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A-24

Logo à noite estarei em El Paso

por A-24, em 01.08.13
Há uma ponte a dividir dois mundos. De um lado, território dos Estados Unidos - estamos em El Paso, cidade aparentemente pacífica, com apenas meia dúzia de homicídios por ano. Do outro, o inferno na terra: Ciudad Juárez, já no México - a povoação mais perigosa do planeta, onde as malhas do crime ditam a lei. Em 2009, cerca de 2600 foram aqui assassinadas.


Há uma ponte. E, nessa ponte, um cadáver. Precisamente a meio da ponte. Há pontes que unem, mas esta separa. E até o cadáver, ao contrário do que se julgava, vem separado.
O assassínio da juíza cometeu-se de que lado da fronteira? Esta é uma das incógnitas que ficam a pairar desde os instantes iniciais, numa atmosfera nocturna (The Bridge, com reminiscências óbvias do film noir, é uma série inseparável da noite, ameaçadora e viscosa). Outra incógnita relaciona-se com a vida dupla do passageiro da ambulância que fura o bloqueio policial: que mistérios se ocultavam sob a sua verdadeira identidade?
É um policial, claro. Mas parece muito mais que isso: basta olharmos pela primeira vez o rosto magoado da detective Sonya Cross (Diane Kruger), que já viu demasiados corpos vitimados pela violência gratuita ao longo do seu percurso profissional. Entender-se-á ela com Marco Ruiz (Demian Bichir), o seu inesperado parceiro mexicano na investigação do crime, um homem de quem aparentemente tudo a separa?
The Bridge conquistou-me à primeira vista: raras séries o conseguem. Tornei-me espectador fiel. Mais logo, na Fox, são transmitidos, em dose dupla, o primeiro (em repetição) e o segundo episódios.
Não quero saber da crise política nem dos comentadores encartados que falham todos os prognósticos, serão após serão: logo à noite estarei em El Paso.

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É uma vergonha

por A-24, em 13.04.13
A América Latina é hoje o centro do catolicismo no mundo, que foi para lá levado por portugueses e espanhóis. Em baixo, comparo o nível de vida dos principais países da América Latina com o dos EUA, o seu grande vizinho do norte, fundado sob a influência, na altura, de um calvinismo militantemente anti-católico.
Os números exprimem o nível médio de vida dos cidadãos  da América Latina, em percentagem do nível médio de vida dos cidadãos americanos, já consideradas as diferenças de custo de vida (em termos técnicos, é o PIB per capita ajustado pelas paridades do poder de compra, em percentagem do americano):

Argentina - 34.0

Brasil - 23.8
Chile - 33.5
Colombia - 20.0
Mexico - 30,9
Peru - 20.2
Venezuela - 25.9

(Fonte: The Economist, Pocket World in Figures, 2013 Edition, London)
É uma vergonha.

Pedro Arroja em Portugal contemporâneo

A mexicana Nayeli Manzano já tem um papel e já pode sentir-se americana

por A-24, em 19.08.12
Primeira medida claramente eleitoralista de Obama. Milhões de ilegais poderão reclamar a nacionalidade americana. Muitos ainda ficarão de fora.

"Milhares de filhos de imigrantes ilegais começaram a candidatar-se ao programa antideportação de Obama. De fora ficarão ainda 6,8 milhões de indocumentados.
Em Los Angeles, Chicago, Detroit, Atlanta, Nova Iorque, Washington e por todo o país, milhares de pessoas que nasceram no estrangeiro mas cresceram nos Estados Unidos não desperdiçaram a oportunidade para reclamar a sua plena integração na sociedade americana, a única que muitos deles - salvadorenhos, etíopes ou tailandeses - conhecem e que ainda os marginaliza sob o estigma de "imigrante ilegal".
No dia em que entrou em vigor a nova política antideportação desenhada pelo Presidente Barack Obama em Junho, as filas para a apresentação de candidaturas serpenteavam por quarteirões nas grandes cidades americanas. O programa permitirá a legalização de milhares de indocumentados que cumpram critérios como: terem entre 15 e 31 anos de idade, terem vivido continuamente nos Estados Unidos há mais de cinco anos, frequentarem a escola ou terem um diploma do ensino secundário ou equivalente e nunca terem enfrentado acusações criminais - estima-se que cerca de dois milhões de residentes possam ser abrangidos.
Em Chicago, mais de dez mil pessoas acorreram ao Navy Pier para preencher as candidaturas, disse a Illinois Coalition for Immigrant and Refugee Rights. Aos 16 anos, a mexicana Nayeli Manzano tem dificuldade em identificar-se com o seu país de origem: a única realidade que conhece é a americana. "Vim do México quando ainda era uma criança, e para mim todos os costumes e tradições são os dos EUA. A única coisa que me impedia de sentir-me americana era uma folha de papel como esta", explicava à cadeia televisiva WLS de Chicago, apontando para a sua candidatura. "Esta folha faz toda a diferença na minha vida."
Crescencio Calderón, um jovem de 21 anos nascido no México, encontrou uma fila formada quando chegou à porta de uma organização de apoio a imigrantes em Los Angeles, pouco depois das cinco da manhã. O estudante universitário, que pretende enveredar por uma carreira jurídica, notava que a adesão ao programa lhe concedia uma segurança que o seu pai, jardineiro, nunca experimentara. "Esta é a chave para abrir a porta das oportunidades", dizia, "esta é a mudança em que podemos acreditar", referindo-se ao slogan da campanha presidencial de Barack Obama em 2008.
Não existem números oficiais, mas projecções consensuais apontam a existência de pelo menos onze milhões de trabalhadores indocumentados nos Estados Unidos, 15% dos quais terão o direito a um visto de residência e trabalho se cumprirem os requisitos do programa. Cerca de sete em dez dos possíveis candidatos são provenientes do México; 20% são originários de outros países da América Central e do Sul; 8% nasceram na Ásia e apenas 2% terão imigrado a partir da Europa.

De fora ficarão ainda 6,8 milhões de pessoas, imigrantes que deram entrada nos Estados Unidos depois dos 16 anos ou que já têm mais de 31 anos. É o caso de Elsi Hernandez, que descobriu enquanto preenchia os papéis num centro de apoio de Washington que por uma questão de meses ficaria excluída. Hernandez, de 25 anos, terminou o liceu em 2008 e espera, um dia, estudar numa universidade americana - mas o facto de ter chegado de El Salvador com 17 anos obriga-a a procurar outra maneira para escapar da clandestinidade em que vive.
Quando foi anunciado, o programa foi interpretado pelos analistas como uma brilhante cartada política do Presidente, uma manobra destinada a garantir a Obama a reeleição, apesar de - ironicamente - nenhum dos beneficiários da medida obter o direito ao voto nas presidenciais de Novembro. O candidato democrata deverá conquistar a esmagadora maioria dos votos do chamado "bloco latino", que é a força eleitoral em maior crescimento nos Estados Unidos mas também uma das que mais tende à abstenção.
O programa antideportação não resolve o impasse em que caiu a reforma do sistema de imigração no Congresso dos Estados Unidos. A política de Obama fica longe da amnistia que muitos defendem para os trabalhadores que contribuem com os seus impostos para a riqueza americana, mas oferece um "alívio" temporário para milhões de famílias que vivem na angústia constante de poderem ser expatriadas ao fim de décadas nos Estados Unidos. "Não se trata de amnistia nem de imunidade, mas de uma medida temporária enquanto tentamos estabelecer um sistema mais justo e mais eficiente", sublinhou o Presidente. Os beneficiários, notou, "são crianças que estudaram nas nossas escolas, que cresceram nos nossos parques, que juraram sob a nossa bandeira. Não tem sentido nenhum expulsar do país jovens talentosos que, para todos os efeitos, são americanos", considerou.No mesmo dia em que abriram as candidaturas, a campanha do republicano Mitt Romney lançou um anúncio televisivo em espanhol, lançando dúvidas sobre o trabalho de Obama em prol da comunidade hispânica, afectada pelo desemprego e a pobreza. Mas a frontal oposição de Romney e do seu candidato à vice-presidência Paul Ryan a qualquer iniciativa que permita a legalização dos trabalhadores clandestinos afastou os latinos do ticket republicano.

Sobre Chavela Vargas (1919-2012)

por A-24, em 06.08.12
Chavela Vargas, grande figura da canção mexicana, morreu neste domingo em Cuernavaca, México, aos 93 anos, no hospital onde dera entrada na sequência de complicações cardíacas e respiratórias, anunciou a sua amiga e biógrafa Maria Cortina.
Vargas, nascida em 1919 em San Joaquin de Flores, Costa Rica, era uma mulher que desafiava as convenções – vestia-se como um homem para cantar rancheiras (canções tradicionais mexicanas cantadas habitualmente por homens), usava uma pistola, bebia muito e fumava ainda mais. 

Depois de uma infância difícil, marcada por uma má relação com os pais, aos 14 anos imigrou para o México onde, recorda a Associated Press, ainda adolescente começou a cantar nas ruas. Só quando já tinha passado os trinta anos é que iniciou a carreira profissional, durante a qual gravou 80 álbuns, tornando-se uma figura de referência na explosão artística mexicana de meados do século XX. Foi amiga dos pintores Frida Kahlo e Diego Rivera e do escritor espanhol Federico Garcia Lorca. 

El País conta que Chavela “aborrecia-se” quando lhe faziam perguntas sobre Frida, por quem terá estado apaixonada, mas gostava de recordar o que vivera com ela e com Rivera: “Convidaram-me para uma festa em casa deles. E fiquei. Convidaram-me a ficar a viver com eles e aprendi todos os segredos da pintura de Frida e Diego. Segredos muito interessantes, que não revelarei nunca. E éramos felizes todos. Vivíamos um dia de cada vez, sem um centavo, por vezes sem ter o que comer, mas mortos de riso”. Em 2002 apareceu no filmeFrida, cantando a música La Llorona. A artista só falou abertamente sobre a sua homossexualidade aos 81 anos, quando publicou uma autobiografia intitulada Y si quieres saber de mi passado.

Sobre Chavela, o realizador espanhol Pedro Almodovar disse um dia: “Não acredito que haja neste mundo um palco suficientemente grande para ela”. E homenageou-a, usando as músicas dela em vários dos seus filmes.

No passado dia 12 de Julho, Chavela foi internada de urgência num hospital espanhol, mas acabaria por ter alta e por voltar ao México, onde queria morrer. Ela “era como os toureiros, sempre a despedir-se e sempre a regressar”, escreve o El País

O médico que a acompanhou disse, citado pela Associated Press, que Chavela se recusou a aceitar medidas médicas que lhe prolongassem a vida. “Queria ter uma morte natural”.

“Nunca tive medo de nada porque nunca magoei ninguém”, dissera em 2011, num concerto de homenagem na Cidade do México.

México - Manual de sobrevivência numa cidade em pé de guerra

por A-24, em 27.02.10
Maria (nome fictício) tem 48 anos, é portuguesa e mãe de três filhas, duas das quais vivem consigo. Saiu de Portugal há dez anos. Para viver em Ciudad Juarez, no México. A cidade mais perigosa do mundo, que foi fundada faz hoje 350 anos.
[Em 2008, a organização não-governamental mexicana Conselho de Cidadãos para a Segurança Pública fez as contas e chegou à triste conclusão de que a cidade mais perigosa do mundo, excluindo as zonas de guerra, ficava dentro das fronteiras do seu país. Mas, com uma taxa de 130 homicídios por 100.000 habitantes, quem disse que Ciudad Juarez não está em guerra?
Este ano, os números pioraram. Até 21 de Agosto passado, segundo contas divulgadas pelo jornal El Diário, tinham sido registados 1362 homicídios dolosos (voluntários e premeditados) em Ciudad Juarez - qualquer coisa como 159 por 100.000 habitantes, numa cidade com quase 1,5 milhões de pessoas. Há muito que a vida nesta fronteira (a texana El Paso fica mesmo ali ao lado) está amordaçada pela violência.
Centenas de mulheres têm sido mortas desde os anos 90 sem que as autoridades consigam explicar grande parte dos crimes. Mas a explosão deu-se nos últimos anos, quando os cartéis da droga entraram em guerra aberta pelo controlo do tráfico na região. Os habitantes habituaram-se a ouvir, diariamente, relatos de atrocidades e infâmias, raptos e assaltos, decapitações e execuções em massa. E a ver os mortos exibidos na via pública, com comentários jactanciosos escritos pelos assassinos...
Milhares de militares juntaram-se às forças policiais para tentar controlar a espiral de violência, alimentada pelos milhões do tráfico de droga e pelas armas que chegam em catadupa do outro lado da fronteira. O Governo mexicano considerou que o envio de uma força de paz das Nações Unidas para Ciudad Juarez é um cenário sem sentido e vários responsáveis locais já chegaram a dizer que a situação estava a melhorar. Não é isso o que dizem os números. Nem o que as pessoas sentem, como se depreende do testemunho de Maria, portuguesa.]Vim viver para o México há dez anos. Vivia em Setúbal e trabalhava numa fábrica de coberturas para bancos de automóveis entre Palmela e a Quinta do Anjo, perto da Autoeuropa. A empresa tinha capital mexicano e foi numa visita de alguns dos responsáveis vindos do México que conheci o que viria a ser o meu actual marido. Eu estava em processo de divórcio. Ao fim de uns 14/15 meses, ele regressou ao seu país e eu decidi ir com ele.
Hoje, ele trabalha na mesma empresa, mas num cargo superior, em contacto directo com a administração. Viemos viver para Ciudad Juarez, onde há muita pobreza, muita violência - contra mulheres, crianças -, muita fome. Isto está mesmo muito feio, muito difícil. Parece uma autêntica guerra.
O México tem 35 estados e este, o de Chihuahua, é o maior. Vem muita gente de outros locais, porque é uma cidade industrial, com grandes parques de empresas, aqui só não trabalha quem não quer... Nos anos 2000 começou a haver mais violência, roubos, violações. Quando cheguei, trazia comigo a minha filha, então com 11 anos, e ela começou logo na escola particular. Foi difícil, porque teve de se adaptar, teve de fazer um esforço, uma vez que era estrangeira. Mas, por outro lado, aqui o nível académico é mais baixo, a qualidade do ensino não se compara à portuguesa. Por isso, ela estava bem preparada.
Foi sempre muito boa aluna. Esteve cá até aos 15 anos, fez o secundário, sempre com 18, 19, 20 valores, seguiu para outra escola. Sabe falar quatro ou cinco línguas. Mas nessa alturafoi quando começaram as violações e os sequestros e eu tinha muito medo... O pai estava em Setúbal, queria que ela voltasse. E eu disse que sim, se fosse essa a vontade dela. Está agora com 22 anos, casou com um rapaz brasileiro e teve um bebé há pouco tempo. Vive em Setúbal, na mesma rua onde eu morava. Ainda não tem emprego, o sonho dela é entrar para a polícia.
Eu adaptei-me a Ciudad Juarez em dois ou três anos. Foi difícil: as ruas, as casas, os centros comerciais... tudo é diferente. Também adoeci nesse período e o apoio do meu marido foi fundamental. Começámos por viver em casa da mãe do meu marido, mas eu não estava adaptada. E tinha medo.
Medo, muito medo
Agora vivo num bairro (aqui chamam-lhe colonia) novo e o quarteirão (quadra) onde habito é muito tranquilo. Mas duas ou três quadras para cima ou para baixo na avenida onde fica a minha casa já há muita violência. Parece mentira, mas umas 12, 15, 20 pessoas são executadas todos os dias. Tudo por causa do mercado da droga. Os traficantes de rua são vítimas da luta entre os grandes barões para controlar o mercado.
É uma verdadeira guerra: há decapitações, cortam mãos, penduram os mortos das pontes, deixam cartazes com ameaças. Agora andam a incendiar stands de automóveis, bares e outro comércio - as milícias exigem uma quota, um pagamento mensal, e quem não paga arde. Quando vou ao centro comercial, procuro sempre ter o meu marido comigo. Há muitos casos de carjacking nos parques de estacionamento.
Tenho duas filhas que já nasceram aqui. Tanto eu como as meninas já fomos ameaçadas várias vezes - já tive de trocar de número de telefone três vezes, porque vêem o meu nome na lista e percebem que é estrangeiro... Pensam logo: "É estrangeira, tem dinheiro."
As meninas também já foram ameaçadas na escola. É claro que lá têm ordens para não as deixarem sair com ninguém a não ser comigo. As pessoas aqui são muito morenas e as minhas filhas são branquinhas, louras...
Logo na clínica, quando nasceram, ficámos cheios de medo que as roubassem. Se vamos ao passeio para elas andarem de bicicleta, nunca lhes tiramos os olhos de cima; se as convidam para festas, só vão se eu ou o pai pudermos acompanhá-las. Tenho medo, tenho muito medo.
A nossa casa tem um pequeno quintal atrás e à frente. Uma vez o meu marido estacionou o carro junto à porta da sala, no quintal, mas mesmo assim roubaram-no sem nós darmos por nada. Na manhã seguinte, quando se levantou por volta das 4h30 (aqui começa-se muito cedo, o horário de trabalho é das 6h00 às 15h30), o carro já não estava lá. É terrível.
Todos os dias há notícias horríveis. Há dias [25 de Novembro], um comando armado assassinou quatro pessoas numa avenida principal. Dantes procuravam o alvo quando estava sozinho, agora já matam também a família.
A fronteira com os EUA, a cidade de El Paso, no Texas, é mesmo aqui. E daí todo este tráfico de droga, imigrantes ilegais, armas. Vêm muitas armas dos Estados Unidos para o México. Há muitos mexicanos (e de outros países) a tentarem passar a fronteira. Os que conseguem são os que têm familiares do lado de lá. Há muito controlo, os americanos são muito racistas. Mas as pessoas boas daqui são muito trabalhadoras.
Voltar a Portugal
Existem aqui três corpos de polícia. Mas há muita corrupção. E agora a cidade está sitiada por militares. Aqui na nossa rua passam muitas patrulhas - eu ensinei as minhas filhas a não terem medo das autoridades, eles estão ali para nos ajudarem. A mim todos me ajudam, as pessoas gostam de mim, tratam-me bem e são receptivas, as autoridades, nos hospitais, etc... Eu digo que isso é por ser estrangeira, eles são racistas com os próprios mexicanos.
Há também patrulhas pelo ar. Helicópteros que passam à noite, com radar, habituamo-nos a eles. Eu vou pouco a El Paso, às vezes para comprar bacalhau (só lá é que se encontra...), saio pouco. Felizmente posso trabalhar em casa, mas agora nem vamos jantar fora, temos medo. Quando estamos dentro do carro, parados nos semáforos, estamos sempre alerta. É nesses locais que se juntam os traficantes e, se houver tiroteio, os inocentes também morrem...
Eu tenho uma casa boa, mas trabalho muito para a ter, o meu marido trabalha muito, faz horas extra. Só que por aqui há muitas casas onde vivem uma dúzia de pessoas ou mais. Há muitas meninas que engravidam aos dez, 12 anos; há bairros horríveis. E também há bairros ricos, com belas moradias, mas aí é onde se registam mais sequestros... As pessoas vivem fechadas atrás de muros, portões, alarmes.
A cidade está a crescer muito depressa. Tem museus, cinemas, escolas. Mas não é nada como no nosso país, os materiais das casas não têm nada a ver. Muitos recebem dinheiro de um fundo para construírem as casas, mas depois começam a não conseguir pagar as prestações e ficam na rua. E há aqui muita gente que não luta, baixa os braços e vai pelo mais fácil... Eu estou sempre disposta a lutar, sei que, se sair daqui um dia, terei de começar tudo de novo. Outra vez.
A última vez que fui a Portugal foi há quatro anos, para o funeral da minha mãe. O meu pai continua a viver no Poceirão, que é a terra onde nasci, e tenho muita vontade de voltar, desta vez com as meninas. É muito caro, mais de 4500 euros, irmos as três a Portugal, mas quero ver se vou no próximo ano. O meu pai diz tantas vezes que ainda morre sem conhecer as netas...
Por Luís Francisco (Público) A partir de uma conversa telefónica com Maria (nome fictício que o P2 optou por utilizar)