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A-24

In memoriam - Sousa Veloso

por A-24, em 27.11.14
Pedro Quartin Graça

Engenheiro agrónomo, nascido em 1926, ficou conhecido de todos os portugueses ao apresentar o programa TV Rural, durante três décadas, na RTP, entre 6 de dezembro de 1960 e 15 de setembro de 1990. O seu estilo, o seu timbre de voz e a sua figura televisiva especial transformaram um programa dedicado a agricultores num fenómeno da televisão nacional. Marcou a infância de muitos de nós. Deixou-nos hoje. Com a amizade com que sempre se despedia.Portugal está mais pobre.

Duquesa de Alba (1926-2014), a última aristocrata de Espanha

por A-24, em 21.11.14

Já nem os reis dão aos filhos nomes assim, tão compridos e tão cheios de referências históricas — María del Rosario Cayetana Alfonsa Victoria Eugenia Francisca. Mas a duquesa era personagem de outra era, mesmo tendo passado a vida a querer ser moderna. O povo gostava dela por isso, pela ilusão de que vivia em dois lados. Cayetana, a duquesa de Alba que morreu na madrugada de quinta-feira, era tradicional por dentro e cool por fora, conservadora nos valores e contemporânea nas atitudes.



Nos obituários, a imprensa chamou-lhe "mítica" — nesta Espanha de monarquia manchada (até por escândalos de corrupção) e que tenta reencontrar um sentido para a sua existência, Cayetana, a duquesa feudal que chegou ao século XXI, sobressaía ainda mais. Era a última de uma estirpe irrepetível, era uma das últimas representantes da grande aristocracia espanhola.
Imagen de Cayetana de Alba en su juventud publicada en el libro 'Yo Cayetana'
Por ser mulher, não se envolveu na política, como o pai e o primeiro marido, Luis Martínez de Irujo y Artázcoz. Para a duquesa, herdeira única de uma das mais importantes casas nobres, de um património riquíssimo — diz o povo que não é possível atravessar Espanha de cima a baixo ou de lado a lado sem que não se pise terras de Alba — e de uma fortuna colossal, restava, como a todas as mulheres do seu tempo e condição, a vida social. Foi nesta área que Cayetana se distinguiu das outras mulheres e foi ganhando, década após década, outro género de títulos. "Duquesa rebelde", por exemplo. As suas causas e modo de vida foram-lhe granjeando a simpatia popular e outro título: “aristocrata de rua”, por parecer estar tão próxima do povo como da classe em que nasceu.

Boda de la duquesa de Alba, Cayetana Fitz-James Stuart, con Luis Martínez de Irujo en octubre de 1947

Foi esta separação — entre alguém importante e alguém popular — que o ministro da Justiça, Rafael Catalá, quis fazer quando lhe chamou “personagem importante” de Espanha. E que o presidente do Governo, Mariano Rajoy, acentuou nas condolências que enviou à família, ao dizer que Cayetana e “a sua Casa” “são imprescindíveis para compreender a História de Espanha e da Europa”.
1970's
Tras enviudar de su primer esposo Luis Martínez de Irujo en 1972, la duquesa se volvió a casar en 1978 con Jesús Aguirre. La fotografía corresponde a la rueda de prensa en la que ambos confirmaron su boda

Cayetana de Alba nasceu no dia 28 de Março de 1926 no Palácio de Liria, em Madrid. Apesar de o pai ser 22 anos mais velho do que a mãe, esta morreu primeiro, tuberculosa, quando a rapariga tinha apenas oito anos. O pai, contou a duquesa no livro autobiográfico Eu, Cayetana (Alethëia Editores), educou-a “com a mesma severidade com que educaria um rapaz”.



Cayetana fotografiada en su casa de Madrid el 23 de enero de 1961.

Jacqueline Kennedy visita la Feria de Abril de Sevilla en 1966 acompañada de la duquesa de Alba.
Tras enviudar de su primer esposo Luis Martínez de Irujo en 1972, la duquesa se volvió a casar en 1978 con Jesús Aguirre. La fotografía corresponde a la rueda de prensa en la que ambos confirmaron su boda
A educação e o estatuto, revela no livro, deram-lhe a melhor de todas as armas. “Desde pequena que sempre tive uma grande autoconfiança. (...) Não posso dizer se fui bonita — não sou eu que tenho de o afirmar —, mas sei que sou atraente, interessante, diferente. Posso parecer excessiva, mas a falta de modéstia aborrece-me.”
La duquesa de Alba junto a su hija, Eugenia, en los jardines del Palacio de Dueñas, en Sevilla, en 1973.
Cayetana casou-se três vezes. O pai, Jacobo Fitz-James Stuart y Falcó, o 17.º duque, escolheu Luis Martínez de Irujo y Artázcoz, aristocrata, industrial e conselheiro de Estado, para marido da filha e, aos 21 anos, a rapariga que tinha vivido em Inglaterra e convivido com uma aristocracia mais moderna e mundana do que a espanhola, fez-lhe a vontade, pondo de lado a paixão arrebatada e nunca escondida por sentia por um toureiro sevilhano, Pepe Luis Vázquez. Touros e Sevilha foram paixões constantes da duquesa, que rejubilou quando a única rapariga entre os seus seis filhos, Eugenia, se perdeu de amores por um toureiro, Francisco Rivera, e com ele se casou. O casal divorciou-se, um dos desgostos de vida de Cayetana, que gostava de dizer que era uma mulher à frente do seu tempo, mas se insurgia ferozmente contra o divórcio — e contra o aborto. “Sempre fui católica, mas sem ser beata. Não há incompatibilidade nenhuma entre ser boa católica e ser moderna. Desde pequena que andei sempre à frente do meu tempo, e continuo a andar.”
La duquesa de Alba espera para saludar a Plácido Domingo y Patricia Wise tras la representaciónd de Lucía de Lammermour en Madrid en 1981
Boda de Eugenia Martínez de Irujo, hija de Cayetana de Alba, con Francisco Rivera Ordóñez en el Palacio de Dueñas en Sevilla en octubre de 1998. En la imagen, de izda a dcha, Jesús Aguirre, Cayetano Martínez de Irujo, Cayetana de Alba, Eugenia Martínez de Irujo, Francisco Rivera Ordóñez y Carmina Ordóñez
A boda de Cayetena foi a boda do ano, em Outubro de 1942, na catedral de Sevilha. A reportagem do “casamento mais caro do mundo” — 20 milhões de pesetas, uma imensa fortuna para a época — saiu no Le Monde e no New York Times. O órgão oficial do franquismo escreveu sobre a festa, partilhada na rua com os sevilhanos: “O povo espanhol gosta de ter, de vez em quando, matéria-prima para os seus sonhos. Este casamento deu à gente pobre muitas horas de felicidade.”
Los duques de Alba, Cayetana y Jesús Aguirre, posan acompañados por Cayetano Martínez de Irujo en su casa de San Sebastián en julio de 1986
Luis Martínez de Irujo morreu de leucemia 25 anos depois de se casar. Nos anos que se seguiram, relatam as crónicas de vida de Cayetana, agora republicadas, a duquesa centrou-se na educação dos filhos. Mas um dia encontrou o verdadeiro amor, perturbando a ordem do grupo social em que se movia e alimentando a já poderosa imprensa cor-de-rosa espanhola.
A duquesa apaixonara-se, e era correspondida, por um ex-padre jesuíta, Jesus Aguirre, a quem Cayetana chamou, vezes sem conta, “alma gémea”. A duquesa deu um pontapé nas convenções e casou-se com o ex-padre que viria a morrer em 2001.
“Não me meto na vida de ninguém, não se metam na minha”, disse Cayetana muitos anos depois, quando, para preocupação dos reis — Juan Carlos e Sofia — e inquietação dos filhos, a duquesa se apaixonou por Alfonso Díez, funcionário público duas décadas mais jovem. As crónicas dizem que a duquesa falou com os reis sobre o seu desejo de se casar e que Sofia, a rainha, lhe deu um conselho: “Pense bem.”
Boda de la duquesa de Alba, Cayetana Fitz-James Stuart, con Jesús Aguirre, en el Palacio de Liria de Madrid, el 16 de marzo de 1978
O encontro com Sofia foi mero protocolo, a decisão estava tomada. Cayetana decidira casar-se e pagar o preço. Ela aceitou repartir o património e os títulos pelos filhos. Alfonso aceitou — segundo a imprensa espanhola — uma renda de dois mil euros mensais até ao fim da vida como única compensação financeira. “Na minha idade, ninguém se casa por dinheiro”, disse o noivo numa entrevista recente, a última que Cayetana concedeu para dizer que estava feliz. “Estou convencida de que sem amor não se pode viver. Pode-se, mas muito mal”, escreveu Cayetana no último livro que escreveu, O Que a Vida Me Ensinou, uma colectânea de pensamentos sobre amor, amizade, família, estilo e moda, o Natal e outros assuntos diversos (ed. Pergaminho).
La duquesa de Alba se arranca por sevillanas durante su visita a la cárcel de mujeres de Alcalá de Guadaira, Sevilla, en mayo de 2002
Numa família como os Alba, o futuro do património não é assunto que se resolva numa tarde e Cayetana negociou com os filhos um par de anos, antes de se poder casar, para seu próprio júbilo e do povo que, como em 1942, a foi ver vestida de noiva e para quem, à porta do palácio de Dueñas, Cayetana dançou sevilhanas.
A história dos Alba é muito antiga. Herdeira de um ramo ilegítimo dos Stuart escoceses, a família tem origens na nobreza castelhana do século XIV. Começam a ganhar notoriedade e poder na corte e, em 1429, os Álvarez de Toledo recebem de Enrique II de Castela o senhorio de Alba de Tormes. Ao longo de séculos, os Alba acumulam 45 títulos nobiliárquicos (cinco ducados, um condado-ducado, 20 condados, um vice-condado e 18 marquesados); Cayetana era a titular de todos, a pessoa com mais títulos do mundo.

A história dos Alba está ligada a Portugal através de Fernando Álvarez de Toledo y Pimentel, conhecido como o grã-duque, que venceu as tropas portuguesas na Batalha de Alcantara e deu a coroa portuguesa a Filipe de Espanha. O duque, recompensado com mais um título (12.º condestável de Portugal), morreria em Lisboa em Dezembro de 1582.
La duquesa de Alba pide la oreja para el novillero Cayetano Rivera Ordóñez durante la corrida mixta celebrada en La Maestranza de Sevilla el 1 de mayo de 2006
À fortuna, terras, palácios e herdades, os Alba — sobretudo a partir do grã-duque — juntaram um património artístico incomparável. “Acompanhei sempre o meu pai nas muitas decisões sobre a ampliação das obras de arte do património dos Alba, uma tradição imposta na Casa desde a sua fundação”, explicou a duquesa, que foi amiga de artistas na sua fase boémia e que Picasso quis retratar, numa reinterpretação da Maja. O primeiro marido, Luis, não gostou e a duquesa recuou no desejo de replicar a vida de María del Pilar Cayetana de Silva-Alvarez de Toledo, sua tetravó e modelo de Francisco Goya em A Maja vestida e A Maja despida. Nas paredes dos palácios dos Alba acumulam-se, literalmente, obras de Goya, Tiziano, El Greco, José de Ribera, Chagall.
Cayetana de Alba en primer plano, durante el acto de inauguración de los Jardines de Cristina en Sevilla en mayo de 2011 tras las obras de rehabilitación. Al fondo, de izda a dcha, sus hijos Cayetano, Carlos, María Eugenia, Alfonso y Fernando.
Rodeada de alguns deles, na sua casa favorita de Sevilha, o Palácio de Dueñas, morreu Cayetana, na madrugada de quinta-feira. As últimas semanas de vida passou-as, doente, em casa com o marido a ver filmes antigos; gostava especialmente de E Tudo o Vento Levou. Já no hospital, quando a gastroenterite deu lugar à insuficiência respiratória e à arritmia cardíaca, pediu para voltar para casa. Fizeram-lhe, pela última vez, a vontade. Cayetana de Alba morreu como viveu — como quis, aos 88 anos.
Cayetana, duquesa de Alba, lanza un beso al aire, durante su boda con su tercer marido, Alfonso Díez, el 5 de octubre de 2011.
Texto: Público

Fotos: El país

Noutro tempo

por A-24, em 18.11.14
Isabel Mouzinho


Dos primeiros anos da minha vida guardo memórias difusas de uma Lisboa que já não existe, com lojas que se chamavam Val do Rio e tardes enormes em que o tempo de brincar parecia a eternidade.
De vez em quando, relembro de súbito cheiros, sabores, frases, pedaços de conversas e figuras que marcaram esses dias, agora tão distantes.
Pode ser o cheiro da cera nas enormes tábuas de madeira do chão da nossa casa, o aroma inconfundível do creme Nívea sempre associado ao sol e à praia, ou da pasta da escola onde se misturavam restos de aparas de lápis e o saco da merenda com migalhas de pão barrado de Tulicreme.
Nessa época éramos todos sócios do Centro Diese Juvenil e guardávamos religiosamente uma fotografia autografada do António Feio, que era o sócio número um. Jogávamos ao prego na praia, em grupos grandes de primos e de amigos, que se juntavam debaixo do mesmo toldo, tardes a fio, nos dias de férias que pareciam não ter fim.
Tudo era ao mesmo tempo simples e misterioso, e acreditávamos sem pensar muito nisso que a vida era mais ou menos como o universo de fantasia e realidade misturadas que líamos nos livros dos Cinco e dos Sete, ou noutros romances de aventuras.
Relembro tudo isto no dia em que desapareceu Anthímio de Azevedo, também ele uma figura incontornável dessa altura, que nos entrava casa dentro todas as noites e com quem aprendemos que o Anticlone dos Açores é que era o responsável pelas variações de sol ou chuva e nos habituámos a dizer "acentuado arrefecimento nocturno", antes de perceber o que as palavras significavam realmente.
Entre esse tempo antigo e o de agora quantas alegrias, tristezas, ansiedades e emoções, risos, lágrimas, abraços e inquietudes marcaram as nossas vidas?
À boa maneira proustiana, basta um pequeno nada para nos transportar involuntariamente para um passado longínquo, feito de vida despreocupada e imaginação à solta, entretanto perdido no mais fundo de nós.
E é uma nostalgia boa que toma conta de nós assim de repente, sem dramas, nem mágoa, nem saudade, deixando apenas existir o lado mais enternecedor da lembrança.

Ex-piloto de Fórmula 1 Andrea de Cesaris morre em acidente de moto

por A-24, em 08.10.14
O italiano Andrea de Cesaris, antigo piloto de Fórmula 1 nas décadas de 1980 e 1990, morreu domingo, aos 55 anos, em acidente de moto, em Roma.
O italiano Andrea de Cesaris, antigo piloto de Fórmula 1, nas décadas de 80 e 90 do século passado, morreu domingo, aos 55 anos, em acidente de moto, em Roma.
O antigo piloto da Alfa Romeo, McLaren e Jordan perdeu o controlo da moto enquanto circulava em via lenta, numa circular da capital transalpina, e faleceu na sequência do impacto.
De Cesaris competiu entre 1980 e 1994, num total de 208 provas, que o levaram ao recorde da carreira mais longa sem qualquer vitória no Mundial de Fórmula 1, no qual competiu por 10 equipas.
Ainda assim, em 1982, nos Estados Unidos, tornou-se, aos 22 anos, no mais jovem piloto a sair na frente da grelha de partida.
O seu melhor resultado foram dois segundos lugares, em 1983, na Alemanha e na África do Sul, pela Alfa Romeu.

A morte de Andrea de Cesaris registou-se no dia em que a Fórmula 1 assistiu ao grave acidente do francês Jules Bianchi, no Grande Prémio do Japão, estando o francês em estado crítico. Observador

Ainda sobre Alpoim Calvão

por A-24, em 03.10.14
É difícil para os que vieram após a Guerra e o Império compreender o ethos, a vida e o sentido da vida de homens como Alpoim Calvão. São, somos, de “outro país”, o que não significa não gostar deste.

Jaime Nogueira Pinto

Conheci Guilherme Alpoim Calvão no início dos anos 70, quando ele, no rescaldo do raid sobre Conacri, a chamada operação Mar Verde, estava numa semiclandestinidade burocrática no Porto de Lisboa, na Polícia Marítima, ou coisa que o valha.
Quem mo apresentou foi o meu sogro, Luís d’Avillez. Almoçámos numa tasquinha do Parque Mayer, e Calvão desfiou-me a história da expedição a Conacri, da preparação, das confusões, traições e imprevistos dessa madrugada de Novembro de 1970; mas também do sucesso – dos militares portugueses ali presos, que conseguira libertar.
Era uma história em que viviam a imaginação e o atrevimento operacionais e outras coisas importantes e apaixonantes para um miúdo como eu, aficionado de romantismos imperiais e de aventuras de “cães de guerra” que aqui se combinavam com the fog of the war e as suas voltas e azares.
Nascido em Chaves em Janeiro de 1937 e logo a seguir levado para Moçambique, Calvão fizera o Curso da Escola Naval e frequentara especialidades de Mergulho e Combate na Grã-Bretanha. Oficial Fuzileiro, fizera várias comissões de serviço na Guiné, nas quais se distinguira como combatente e comandante e que lhe valeriam as mais altas condecorações nacionais, entre elas a Torre e Espada.
Alpoim Calvão era, como Jaime Neves e Heitor Almendra, um militar – homem de guerra, com uma mistura rara de inteligência operacional, coragem física, iniciativa e sobretudo um carisma único de levar os homens – os seus homens, o seu pessoal – para onde quisesse, até às portas e labirintos do Inferno, se preciso fosse.
Depois da revolução do 25 de Abril tentou, na medida do possível – medida que hoje sabemos que era curta – salvar o que podia ser salvo do Império e do país. Calvão conhecia a maioria dos revolucionários do MFA, as suas folhas de serviços e capacidades e por isso tinha-os na devida (não muito elevada) consideração. Mas não desistiu.
Foi por isso que conspirou e participou no 11 de Março, afinal uma maquinação e provocação esquerdista, para antecipar e sabotar a reacção conservadora nas Forças Armadas. Depois do fracasso anunciado, escapou para Espanha.
Voltei a encontra-lo aí, ele no MDLP, eu mais ligado a outro dos movimentos clandestinos anticomunistas que então se organizavam.
Esses movimentos tiveram um papel importante na articulação da resistência popular que, respondendo à violência com a violência, equilibrou o balanço de forças em Portugal e permitiu o 25 de Novembro e o Thermidor que se lhe seguiu.
Alpoim Calvão serviu-me de inspiração para uma das personagens de Novembro, em que, ficcionando e imaginando, procurei contar uma parte e uma percepção – a do outro lado, do “nosso” – desse tempo de exílios, lutas e melancólicos balanços da História.
Regressado a Portugal, Calvão reintegrou-se na vida civil e normal do país pós-imperial. Como era um homem de acção e com grande força de viver, não se remeteu, como muitos outros, a uma nostálgica e passiva contemplação mórbida de passados gloriosos, amaldiçoando sistematicamente o presente.
É difícil para as gerações que vieram depois da Guerra e do Império compreender o ethos, a vida e o sentido da vida de homens como Alpoim Calvão. São, somos, de “outro país”, o que não quer dizer que não entendamos e que até possamos gostar deste.
Calvão não era um “prisioneiro do passado”. Aí há 10 anos, em 2004, decidiu arrancar para a Guiné-Bissau com uma empresa destinada a empregar os seus antigos fuzileiros ou os seus descendentes. Fê-lo com outro combatente de África, o Francisco Van Uden, naquele espírito – também ás vezes incompreensível para estranhos – de que os que gostávamos de África, não éramos necessariamente colonialistas opressores: gostávamos daquelas pessoas e daquelas terras. E continuámos ou voltámos a gostar quando de “nossas” passaram a ser “deles”.

Voltando a esta história.

Quando soube dessa decisão, telefonei-lhe e convidei-o para almoçar no Alecrim às Flores. E não resisti a dizer-lhe:

“Comandante, eu tenho muito respeito e admiração por si; mas mesmo assim, conhecendo-o há muitos anos, sabendo quem o Senhor é e o que vale, acho extraordinário que na sua idade e com os seus problemas de saúde (ele tinha uma insuficiência renal), volte agora para a Guiné, para Bolama!”.

A resposta veio pronta:

“Sabe, Jaime, quando ando por aí e vejo alguns dos meus amigos e camaradas Almirantes na reforma e lhes pergunto o que estão a fazer, eles respondem-me: “Olha, estou a fazer horas para ir buscar a minha mulher ao Cabeleireiro”, ou “para trazer os netos da Ginástica”… E eu digo cá para mim: ninguém me apanha nessa!”.

Não apanharam.

O que fazer com o edifício onde Hitler nasceu?

por A-24, em 04.09.14
A antiga estalagem de Braunau-Am-Inn ficou devoluta há três anos. As autoridades locais pagam uma renda de quatro mil euros para impedir que o edifício entre na posse de organizações ou indivíduos de extrema-direita.

O edifício da antiga estalagem oitocentista onde Adolf Hitler nasceu em Braunau-Am-Inn, junto à fronteira da Áustria com o estado alemão da Baviera, poderá vir a ser transformado num museu dedicado às vítimas do Holocausto, de forma a destituí-lo do actual apelo a neonazis, que o visitam em homenagem ao líder do III Reich.
A antiga estalagem onde Hitler nasceu em 1889 
Devoluto há três anos, desde o encerramento do pub Gasthaus zur Pommer, o edifício foi nessa altura alugado pelas autoridades públicas locais que, desde então, pagam aos proprietários uma renda mensal de quatro mil euros de forma a impedir que o espaço possa vir a ficar nas mãos de organizações ou particulares de extrema-direita. São essas mesmas autoridades que, agora, têm em discussão o destino a dar à propriedade, com o anúncio de uma decisão final previsto para as próximas semanas.
Segundo o diário israelita Haaretz, a ministra do Interior austríaca, Johanna Mikl-Leitner, decidiu apoiar a ideia do historiador Andreas Maislinger de criar uma “casa de responsabilidade”, no entanto, esta não é a única ideia na mesa. Há, por exemplo, quem proponha a criação de um centro de acolhimento aos imigrantes que Hitler desprezava, mas também quem prefira a rasura absoluta da história, defendendo a transformação do espaço num condomínio de apartamentos de luxo – exactamente como foi feito em Lisboa com a antiga sede da PIDE/DGS na rua António Maria Cardoso, no Chiado. 
“O desejo de não querer ter nada a ver com Hitler é completamente compreensível. Mas não funcionaria”, disse Andreas Maislinger ao diário britânico The Times. Para o historiador, é impensável que se possa permitir a hipótese de, um dia, um casal de extrema-direita viver ali com um filho a que decidam chamar Adolf. “O que aconteceria?”
Juntando-se a Johanna Mikl-Leitner, Branko Lustig, o produtor de Hollywood de origem judaica por detrás de filmes como A Lista de Schindler, já prometeu apoio financeiro ao projecto. "Isto torna cada vez mais difícil aos opositores levantar objecções à ideia do museu”, escrevei a revista alemã Bild, citada pelo Haaretz. “A casa só perderá o seu apelo para esse tipo de pessoas [neonazis] quando se erger como claro símbolo contra o nazismo”, disse Maislinger citado tanto pelo Times como pelo Haaretz.
Também a presidência da câmara local, inicialmente contra este projecto, por considerar que continuaria a estigmatizar a cidade, começa a aproximar-se da ideia. “É um tema difícil. Mas o princípio por detrás de uma ‘casa de responsabilidade’ não é mau”, cita o Times.
Hitler viveu na estalagem de Braunau-Am-Inn apenas algumas semanas após o nascimento a 20 de Abril de 1889. No entanto, 125 anos depois a cidade continua a viver à sombra desse evento. Há anos, por exemplo, que as autoridades locais vêm proibindo casamentos no dia do aniversário do Führer – desde que um neonazi local tornou públicos os seus planos de se casar nesse dia.

Adeus, Ramones

por A-24, em 14.07.14
Miguel Esteves Cardoso


Morreram todos os Ramones. Já não há nenhum Ramone vivo. Eu gostava muito dos Ramones. Eles eram, sendo (ou apesar de serem?), americanos, ainda mais punks do que os gloriosos, primeiros, Sex Pistols.
Ambos eram rock n'roll. Mas os Ramones, sendo americanos, eram punks por preferência, sem ódio, enquanto os Pistols eram gloriosamente antagonísticos. Num artigo publicado em O Jornal em 27 de Novembro de 1981, fiz questão de lembrar que o primeiro álbum dos Ramones era anterior aos Sex Pistols. E eu estava lá, em 1976, em Londres, onde a minha mãe e a minha irmã viviam a dez passos da King's Road, em Chelsea, onde tudo começou.
Escrevi, com razão, que "o primeiro LP deles, surgido em 1976, quando o punk britânico não era mais do que um brilho ténue nos olhinhos verdes de Malcolm McLaren, foi uma revelação de inocência, de energia – do que os americanos chamam o 'trash aesthetic' (a estética do desperdício, do lixo)".
Concluía, vergonhosamente esperto, que "neste ano de 1981 nada têm a acrescentar". Mantenho essa opinião sobre o álbum Plesant Dreams, que saiu nesse ano.
Em 1981 já estavam acabados. Mas, enquanto começaram, eram uma excitação nunca antes ou depois ultrapassada: "One, two, three, four... hey ho, let's go..."
Agora estão todos mortos. Como é possível? Como é que as vidas se tornaram tão curtas como as canções?
Eram tão vivos os Ramones. A música deles continua a ser a vida feita música. Eles morreram. E nós? Continuamos vivos – e fãs.

Adeus Eduard Chevardnadze, o perfeito idealista do fim da Guerra Fria

por A-24, em 08.07.14
Morreu nesta segunda-feira em Tbilissi Eduard Chevardnadze, o último ministro dos Negócios Estrangeiros da URSS e ex-Presidente da Geórgia. Tinha 86 anos, repartidos por três vidas. A primeira foi a do apparatchiksoviético. Aderiu aos 20 anos ao Partido Comunista da Geórgia e tornou-se seu secretário-geral aos 44. A derradeira vida, após a dissolução da URSS, é a de um inglório Presidente da Geórgia.

A vida que ficará na História é a do meio: a do ministro do Negócios Estrangeiros de Gorbatchov que teve um papel determinante na liquidação da Guerra Fria.
Sobre esta fase escreveu o sovietólogo canadiano Jacques Lévesque: “Raramente na História se terá visto um grande Estado ser guiado por uma visão tão idealista, centrada na reconciliação universal e em que a imagem do inimigo se diluía constantemente, até desaparecer.” Soube ganhar a confiança dos seus homólogos ocidentais, como o alemão Hans-Dietrich Genscher ou o americano James Baker.

Os três Eduardos
Como chefe comunista da Geórgia, entre 1972 e 1985, Chevardnadze ilustrou-se pelo combate à corrupção, o que o tornou apreciado em Moscovo, sobretudo pelo chefe do KGB, Iuri Andropov, que tinha a noção da decadência da URSS. Em 1978, é cooptado como membro suplente (sem voto) do Politburo, a cúpula do partido onde se tomam as decisões. Um seu inimigo, o conservador Iegor Ligachov, dirá que ele sempre soube estar nas boas graças dos secretários-gerais. Era a lei da sobrevivência.
Governou a Geórgia com “mão de ferro” mas foi liberal para os artistas: o cineasta Tenguiz Abduladze pôde lá rodar Arrependimento, um filme antitotalitário, imediatamente proibido por Moscovo — a sua exibição será um dos primeiros actos simbólicos da glasnost.
A ascensão ao poder de Gorbatchov, em 1985, muda a sua vida. Sem experiência internacional, é nomeado ministro dos Negócios Estrangeiros, sucedendo a Andrei Gromiko, o “realista” da Guerra Fria. Ao lado de Gorbatchov, inaugura uma era de cooperação com os países capitalistas e prepara as conferências entre Gorbatchov e Reagan, que culminam numa histórico acordo de redução dos armamentos. Abre a porta à emancipação dos “países irmãos”, num processo que culminará na queda do Muro de Berlim e na reunificação alemã.
Demite-se em Dezembro de 1990, denunciando o risco de “regresso da ditadura”. Durante o putsch neocomunista de Agosto de 1991 estará ao lado de Ieltsin e, a seguir, aceita o pedido de Gorbatchov para voltar aos Estrangeiros. A URSS acaba oficialmente no dia 25 de Dezembro de 1991.
Chevardnadze passa a ser cidadão da Geórgia independente, país em guerra desde 1989 e onde não há margem para idealismo. Em 1992, substitui o paranóico Presidente Gamsakhurdia e salva a paz na Geórgia. Ganha a eleição presidencial em 1995. Sobrevive a atentados das máfias locais. Faz concessões a Moscovo mas entra em conflito com Ieltsin e Putin, sobre a Tchetchénia ou os oleodutos do petróleo do Cáspio. Aproxima-se dos Estados Unidos.
Falha totalmente a luta contra a corrupção, que toca a sua própria família. As contestadas legislativas de Novembro de 2003 vão precipitar a sua queda. Milhares de manifestantes invadem o Parlamento. Era a “revolução das rosas”. Para evitar um banho de sangue, demite-se. Não se exilou: reformou-se e morreu em silêncio. Público

Morreu Alfredo Di Stéfano, um dos melhores futebolistas de sempre

por A-24, em 07.07.14
Alfredo Di Stéfano morreu nesta segunda-feira aos 88 anos no Hospital Gregorio Marañon, em Madrid, vítima de uma paragem cardio-respiratória.
O antigo avançado do Real Madrid, uma das maiores lendas do futebol mundial, já estava internado desde sábado passado, dia em que sofreu uma paragem cardíaca.
O argentino, naturalizado colombiano e espanhol, estreou-se no Real Madrid aos 27 anos e, numa década, ganhou cinco taças europeias.
O presidente honorário do Real Madrid é apontado como um dos principais responsáveis por ter transformado o clube espanhol numa referência europeia.
Nascido na Argentina a 4 de Julho de 1926, Di Stéfano jogou no River Plate e no Huracán, no Millonarios, da Colômbia, e esteve 11 anos ao serviço do Real Madrid, entre 1953 e 1964, antes de terminar a carreira de jogador no Espanyol de Barcelona, em 1966.
Di Stéfano é considerado um dos melhores futebolistas de sempre, ao lado de nomes como Pelé, Eusébio, Puskas, Cruyff e Maradona. 
Alfredo Di Stéfano teve uma curta passagem por Portugal, como treinador do Sporting na época de 1974/75, cargo que ocupou pouco mais de um mês.PÚBLICO

Profissões do antigamente

por A-24, em 08.06.14












































Fonte