.

Acima de tudo o que move os mais fervorosas detractores de Salazar é o medo, o medo profundo em relação a um Estadista que há mais de quarenta anos jaz por vontade própria em campa rasa e o medo de que o povo um dia abra os olhos, perceba de vez a charada política em que vive e comece a ter ideias "perigosas"...

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Notas:
[1] JORNAL DE NOTÍCIAS - Portugueses mais pobres e a ganhar menos do que em 1974. 17 de Outubro de 2014. Link: http://www.jn.pt/PaginaInicial/Sociedade/Interior.aspx?content_id=4186090&page=-1
[2] ANTUNES, Rui Pedro - Portugal recebeu 9 milhões por dia em fundos comunitários. Diário de Notícias, 30 de Maio de 2013. Link: http://www.dn.pt/inicio/economia/interior.aspx?content_id=3247131&page=-1
[3] NOGUEIRA, Franco - Salazar: Estudo Biográfico. Atlântida Editora, 1977. p. 383

O Papa que enfrentou Salazar

por A-24, em 12.11.14
O Diabo

“Vamos ter tempos difíceis com a Igreja” disse o Presidente do Conselho

O Papa Paulo VI (1963-1978), de seu nome Giovanni Montini, e que foi beatificado no passado 19 de Outubro pelo Papa Francisco, em Roma, foi o primeiro Pontífice a pisar o território de Portugal. Aliás, foi o primeiro Papa a visitar Fátima.
Veio a Fátima no dia 13 de Maio de 1967 para assinalar os 50 anos das Aparições de Nossa Senhora (1917-1967), pedir a Paz no mundo e a unidade da Igreja. Mas também para dar um sinal claro da importância da presença de Maria na sociedade, pedir a intercessão da Virgem para o futuro da Igreja, para o bom termo do Concílio Vaticano II e, claro está, chamar a atenção da Humanidade para a importante Mensagem de Fátima.
Na época, Portugal era governado por Oliveira Salazar. Sabemos hoje que Salazar pensou em recusar a necessária autorização para Sua Santidade visitar Portugal. No entanto, e apesar de uma certa crispação inicial, a viagem redundou num verdadeiro êxito.
Cardeal Cerejeira

A relação entre Salazar e Paulo VI

Apesar de na aparência a relação entre Salazar e Paulo VI ter sido sempre da maior cordialidade pública, aquela também ficou marcada, e por inúmeras vezes, por algumas fricções. Cordialidade e fricções visíveis em alguns episódios que seleccionamos para si e que se contam nas páginas seguintes.
Quando Paulo VI iniciou o seu Pontificado, em 1963, e em sequência do Concílio Vaticano II (1962-1965), respirava-se na Santa Sé um clima de novos tempos, enquanto em Lisboa se prosseguia com a questão ultramarina e outras complicações.
Alguns sectores católicos mostravam um empenho bastante visível contra o conflito, mas também a favor da mudança política e social do regime.
Após o impacto da encíclica Pacem in Terris (1963) de João XXIII, com as resoluções do Concílio Vaticano II e a linha de modernização da Igreja preconizada por Paulo VI, tinha surgido algum estímulo à procura de soluções para a guerra do Ultramar (1961-1974).
Salazar e Paulo VI e o Cardeal Cerejeira como intermediário
Eleito Papa em Junho de 1963, Paulo VI tinha um perfil que não agradava a Salazar. Um Salazar escaldado com algumas posições do antecessor: João XXIII que, em 1956, ainda Cardeal, estivera em Fátima num retiro espiritual, mas que era conhecido, na óptica de Salazar, pelas suas posições “liberais” e “progressistas”.
Num comentário à escolha de Paulo VI, o Ministro dos Negócios Estrangeiros da época, Franco Nogueira, observou que se tratava de uma vitória da “ala esquerda da Igreja”. No mesmo dia, e de acordo com o Ministro, Salazar fez o seguinte desabafo: “Vamos ter tempos difíceis com a Igreja”. Era esta a opinião generalizada das elites do regime português em relação ao Vaticano da época do Concílio Vaticano II.

A visita do Papa que Salazar queria impedir

Em 1963, foi conhecido o propósito do novo Pontífice participar no Congresso Eucarístico Mundial, em Bombaim. A possibilidade de o Papa ir à Índia – que dois anos antes anexara militarmente os territórios ultramarinos portugueses de Goa, Damião e Diu – foi vista por Salazar como “inconcebível”.
A ida a Bombaim, realizada em Dezembro de 1964, constituiu um forte ponto de fricção entre o Estado Novo de Salazar e a Igreja Católica de Paulo VI.
Salazar classificou a visita de “agravo gratuito, no duplo sentido de que é inútil e de que é injusto, praticado pelo chefe do Catolicismo em relação a uma Nação católica”. Além de a ter considerado como uma “injúria feita a Portugal”.
A censura do regime impediu o noticiário sobre o acontecimento. Contudo, o então padre António Ribeiro – futuro Cardeal Patriarca de Lisboa e sucessor do Cardeal Gonçalves Cerejeira – foi afastado do seu programa semanal na RTP por insistir em abordar o tema.
Porém, e segundo alguns, foi esta visita a Bombaim que abriu a porta à possibilidade de o Papa vir a Fátima, como forma de “compensar” Portugal.
Quando se soube da possibilidade, ainda que remota, de Paulo VI visitar Fátima, através da voz do Cardeal Costa Nunes, o “País estremeceu”. Franco Nogueira afirmou que Salazar lhe dissera, quando teve conhecimento da possível visita do Papa: “Enquanto eu for vivo, o Papa não entra aqui… não lhe daremos visto”.

 O Cardeal Cerejeira, Salazar e a visita de Paulo VI à Índia

Salazar ficou deveras irritado com a possibilidade de Paulo VI, em 1964, visitar a antiga Província Ultramarina Portuguesa. Sabemos que tudo fez no campo diplomático para impedir a realização da viagem anunciada.
Salazar ficou muito agastado com a deslocação do Papa à Índia, evocando essencialmente questões meramente políticas.
É importante, por breves instantes, reflectir um pouco sobre o que representaria para Salazar e para muitos portugueses a realização de tal viagem à Índia. Em poucas palavras, podemos afirmar que esta viagem era uma verdadeira afronta para Portugal e para os portugueses.
Mais: na perspectiva de Salazar, esta viagem seria uma legitimação que o Vaticano concedia à União Indiana, e com reflexos a nível internacional, e que Portugal não podia, de forma alguma, aceitar. A visita, no entender de Salazar, podia significar o apoio, pela Santa Sé, da anexação de Goa pela União Indiana. Mas, também, a aprovação espiritual dada a uma atitude de guerra assumida pelo Governo de Deli. E, não sendo a Índia um país católico nem Bombaim um local de peregrinação, Salazar entendeu que essa viagem possuía apenas motivos políticos e não pastorais.
E quando Salazar soube da intenção de Paulo VI visitar Goa e orar no túmulo de São Francisco Xavier, sentiu uma profunda raiva interior, misturada com um forte sentimento de indignação. Ficou, como escreveu Franco Nogueira, “possesso de revolta”.
Qual era, então, a solução para Salazar? Impedir, por todos os meios possíveis, que essa viagem tivesse lugar.
Perante isto, o governante partiu para a ameaça. Através do Cardeal Cerejeira, avisou que, se o Papa realizasse a viagem à Índia e, sobretudo, visitasse Goa, a Concordata – assinada entre Portugal e a Santa Sé, em 1940 – seria denunciada e a política religiosa de Portugal “radicalmente” alterada. Salazar ameaçou, ainda, cortar relações oficiais entre o nosso País e a Santa Sé, colocando o sector católico nacional e o Vaticano em alerta.
O Cardeal Cerejeira, extremamente preocupado e “aterrado” com a situação, encontrou-se por duas vezes com o Pontífice nesse ano de 1964. O último encontro seria a 13 de Outubro de 1964. E como parecia que estes encontros não surtiam o efeito desejado, inclusivamente no último o Papa não permitiu que se aflorasse o assunto, o Cardeal e a diplomacia nacional conseguiram contactar com diversas personalidades com vista a demover o Papa da sua visita a Goa.
Em suma, Paulo VI fez a viagem, é certo. Mas ficou-se por Bombaim e não foi a Goa, como pretendia.
Salazar, criticou e condenou, de forma clara e inequívoca, a visita de Paulo VI. Mais: sentiu a atitude do Papa como um insulto a Portugal e aos milhões de católicos nacionais.
Franco Nogueira sabia que Portugal não podia “enfrentar com êxito uma hostilidade unânime de forças reais. E a Igreja é uma força real”.
Porém, Paulo VI, veio a Fátima como peregrino mostrando, assim, a dimensão deste Santuário que em terra portuguesa era “Altar do Mundo” e não altar dos interesses de Oliveira Salazar. Também Paulo VI, com esta decisão de se deslocar a Fátima, pretendia provar, de forma clara, que não ligava a contendas de natureza política e que apenas se guiava por questões pastorais.

Há 40 anos

por A-24, em 01.10.14
Joana Lopes

Também foi num Sábado cinzento. Esteve marcada para 28 de Setembro de 1974 e tinha como objectivo reforçar a posição do presidente da República, António de Spínola, então já em confronto com o governo e com o MFA, não só mas também por questões ligadas à independência das colónias.

Teria sido a chamada manifestação da Maioria Silenciosa e acabou por ser proibida pela Comissão Coordenadora do Programa do MFA. Antes disso, Spínola, que tinha tentado, sem sucesso, reforçar os poderes da Junta de Salvação Nacional, acabou por emitir um comunicado, pouco antes do meio-dia, a agradecer a intenção dos manifestantes, mas declarando que, naquele momento, a manifestação não seria «conveniente».

Os partidos políticos de esquerda (CARP M-L, CCRM-L, GAPS, LCI, LUAR, MDP/CDE, MES,

PCP m-l, PCP, PRP-BR, URML), sindicatos e outras organizações tinham desencadeado, no próprio dia, uma gigantesca operação de «vigilância popular»: desde as primeiras horas da manhã, dezenas de grupos de militantes distribuíram panfletos e pararam e revistaram carros em todas as entradas de Lisboa. Mas não só: foram erguidas barragens, para impedir o acesso à manifestação, em Viana do Castelo, Santo Tirso, Trofa, Póvoa de Varzim, Vila do Conde, Porto, Chaves, Mealhada, Viseu, Guarda, Coimbra, Vila Nova de Poiares, cintura industrial de Lisboa, Grândola e Alcácer do Sal. (*)
Os sinais públicos de ruptura crescente entre o presidente da República e o governo de Vasco Gonçalves e o MFA tinham sido mais do que evidentes, dois dias antes, durante uma tourada organizada pela Liga dos Combatentes, no Campo Pequeno, durante a qual Spínola foi aplaudido e Vasco Gonçalves apupado e, das bancadas, saíam vivas a Portugal e ao Ultramar.
Em 30 de Setembro, Spínola demitiu-se do cargo de presidente da República, sendo substituído pelo general Costa Gomes. Fechou-se assim o primeiro ciclo político do pós 25 de Abril.
(*) Uma enumeração de todas as peripécias que rodearam os acontecimentos, no próprio dia 28 e não só, pode ser lida aqui.)

Convém recordar sempre

por A-24, em 20.09.14

Maldades do tempo do fascismo

por A-24, em 13.07.14

Acontecimentos de 1975

por A-24, em 30.06.14


Há 39 anos, por esta hora, eu estava no Campo Santana, em Lisboa, numa manifestação à porta do Patriarcado que tinha ali a sua sede, de apoio aos trabalhadores da Rádio Renascença. Não era a primeira vez que o fazia: antes do 25 de Abril, participara em vários protestos contra o cardeal Cerejeira, por atitudes que ele tomava, ou omitia, nas relações entre a Igreja portuguesa e o governo em tempos de ditadura. Tipicamente, acabávamos sempre refugiados no átrio ou, pelo menos, protegidos pelo gradeamento que, no passeio, rodeava a porta principal – reacção instantânea quando se aproximavam os tradicionais Volkswagen creme nívea da PSP.
Mas, em 18 de Junho de 1975, os ventos eram já bem diferentes e foram outros que se refugiaram dentro da sede patriarcal. Passo a explicar, mas muito resumidamente, porque foi longo e complexo o chamado «caso da Rádio Renascença».
Quando a Revolução aconteceu, a Rádio Renascença (RR) era uma das três grandes estações de radiodifusão, a par da Emissora Nacional e do Rádio Clube Português, com um ambiente relativamente livre dentro dos limites existentes e não foi por acaso que sobre ela incidiu a escolha para a transmissão de Grândola como senha para os militares avançarem. Mas, curiosamente, foi lá que teve lugar a primeira greve em serviços de informação, logo no dia 30 de Abril, por uma profunda divergência entre jornalistas e directores a propósito da cobertura da chegada a Portugal de Mário Soares e de Cunhal. A estação esteve parada cerca de 19 horas, os trabalhadores ocuparam o espaço e o conselho de gerência acabou por abandonar o local. Este foi apenas o primeiro capítulo de uma atribulada história que duraria até Dezembro de 1975, data em que a gestão da estação foi definitivamente devolvida à Igreja.

Pelo meio, o tal episódio de 18 de Junho de 1975. Durante mais uma crise interna, sindicatos

representativos de vários sectores – jornalistas, revisores de imprensa, tipógrafos e telecomunicações – convocaram uma manifestação a ter lugar junto do Patriarcado. E teria sido apenas mais um evento, entre muitos semelhantes que aconteciam quotidianamente, não se tivesse dado o caso de ter havido uma convocatória para uma contramanifestação, feita por muitos padres, a pedido do conselho de gerência da RR (texto na imagem, aqui ao lado).
Estava lançado o rastilho para um confronto que teve tiros para o ar dados pela PSP e pela Polícia Militar, muitas pedradas e cerca de 40 feridos, com os manifestantes pró-Patriarcado refugiados no interior do edifício e evacuados já de madrugada em camiões militares.
Antes, durante e depois, foram divergentes os apoios recebidos por cada um dos lados. A UDP foi a primeira organização política a apelar para a participação na manifestação de apoio aos trabalhadores, acompanhada, entre outros, pelo MES, LCI, LUAR, PRP/BR, CMLP, ORPCML, Associação de ex-Presos Políticos Antifascistas, várias comissões de trabalhadores (com realce para a dos TLP), e organizações católicas como a JOC e Cristãos pelo Socialismo. Contra a manifestação, embora com diferentes nuances, declararam-se o PS, o PPD, o CDS, o PDC e o PCP. Estranho? Olhem que não, olhem que não! 

Lisboa, cidade-luz numa Europa em guerra

por A-24, em 18.09.13
Público

Espiões, esplanadas cheias de refugiados, artistas, políticos e membros da realeza a encher os hotéis, jornalistas, revistas de propaganda, manobras diplomáticas: Lisboa foi, durante a II Guerra Mundial, um refúgio e uma via de fuga da Europa em guerra. Uma exposição no Terreiro do Paço recorda esses anos.
Eram as luzes iluminando a noite de Lisboa, como se a cidade estivesse em festa, que mais surpreendiam os refugiados acabados de chegar de uma Europa mergulhada na guerra e na escuridão. No Verão de 1940 Paris acabava de cair nas mãos das tropas do III Reich e milhares de pessoas tentavam fugir. A porta de saída era Lisboa.
De repente, os olhos do mundo voltavam-se para a cidade não pelos motivos que o Governo sonhara - a inauguração da ambiciosa Exposição do Mundo Português - mas para tentar perceber o que era a capital deste pequeno país europeu, que se mantinha neutral durante a guerra, e que acolhia temporariamente milhares de pessoas.
Uma refugiada no cais de Lisboa à espera da partida
(foto maior); a chegada de mais um comboio à gare do Rossio;
uma das tabacarias onde se vendiam inúmeros jornais
e revistas internacionais; e (foto em baixo) as
estátuas da capital protegidas na altura em que se começou
a recear um
ataque alemão a Portugal

É por isso, diz Margarida de Magalhães Ramalho, comissária, juntamente com António Mega Ferreira, da exposição A Última Fronteira - Lisboa em Tempo de Guerra, que a revista National Geographic decide fazer uma reportagem sobre Portugal. "Em 1941, a National Geographic não fazia praticamente reportagens fora da América, e no entanto mandam alguém cá. Portugal era uma espécie de paraíso perdido, com uma quantidade de coisas que já ninguém sabe o que são: as varinas, o homem da cortiça, o vendedor de azeite e vinagre. Isso deve ter-lhes suscitado interesse".

A reportagem, com as imagens das varinas e de mulheres embrulhadas em xailes negros, mas também de alguns edifícios que revelam um tímido desejo de modernidade, abre a exposição no Torreão Poente do Terreiro do Paço. "O tom da reportagem é de grande simpatia". Como são aliás, frisa a investigadora, a esmagadora maioria dos testemunhos que recolheu e a que teve acesso desde que há cerca de dez anos começou a trabalhar este tema a partir do projecto de uma outra exposição (nunca concretizada) sobre a passagem dos refugiados pela Figueira da Foz. Um trabalho que ainda antes da exposição no Terreiro do Paço começou por ter a forma de um livro, Lisboa, uma Cidade em Tempo de Guerra.

"Nos cerca de cem testemunhos a que tive acesso, muitos deles guardados na Fundação Shoah, nos Estados Unidos, se houver um a dizer mal de Portugal já é muito", afirma Margarida Ramalho. "A maioria das pessoas teve uma enorme empatia com o país, foi muito bem recebida, sentiu-se acarinhada, protegida. É raro aquele que não faz referência ao facto de ter passado de uma "terra cinzenta" para o "luminoso Portugal"." Isto apesar da política de restrição de vistos e, ponto em relação ao qual a investigadora é particularmente crítica, "a forma como Portugal se comportou com os judeus de origem portuguesa", descendentes de famílias expulsas pela Inquisição, aos quais, na maioria dos casos, não permitiu a entrada.
No início da década de 40, Lisboa tornou-se subitamente uma cidade cosmopolita. A exposição conta-nos essa história, começando com um monte de malas antigas no meio do hall e com imagens das chegadas, na maior parte dos casos em comboios que vinham até à Estação do Rossio, e das partidas, em navios ou, para os que tinham mais posses, de avião. "Muitas vezes, as pessoas apercebem-se que têm que fugir, metem tudo nas malas e despacham-nas para Portugal na esperança de virem depois. Mas alguns não conseguem vir e as malas ficam por cá e acabam por ser leiloadas".
Outros têm mais sorte, e conseguem chegar a Lisboa e até, como a coleccionadora de arte Peggy Guggenheim, fazer passar por aqui muitas obras de arte, em direcção aos EUA. "Logo a seguir à ocupação de Paris, Peggy Guggenheim compra uma série de obras a artistas que estavam desejosos de vender coisas para se irem embora, e tudo isso passou certamente por Portugal", acredita a investigadora.
Os refugiados instalavam-se sobretudo no eixo da Rotunda/Avenida da Liberdade/Rossio. "Era aí que existiam os melhores hotéis e as pensões, e, além disso, ficavam próximo das legações dos vários países beligerantes. A dos EUA era no n.º 258 da Avenida da Liberdade, por exemplo, enquanto o consulado alemão ficava do outro lado, na Av. Joaquim António de Aguiar."
O mais luxuoso destes hotéis era o Aviz, um pouco mais acima, nas Picoas, no local onde está hoje o Imaviz. Era aí que se instalava habitualmente Calouste Gulbenkian, e era aí que queriam ficar os duques de Windsor, que chegaram a Portugal em Julho de 1940. "A passagem do duque de Windsor envolve pressões alemãs para ele ficar na Europa, porque, dado que ele tinha algumas simpatias pela Alemanha, os alemães tinham esperança de o conseguir pôr no trono. Chegou a haver, do lado alemão, ordem para, se fosse necessário, usar-se a força para o reter". Mas, por pressões inglesas, o duque acabou por deixar Portugal - e não chegou a hospedar-se no Aviz.
Muitos dos refugiados frequentavam os cafés da zona e passavam grande parte do tempo nas esplanadas ou em jardins como o Botânico, ou o Parque Eduardo VII, onde gostavam em particular da Estufa Fria. Não podiam fazer muito mais do que esperar por notícias - e era isso que os levava diariamente às estações de correios dos Restauradores ou do Terreiro do Paço para saber se chegara alguma coisa à posta-restante (uma das salas da exposição tenta precisamente recriar o ambiente de uma estação de correios).
Para além de Lisboa, havia também importantes grupos de refugiados na Curia, na Figueira da Foz, na Ericeira. Mas o local que ficou mais ligado à passagem por Portugal dos que fugiam ao avanço nazi foi o Estoril, transformado num autêntico cenário de espionagem. Uma das salas da exposição mostra um goniómetro e um rádio transmissor, e relembra a estadia de Ian Fleming no Hotel Palácio do Estoril, pró-aliado, que, juntamente com o Casino, também muito frequentado pelos refugiados mais ricos, terá inspirado o livro Casino Royale. Uma das personagens com quem Fleming se cruzou - e que poderá ter inspirado o Agente 007 - foi o jugoslavo Dusko Popov, agente duplo também conhecido como Triciclo.
E, numa cidade cheia de refugiados e agentes secretos, último local de refúgio numa Europa em guerra, num país neutral, todos aproveitavam para fazer a sua propaganda. "Todos os beligerantes tinham jornais, revistas", conta Margarida Ramalho, junto a uma parede com várias dessas publicações, daGuerra Ilustrada à Allô Portugal, Aqui Alemanha, passando pela americanaEm Guarda.
"O The Anglo-Portuguese News, jornal luso-britânico, era dirigido na altura por um tio meu casado com uma inglesa. Para além de dirigirem o jornal, que era considerado pelos alemães como o porta-voz do Churchill, os dois recolhiam toda a informação relacionada com a guerra para a passar à embaixada inglesa. Quando se fala na eventualidade de uma invasão de Portugal, eles estão na lista das pessoas que devem ser retiradas com urgência para não caírem nas mãos dos alemães".
Toda a gente escolhia um lado. "A maioria tomou o partido dos ingleses. Os taxistas punham bandeiras do país que apoiavam, as lojas faziam montras pró-aliadas ou pró-germânicas." Os jornais davam notícias da guerra, e os correspondentes estrangeiros em Portugal gritavam histórias ao telefone no meio de cafés cheios de gente.
Em Belém, o país mostrava o seu império colonial, mas os refugiados que enchiam os cafés tinham outras coisas em que pensar. Lisboa tentava começar a ser moderna, mas nas zonas populares, como a Aldeia dos Trapeiros, junto ao Areeiro, as condições eram miseráveis e as pessoas ainda viviam a meias com porcos. Mas, no meio de tudo isto, o que mais espantava quem aqui chegava eram as luzes que iluminavam as ruas - as únicas luzes ainda acesas numa Europa às escuras.

UMA PERSPECTIVA SOBRE OS QUADROS LEGAIS POSSÍVEIS NO QUADRO DO TRÁFICO E DA EXPLORAÇÃO NA PROSTITUIÇÃO

por A-24, em 03.09.13
Recuo a 5 de Maio de 1838: em Lisboa publica-se um edital que procura limitar a área de actuação das prostitutas, proibindo-as de habitar em casas «próximas de templos, passeios ou praças». Neste ano, é publicado o «Regulamento Policial e Sanitário para Obviar os Males Causados à Moral e à Saúde pela Prostituição Pública», criando uma classificação: a divisão das mulheres prostituídas em três categorias «segundo o seu luxo», assim como as casas de passe, «segundo a sua ostentação». Esta mesma dita categoria, que, ainda hoje é entendida como prostituição de luxo: a que resultaria de escolha, e a prostituição de rua, a que resultaria da necessidade. A partir de 1850 estabiliza-se um modelo um modelo burguês de vivência do quotidiano. Poucas terão sido as personagens sobre as quais tanto se escreveu a partir de meados do século XIX e até ao início do século XX como a prostituta. Elevada a musa, tema de poesia e música que ocupavam os tempos boémios cortesãos, ela era, simultaneamente, o símbolo da decadência moral, mas um mal necessário para suprir as necessidades afectivas e sexuais dos homens, principalmente daqueles com posses.Em Lisboa emitem-se regulamentos em 1858 e 1865, que servirão de modelo aos de outras cidades do país como Porto e Évora caracterizados pelas preocupações sanitárias e esforços de severa regulamentação da actividade prostitucional. Em 1900, o Regulamento Policial das Meretrizes da Cidade de Lisboa, determina no seu artigo 13º que «são consideradas meretrizes todas as mulheres que habitualmente e como modo de vida se entregam à prostituição. Denominam-se toleradas quando se acham inscritas no respectivo registo policial». E sempre, entregues ou matriculadas nas autoridades pelos seus proprietários – pais, maridos, irmãos mais velhos. A legislação e o discurso social transformam então estas mulheres em ameaças à estabilidade social e à moral pública, higienizando-se o discurso e as normas, submetendo estas mulheres a rigorosos controlos sanitários para evitar a propagação das doenças venéreas (daí a diferença entre as matriculadas e as que se encontravam em circulação) ao mesmo tempo que se regulamentava a dita «profissão», não para garantir quaisquer direitos a quem se prostitui, mas a saúde e o bom nome dos clientes.Com os anos do fascismo, com o empobrecimento brutal e a degradação generalizada das condições de vida, entre 1925 e 1928, em termos globais, o número de matriculadas aumenta mais de 15%. Em 1928, verifica-se que, os dois maiores centros urbanos do país, no seu conjunto, englobam cerca de 2/3 do total (Lisboa acima dos 40% e o Porto perto dos 25%), cidades onde a pobreza era mais aguda e onde o controlo era mais fácil, dado que, no interior, a matrícula era um estigma social e, como tal, evitada. 

Entre as razões adiantadas pelas mulheres prostituídas avultavam o abandono pelo amante e a miséria, embora em quase um terço dos casos a causa não fosse adiantada. Solteiras eram 94% e analfabetas 83%. Entre as que tinham ocupação profissional anterior, encontravam-se serviçais, domésticas e costureiras. Imperava, então, o discurso higienista, permitindo-se por decreto a prática da prostituição por maiores de 20 anos, em casas especificamente localizadas, desde que não causassem má vizinhança. Diz-se ter sido este, o primeiro passo neste processo: a remoção da sexualidade ilegítima dos espaços públicos. Em Itália, logo em 1923, a mando de Mussolini, a polícia ordenava a todas as prostitutas, incluindo praticantes “isoladas”, que transportassem um «passaporte especial com o registo dos seus exames vaginais de doenças venéreas.» E esta regulamentação, esta consideração da prostituição como profissão, como actividade comercial, como uma indústria, foi mesmo para o responsável das inspecções obrigatórias, Tovar de Lemos, algo que, afinal, tudo mudava para que tudo ficasse na mesma. Podemos ler na reflexão que abre o seu relatório de 1947: «Quanto à prostituição clandestina é extraordinário o número de raparigas que a exerce. Não se sabe hoje onde começa o que se pode chamar prostituição clandestina nem onde acaba. É difícil fixar os limites do que se pode chamar prostituição clandestina dentro do esbatido que vai desde a profissional que vive da prostituição 100% até à rapariga quase 100% honesta.» Nestas palavras com mais de 60 anos, revemos as tendências ditas modernistas dos dias de hoje, no que ao tráfico de mulheres e à prostituição diz respeito.São muitos os instrumentos internacionais e nacionais a que Portugal está vinculado: a Lei n.º 23/80, de 26 de Julho, que ratificou a Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, a Resolução da Assembleia da República n.º 17/2002, de 8 de Março, que aprovou para a ratificação o Protocolo Opcional à Convenção sobre a eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres, ratificado pelo Decreto do Presidente da República n.º 5/2002, de 8 de Março, bem como a Decisão-Quadro do Conselho, de 19 de Julho de 2002, relativa à luta contra o tráfico de seres humanos, ao considerar que este «constitui uma grave violação dos direitos humanos fundamentais e da dignidade humana e implica práticas cruéis, como a exploração e manipulação de pessoas vulneráveis, bem como a utilização de violência, ameaças, servidão por dívidas e coacção», sendo que o consentimento das vítimas é irrelevante.Já em 1993 a Conferência Mundial das Nações Unidas sobre os direitos humanos afirmou, na Declaração e Plataforma de Acção de Viena que «Os direitos humanos das mulheres e das meninas são inalienáveis, integrais e são uma parte indivisível dos direitos humanos universais.» «A violência baseada no sexo e todas as formas de perseguição e exploração sexual, incluindo aquelas resultantes de preconceitos culturais e tráfico internacional são incompatíveis com a dignidade e valor da pessoa humana e devem ser eliminados.» Não obstante, a United Nations Office on Drugs and Crime estima que mais de 2,4 milhões de pessoas são actualmente vítimas de tráfico para fins comerciais. Segundo o relatório Global Report on Trafficking in Persons, de Fevereiro de 2009, a exploração sexual assume-se como a forma mais relatada de tráfico, com 79% dos casos. De acordo com a OIT, a exploração sexual é de 63% nas economias industrializadas, sendo que Portugal é um país de destino, origem e passagem de vítimas de tráfico.E Portugal tem vindo a ser sistematicamente descrito em vários relatórios internacionais, como é o caso dos relatórios anuais do US Department of State, como um país que apenas cumpre os requisitos mínimos no combate ao tráfico, baseando-se mesmo em dados transmitidos por entidades governamentais portuguesas que, em muitas situações, não retratam, minimamente, a realidade portuguesa.Assim, publicados que foram os dois Planos Nacionais contra o Tráfico de Seres Humanos e instituído o seu Observatório, que tem vindo a desenvolver um meritório trabalho de sensibilização, estudo e divulgação desta realidade, podemos ler no 2º Relatório Anual que durante 2010 foram realizadas 3.048 acções de combate à imigração ilegal e tráfico de pessoas, tendo existido um total de 28 crimes de tráfico registados por autoridades policiais: 6 crimes registados pela GNR, 5 crimes registados pela PSP, 8 crimes registados pelo SEF e 9 crimes registados pela PJ. Números que, certa e infelizmente, estarão aquém do real.Através dos órgãos de polícia criminal e de organizações não governamentais e internacionais, foram registadas durante 2010 um total de 86 vítimas: 22 vítimas confirmadas como vítimas de tráfico de pessoas; 5 vítimas sinalizadas ainda em investigação, 29 vítimas não confirmadas porque consideradas como vítimas de outros ilícitos que não o tráfico de pessoas. A exploração sexual e laboral continua a figurar como o principal «destino» das pessoas traficadas.O problema da prostituição assume particular importância na agenda política, por força do recrudescimento da tentativa de regulamentação da prostituição por parte das ditas “trabalhadoras do sexo” e dos proxenetas, como actividade económica, como profissão. Esta ofensiva pretende criar as condições para que os proxenetas sejam considerados parceiros económicos dos Estados e os clientes legítimos consumidores a quem se atribui, como um direito, a utilização de uma pessoa.

Na Europa, temos quatro linhas orientadoras, quatro correntes, relativamente aos quadros legais: - O abolicionismo: a prostituição não é proibida. Contudo, o lenocínio é criminalizado – República Checa, Polónia, Eslováquia, Eslovénia, Portugal, Espanha.- O neo-abolicionismo: a prostituição não é proibida, contudo, o Estado proíbe a existência de bordéis – Bélgica, Chipre, Dinamarca, Estónia, Finlândia, França, Itália, Luxemburgo. -O proibicionismo: a prostituição é proibida, havendo sanções penais para os intervenientes – Irlanda, Lituânia, Malta, Suécia. - A regulamentação: a prostituição é regulamentada e, como tal, não é proibida desde que exercida segundo as regras estabelecidas – Áustria, Alemanha, Grécia, Holanda, Letónia, Reino Unido.Nos países onde a prostituição está regulamentada, pode afirmar-se que o tráfico de pessoas aumentou e que a prostituição é fundamentalmente exercida pelas vítimas de tráfico.Um levantamento feito pelo Grupo de Budapeste atesta que 80% das mulheres dos bordéis da Holanda são traficadas de outros países. Já em 94, a Organização Internacional das Migrações declarava que na Holanda perto de 70% das mulheres traficadas eram oriundas dos países da Europa Central e do Leste Europeu. A prostituição infantil terá aumentado de 5000 crianças em 95 para 15000 em 2001. Em toda a Europa o tráfico e a exploração na prostituição não param de aumentar. Em Portugal, um estudo de 2005 sobre a prostituição em clubes afirma que a percentagem de portuguesas é de 15%, de brasileiras é de 62%, de colombianas é de 8% e de africanas é de 12%. Um relatório da Unicef afirma que de 95 a 2005 foram traficadas 100.000 mulheres e raparigas albanesas para a Europa Ocidental e outros países balcânicos. Documentos da Unicef e da “Salvem as Crianças” revelam que «até 80 por cento das mulheres traficadas de alguns cantos da Albânia e da Moldávia são crianças, com relatos que mostram uma diminuição da idade média das crianças/mulheres que são traficadas para a prostituição.» Milhões de raparigas e jovens foram escravizadas e roubadas das suas vidas de modo a que os investidores na chamada indústria do sexo possam acumular cada vez mais capital e serem considerados empresários. Empresários da vida humana e da dignidade, em Estados que patrocinam a escravatura e a exploração dando-lhe corpo legal.Noutros países, contudo, o caminho é outro. Na Argentina, a 6 de Julho de 2011 foi publicado um decreto que proíbe a publicidade de ofertas sexuais nos órgãos de comunicação social do país. 

Em Espanha, a 19 de Julho 2010 foi apresentada uma Proposta de Resolução a instar o Governo a não subsidiar, nem realizar publicidade institucional nos grupos de comunicação social que realizam publicidade a serviços de prostituição. Em 2010, o Parlamento espanhol tinha já aprovado, por unanimidade, uma resolução que defendia o fim dos anúncios da prostituição na imprensa.Em Portugal, faz-se caminho para a abertura à consideração da prostituição como profissão. Sem uma posição claramente assumida pelos sucessivos Governos, são apoiados e financiados projectos que utilizam a denominação “trabalhadores do sexo” e cresce a banalização desta expressão. Multiplicam-se as conferências e seminários que apontam a profissionalização como a solução legal, sem cuidar sequer de uma análise fina à legislação já existente. Entendemos, no MDM, que o caminho da profissionalização não vai resolver o problema essencial, que é motivo do recurso à prostituição: a falta de meios para sobreviver ou para viver com dignidade.O que hoje dispomos no quadro jurídico português está demasiado judicializado: as vítimas de tráfico – e apenas as de tráfico internacional dado que o tráfico doméstico não tem tratamento penal autónomo – são identificadas pelo Guia Único de Recursos que, não obstante poder ser utilizado por associações, obriga à remissão às autoridades policiais, o que afasta, à partida, as potenciais vítimas de tráfico com medo de repatriamento. Os 60 dias de reflexão revelam-se insuficientes para o encontro de alternativas reais para as pessoas traficadas e o sistema público de Segurança Social, de Saúde e de Justiça está longe de garantir o acesso universal e o apoio necessário às vítimas de tráfico e às mulheres prostituídas. Soluções jurídicas e de protecção social são urgentes numa perspectiva de acção integrada direccionada à dignidade das mulheres e de todas as vítimas de tráfico, envolvendo a adequada protecção social, apoio médico e medicamentoso, protecção judiciária, nomeadamente com a concessão imediata de apoio jurídico, e condições reais de emancipação.Tudo isto a par de uma protecção que, ao invés de revitimizar pessoas traficadas lhes conceda um efectivo estatuto de vítima, permitindo a sua permanência em Portugal até que esteja assegurada a sua segurança e liberdade e um novo quadro jurídico-penal que proteja as mulheres, crianças e homens que, não sendo vítimas de tráfico, sejam explorados na prostituição, penalizando severamente quem, desta forma, mercantiliza o corpo humano e com ele cria o seu lucro e o seu rendimento.São notáveis e clarificadores os resultados de um estudo de Julho de 2011 denominado Comparing Sex Buyers and Non-Sex Buyers, que nos dá, em discurso directo, o pensamento dos clientes, na sua maioria homens: «És o patrão, o patrão total», «Até nós, homens normais queremos dizer alguma coisa e fazê-lo sem que nos façam perguntas. (…) Obediência inquestionável. Quero dizer que é poderoso. O poder é como uma droga.»ou mesmo «Podes encontrar uma prostituta para qualquer tipo de necessidade – espancamento, asfixia, sexo agressivo para além daquilo que a tua namorada faria». (para dar tempo ao diapositivo)É este o nosso grande desafio. Pensar esta realidade. Agir sobre ela. E essencialmente criar um quadro legislativo e social que proteja quem tem que ser protegido: não os proxenetas, não os traficantes, não a moral pública e os bons costumes, mas toda e qualquer pessoa que, por necessidade, seja explorada na prostituição. E enquanto existir uma mulher, uma criança, um homem nesta situação, o nosso trabalho não estará findo.Porque não podemos admitir viver numa sociedade em que se regulamente a escravatura, a exploração. E enquanto uma só pessoa seja explorada e se vê obrigada a vender o seu corpo, o seu afecto, não podemos, porque somos humanistas, considerar que essa pessoa escolheu esta profissão. Como se dizia na Associação O Ninho, em França, «o que choca não é o sexo. É o dinheiro.». É o aceitar sob capas de modernidade que é digno, que é uma escolha, vendermo-nos. Comprarmos alguém. Que chegámos aos idos de outros tempos, onde cada um de nós tem um valor de mercado.Para o MDM, a vida, a dignidade não tem preço.

fonte

Sobre o MDLP

por A-24, em 13.08.13
Na noite de 4 de Outubro de 1975 Alpoim Calvão aproveitou as 11 horas que passou escondido no telhado do Seminário de São Tiago, em Braga, para... dormir. Pelo menos é o que conta o principal comandante operacional do movimento inspirado por Spínola no livro De Conakry ao MDLP (Ed. Intervenção), ao descrever o cerco feito por forças do Regimento d e Infantaria de Braga, que conseguiram capturar o major Mira Godinho e o major-tenente Benjamim de Abreu, mas não descobriram o vulto mais procurado das redes bombistas de direita.
Nos barrotes do sótão, o militar medalhado cujo nome terá sido apontado para chefiar a PIDE/DGS antes do 25 de Abril haveria de se voltar a encontrar com outro dos convivas no denunciado almoço em que o anfitrião era o cónego Melo - Paradela de Abreu, o fundador do movimento Maria da Fonte (espécie de compagnon de route do MDLP), anotou este outro conspirador em Do 25 de Abril ao 25 de Novembro (Ed. Intervenção).
elp. Mas tanto o MDLP (Movimento Democrático de Libertação de Portugal), liderado do exílio brasileiro por Spínola, como o Maria da Fonte são posteriores à organização pioneira na oposição de direita ao processo revolucionário em curso. O ELP (Exército de Libertação Português), comandado pelo subdirector da PIDE/DGS Barbieri Cardoso, treinava-se em quintas espanholas com a cumplicidade do regime de Franco e "situava-se na direita salazarista", segundo Robert Moss, citado por Kenneth Maxwell (A Construção da Democracia em Portugal, Ed. Presença).
Em Dezembro de 1975, em artigo na Harper's Magazine ("A Ticket to Lisbon The Civil War"), Moss "relatava 'muitas horas' passadas em Espanha e no Norte de Portugal, com os dirigentes de um exército secreto que se preparava para uma eventual guerra civil em Portugal" (ob. cit.). Os panfletos do ELP exortavam "cada português" a ser um "combatente" contra os "assassinos comunistas", ensinando até a fazer cocktails Molotov.
A organização foi denunciada por Eurico Corvacho, comandante da Região Militar Norte, a 23 de Março de 1975, numa conferência de Imprensa difundida em directo pela RTP. "Graças à vigilância popular, foi possível detectar a existência e os propósitos de tão nefasta organização e prender já alguns dos seus agentes", declarou Corvacho, conforme registou Diniz de Almeida em Ascensão, Apogeu e Queda do MFA (Ed. Sociais), acrescentando que o fio da meada foi apanhado por acaso a 31 de Janeiro.
"O Exército de Libertação português (ELP) agradece a todos aqueles que, no CDS, PPD, PDC, igrejas, paróquias, bancos, etc., ou em iniciativas de carácter privado, têm apoiado a nossa justa luta, criando um clima propício para a nossa entrada em acção com o fim de limpar o País de todos os cães comunistas e traidores, que nos tentam impedir de sermos o que sempre fomos e de dispormos de nós como muito bem entendemos."
O panfleto, de Agosto de 1975 - "por motivos de segurança foi tirado um número muito reduzido deste comunicado" -, tinha ainda um "obrigado" a Soares, "por nos teres facilitado as coisas desta maneira". E acrescentava "És um tipo porreiro! Fica prometido que terás bandeira a meia-haste quando morreres... com um tiro na nuca!"
MDlp. O movimento que Spínola não quis que se chamasse Frente de Salvação Nacional, formado a 5 de Maio e oficialmente dissolvido a 31 de Março do ano seguinte, além da cumplicidade além-fronteiras e células nas comunidades emigrantes nos Estados Unidos e na Venezuela, relacionou-se com a FNLA, participando na guerra da independência de Angola e recebendo armas de Holden Roberto. Kenneth Maxwell escreve que "o MDLP afirmava ter uma força de combate de 1000 homens a postos, em Espanha, cuja presença era consentida pelas autoridades" franquistas. "Moss lamentava que isto parecesse 'ser quase completamente ignorado pela agência [CIA] e pelos serviços congéneres da Europa Ocidental'."
Difundiram folhetos a pugnar pela "organização das freguesias em autodefesa", coordenadas pelas Brigadas Anti-Totalitárias (BAT) "Quando ouvires os sinos da tua freguesia tocar a rebate, vem para a rua com as armas que tiveres: caçadeiras, pistolas, picaretas, enxadas ou gadanhas". Noutro papel, explicavam que "é urgente prepararmo-nos para desencadearmos por todo o Portugal uma cruzada branca contra a opressão vermelha, contra o comunismo estrangeiro, usurpador, opressor e ateu".
Alpoim Calvão assume as bombas do MDLP até ao 25 de Novembro. "Antes disso, podem dizer que fui eu que as mandou pôr, a todas, que eu não desminto. Depois disso, nem uma", garantia, a 13 de Fevereiro de 1994, numa entrevista ao Público, que integra o arquivo do Centro de Documentação 25 de Abril da Universidade de Coimbra.
maria da fonte. A maior curiosidade do movimento criado por Paradela de Abreu (o editor de Portugal e o Futuro, de Spínola) foi o facto de o seu mentor rapidamente ter descoberto, conforme explica no seu livro, que só havia uma estrutura capaz de fazer frente à implantação dos comunistas a Igreja Católica. E terá sido ele a contactar o arcebispo de Braga, que indicou o cónego Melo como mediador.
"Cada diocese tem muitas paróquias, logo muitas igrejas, logo muitos sinos. Milhares de sinos ao norte do rio Douro. Centenas de milhares de católicos. Ao pensar nesta 'estrutura' em termos de eventual guerra interna, constatei que o País já estava 'quadriculado' militarmente. Cada paróquia seria uma 'base'. Cada igreja de granito ancestral, um 'reduto'. Cada sino um 'rádio transmissor'. Cada quinta perdida nas serras, um 'apoio logístico'" (ob. cit.).
desencontros. Durante algum tempo, todas os atentados e sabotagens foram atribuídos a uma única rede. E, no entanto, havia divergências profundas. Alpoim Calvão escreveu no seu livro que "o ELP propunha-se finalidades e formas de actuação com que nãoconcordávamos. Só nos unia o anticomunismo, factor importante, mas não suficiente". Na entrevista ao Público desabafava que "havia um pirata chamado Paradela de Abreu, mas que era um pirata útil. E a ligação do seu movimento - Maria da Fonte - connosco era feita pelo eng. Jorge Jardim, por quem eu tinha consideração e admiração".
Paradela também não poupa os outros nas memórias sobre esses anos. "Fomos ao bar do Hotel Melià [em Madrid], onde cabiam à volta de uma mesa todos os activistas do ELP"; "Spínola preferia conspirar em Copacabana, Espanha e Suíça"; Alpoim "esteve em Portugal três ou quatro vezes durante a luta popular no Norte", pois "muito mais tranquilo era o escritório na Calle Lagasca, em Madrid, ou a bonita casa de Segóvia".
João Paulo Guerra (Polícias & Ladrões, Ed. Caminho) enumerava "um estranho amálgama de discursos em defesa da 'ordem', da propriedade privada, da pátria e da família, com o submundo da droga, do contrabando e do crime, com o bas-fond das cidades e das pequenas vilas, com mercenários desempregados de guerra, com revanchistas colonialistas, com ex-pides, com filhos-família e com chulos".
E Eduardo Dâmaso, em A Invasão Spinolista (Ed. Fenda), ironizaria que "a preparação da 'subversão interna' e a forma como arranjaram armas para a 'guerra' são ingredientes do mais puro romance de John le Carré, ainda que 'à portuguesa'". Mas só deu para umas sequências do filme de Fonseca e Costa Kilas, o Mau da Fita...

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