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A-24

O que causou a grande fome da Irlanda?

por A-24, em 06.10.14
Via Instituto Ludwig Von Mises


Ao final da década de 1990, o então primeiro-ministro britânico Tony Blair fez um discurso no qual se desculpou pelo fato de a Inglaterra ter feito "muito pouco" em resposta à grande fome que acometeu a Irlanda no século XIX (1845-1852), a qual matou um milhão de pessoas e forçou a emigração de outros milhões de irlandeses. Segundo historiadores, algo semelhante a um fungo contaminou um grande volume de batatas, impossibilitando seu consumo e matando de fome os irlandeses.


O problema é que o governo inglês, em vez de ser culpado por ter feito "muito pouco", tem de ser culpado por ter feito "muita coisa".
O que causou a fome? A teoria popular — que sempre esteve muito em voga nos EUA e na Europa — diz que os irlandeses eram promíscuos, preguiçosos e excessivamente dependentes da batata. Como resultado, eles morreram como moscas quando surgiu uma praga que arruinou sua principal fonte alimentícia — e tudo isso durante um dos mais rápidos períodos de crescimento econômico já vivenciados pela humanidade.
Teria sido essa inanição um acidente ecológico, como normalmente dizem os historiadores? Como a maioria das inanições já registradas, a irlandesa pouco tinha a ver com um declínio na produção de alimentos. Adam Smith estava correto ao dizer que "safras ruins geram "escassez", mas é "a violência de governos bem-intencionados que converte escassez em inanição".
Com efeito, a mais evidente causa da inanição na Irlanda não foi uma fitopatologia, mas sim a até então longa e duradoura hegemonia política da Inglaterra sobre a Irlanda. Os ingleses conquistaram e subjugaram a Irlanda repetidas vezes, e se apropriaram de seus vastos terrenos agrícolas. Enormes fatias de terra do país foram repassadas compulsoriamente a latifundiários ingleses. Esses latifundiários ingleses contratavam fazendeiros para administrar suas posses. E esses fazendeiros, por sua vez, arrendavam pequenas fatias de terra à população irlandesa em troca de sua mão-de-obra e de uma parcela da produção total. 
A disputa por terras entre os ingleses fez com que os preços de arrendamento cobrados dos irlandeses fossem cada vez maiores. Ao mesmo tempo, os pedaços de terra disponíveis para o arrendamento eram cada vez menores. Essa combinação entre crescentes preços de arrendamento e decrescentes fatias de terra disponíveis para o plantio empurrou os irlandeses para a subsistência e gerou um enorme fardo financeiro sobra e economia da Irlanda.
Um arranjo de locação de terras só pode ser eficiente se houver direitos, deveres e respeito aos contratos. O problema é que os irlandeses tinham apenas deveres; eles não tinham absolutamente nenhum direito sobre a terra em que trabalhavam ou sobre qualquer aprimoramento que eventualmente implantassem na terra. Somente nas áreas povoadas maciçamente por irlandeses protestantes os inquilinos possuíam algum direito sobre seus eventuais aprimoramentos. E dado que os latifundiários residiam na Inglaterra, eles praticamente não faziam investimentos em suas terras, o que impossibilitava qualquer melhoria na produtividade dos irlandeses.
Sob o domínio inglês, os irlandeses padeceram de várias inanições. Como um boxeador com as mãos amarradas nas costas, os irlandeses não tinham outra opção senão ficar parados e aguentar heroicamente todos os socos. 
O economista Jean-Baptiste Say foi um dos primeiros a alertar para o fato de que o arranjo adotado — em que os latifundiários residiam em outro país (Inglaterra) e não faziam investimentos em suas terras — era deplorável. Ele corretamente diagnosticou o problema e sobriamente previu os desastrosos resultados que de fato vieram a se concretizar. Um membro do Parlamento britânico, em resposta, chegou a dizer que tal preocupação era desnecessária, pois os oceanos iriam engolir a ilha irlandesa e destruir tudo o que havia nela.
A lei malthusiana é frequentemente invocada para absolver os ingleses. Segundo tal interpretação, os irlandeses eram vistos como um bando de promíscuos que se casavam cedo e procriavam em excesso. O próprio Malthus chegou a considerar a situação irlandesa como incorrigível. Os irlandeses, portanto, estavam apenas pagando por seus pecados por meio da inanição e das doenças geradas pela fome.
Eram os irlandeses realmente um bando de promíscuos? A população da Irlanda era de fato alta e a ilha havia se tornado densamente povoada após a união com a Grã-Bretanha em 1801. Parte desse crescimento populacional pode ser atribuída ao desenvolvimento econômico da época, dado que a população também estava crescendo rapidamente na Inglaterra e no resto da Europa.
Ilustrações da Grande Fome irlandesa

Com efeito, a taxa de crescimento da população irlandesa era apenas ligeiramente maior do que a taxa de crescimento da população inglesa, e estava partindo de uma base numérica muito menor. E por que estava crescendo a taxas maiores? A resposta está no fato de que a Inglaterra havia atribuído à Irlanda a atípica posição de ser o celeiro da Revolução Industrial.

Ilustrações da Grande Fome irlandesa

A Lei dos Cereais britânica foi uma série de tarifas de importação criadas para proteger os agricultores britânicos contra a concorrência estrangeira. As tarifas não apenas faziam com que os preços dos grãos se mantivessem artificialmente altos na Inglaterra, como também protegiam as safras contra quedas de preços nos anos de fartura. Em 1821, essas leis foram estendidas à Irlanda, o que significa que os latifundiários ingleses que possuíam terras na Irlanda também eram protegidos por tarifas de importação. Mas os únicos beneficiários desse protecionismo eram os latifundiários ingleses (inclusive aqueles que possuíam terras na Irlanda), e não os irlandeses.
O povo irlandês conseguia cultivar grandes quantias de batatas nutritivas com as quais alimentavam suas famílias e seus animais. Já os latifundiários ingleses se beneficiavam do fato de que o plantio de batatas não exauria o solo e ainda permitia que uma grande porcentagem da terra fosse voltada para o plantio de grãos que seriam exportados para a Inglaterra.
Os preços artificialmente altos estimularam não apenas o uso mais intenso das terras atuais como também o cultivo de novas terras na Irlanda. Um insumo essencial para esse arranjo era a farta quantidade de mão-de-obra irlandesa, que era vista meramente como um bando de servos sem terra. 
Foi durante esse período de protecionismo e de alta demanda por mão-de-obra que a população da Irlanda passou a crescer a altas taxas.
Dado que os latifundiários ingleses estavam no controle do Parlamento, esse arranjo tendia a se perpetuar para sempre. No entanto, uma crescente fatia de industriais e trabalhadores na Inglaterra começou a defender o livre comércio. Tais pessoas se articularam, se organizaram e começaram a crescer como força política. Com a criação da Liga Anti-Lei dos Cereais, os Whigs e os Tories concordaram, em 1845, em reduzir as tarifas de importação e em abolir completamente a Lei dos Grãos já em 1846. Como consequência, o preço do trigo despencou em 1847, chegando ao menor valor em 67 anos.
Essa abolição de tarifas gerou um drástico e repentino impacto sobre o valor das terras na Irlanda, cujos preços despencaram. Simultaneamente, houve uma sensível redução na demanda por mão-de-obra irlandesa à medida que as terras da Irlanda deixavam de ser produtoras de cereais e eram convertidas em pasto.
O que tem de ficar claro é que, embora tenha sido o livre comércio o gerador dessas mudanças, quem de fato estimulou o crescimento populacional e a subsequente despovoação (a população irlandesa só foi se recuperar em 1951, e a emigração líquida só acabou e 1996) foram o protecionismo inglês e a Lei dos Cereais. Não tivesse havido esse incentivo artificial gerado pelo protecionismo, talvez a história teria sido outra.
Esse choque de preços tornou o declínio populacional inevitável. Quando a emigração se tornou uma opção viável, vários irlandeses preferiram enfrentar longas e perigosas jornadas rumo ao Novo Mundo a encarar uma barca para as fábricas da Inglaterra.
Mas a coisa piora.

Em vez de deixar o mercado funcionar, a Inglaterra lançou um maciço programa de intervenção governamental, o qual consistia essencialmente na execução de obras públicas e na construção de asilos para os pobres, a maioria já concluída imediatamente antes do início da grande fome. Um pouco antes, um relatório do arcebispo de Dublin Richard Whately, intitulado Irish Poor Inquiry, já havia rejeitado os asilos como solução para a pobreza. No relatório, o arcebispo Whately argumentou que a solução para pobreza eram investimentos e caridade. Mas essas soluções "radicais" foram rejeitadas pelos ingleses, que descartaram o relatório.
Os asilos serviram apenas para agravar o problema da pobreza. Já a execução de grandes obras públicas — um sistema que na realidade era apenas uma versão antecipada do New Deal — exigia uma pesada tributação sobre a economia local. Os burocratas ingleses retiraram dinheiro de projetos que aumentariam a produtividade e a oferta de produtos agrícolas e o redirecionaram para a construção de estradas inúteis.
A maioria dessas estradas ia do nada a lugar nenhum. Para piorar, a política estabelecida pelos políticos ingleses de pagar salários abaixo do valor de mercado — e você pode imaginar o quão baixo eles eram — fez com que os trabalhadores ganhassem, em termos de comida, menos do que a própria energia calórica que eles despendiam ao trabalhar na construção das estradas.
Estátuas em memória às vítimas (River Liffey, Dublin)
Em 1847, o governo britânico abriu cozinhas públicas para os pobres, as quais serviam sopas. Tal arranjo foi relativamente exitoso porque, como bem havia sugerido o arcebispo, era uma mímica de uma caridade privada e era capaz de fornecer nutrição sem exigir esforço calórico ou aumentos significativos de impostos. Mas tal programa foi rapidamente abolido em prol de um retorno à construção de asilos, o que novamente não foi capaz de resolver o problema da pobreza e da fome. No verão de 1847, o governo elevou impostos, um ato genuinamente irracional.
Além do total fracasso dos programas governamentais, os asilos, as obras públicas e as cozinhas para os pobres geravam uma grande concentração de pessoas em pequenos espaços. Isso permitiu que os vírus das doenças — a principal causa mortis da grande fome — se espalhassem e fizessem seu trabalho maligno. 
Nos vários outros casos de inanição que já haviam ocorrido no passado, o número de irlandeses mortos havia sido pequeno. Com efeito, a peste da batata não afligiu severamente grande parte da Europa. O que ocorreu de diferente com a Irlanda nos anos 1840? As Irish Poor Laws (uma série de leis criadas pelo Parlamento britânico para "resolver" o problema da pobreza na Irlanda) praticamente aboliram a caridade privada. Nos episódios de fome anteriores, os ingleses e os próprios irlandeses haviam se apressado em oferecer amplos serviços caritativos. Mas agora a situação era outra. O governo havia entrado em cena. Sendo assim, por que fazer caridade e doações se toda a população pagadora de impostos já estava "cuidando da situação"? A população inglesa passou a ser severamente tributada para pagar os maciços programas assistencialistas criados pelo governo britânico ao passo que os pagadores de impostos da Irlanda simplesmente não tinham como fornecer caridade adicional.
Relatos históricos sobre a postura dos políticos ingleses em relação à caridade privada são nefastos demais para serem ignorados. Há um relato de que o povo do estado americano de Massachusetts enviou um navio repleto de cereais para a Irlanda, mas as autoridades inglesas o confiscaram alegando que isso afetaria o comércio. Outro relato afirma que o governo britânico apelou ao sultão da Turquia para que reduzisse suas doações de £10.000 para apenas £1.000, pois isso estava constrangendo a Rainha Vitória, que havia doado apenas £1.000 para os flagelados.

Conclusão

Há teorias que dizem que os ingleses propositadamente geraram a grande fome irlandesa. Como aquela era uma era de revoluções, e dado que havia suspeitas de que os irlandeses estavam tramando mais uma revolta, trata-se de uma teoria relativamente factível.
No entanto, a questão da culpa não é tão importante quanto a questão da causa. O que é realmente importante é que a grande fome irlandesa originou-se de grandes erros econômicos, tais como a alegação de que inanições são causadas pelo mercado e pelo livre comércio, e que a fome é resultado de políticas laissez-faire. Até mesmo Karl Marx foi fortemente influenciado pelos eventos ocorridos na Irlanda enquanto escrevia em Londres.
A Irlanda foi devassada pelas forças econômicas originadas por um dos mais poderosos e agressivos estados que o mundo já conheceu. Sua população sofreu não por causa de um fungo (cujos cientistas ingleses insistiam ser apenas umidade excessiva), mas sim por causa da colonização, da espoliação, da servidão, do protecionismo, dos preços artificialmente altos sustentados pelo governo, do assistencialismo estatal e de insensatos programas de obras públicas.
Seria muito mais honesto de sua parte se Tony Blair pedisse desculpas por ter causado a grande fome e pelas políticas assistencialistas que apenas agravaram a situação dos irlandeses.

A secessão de um país depende do tamanho do seu território?

por A-24, em 11.09.14
Instituto Ludwig Von Mises

De acordo com os números do World Bank Development Indicators (Indicadores de Desenvolvimento do Banco Mundial), dentre as 45 nações soberanas da Europa, os países pequenos são quase duas vezes mais ricos que os países grandes. A diferença da riqueza per capita entre os 10 maiores e os 10 menores é de 84% quando se considera toda a Europa, ou 79% quando se considera somente a Europa Ocidental.


Trata-se de uma diferença abismal. Para colocar um pouco de perspectiva, uma diferença de riqueza de 79% é a diferença entre a Rússia e a Dinamarca. Isso é impressionante quando se considera as similaridades históricas e culturais dentro da própria Europa Ocidental.

Mesmo entre as nações de mesmo idioma, as diferenças são gritantes: a Alemanha é mais pobre, em termos per capita, do que as pequenas nações que também falam alemão (Suíça, Áustria, Luxemburgo e Liechtenstein); a França é mais pobre, em termos per capita, do que as pequenas nações que falam francês (Bélgica, Andorra, Luxemburgo, Suíça novamente, e, é claro, Mônaco). Até mesmo a Irlanda, que foi durante séculos devastada pelos ingleses belicistas, é hoje mais rica do que seus senhores do Reino Unido, que possui um território 15 vezes maior.

Marcha de Orange em Belfast termina em violência contra a polícia

por A-24, em 14.07.13
A Grã-Bretanha já reforçou com mais 400 agentes um contingente especial de 600 polícias destacados para a Irlanda do Norte, na sequência dos motins que fizeram mais de 30 feridos após a tradicional marcha protestante da Ordem de Orange, em Belfast.

A violência eclodiu na noite de sexta-feira, depois de os participantes na marcha, os chamados “unionistas” que são partidários do governo de Londres, terem sido impedidos de percorrer o seu itinerário tradicional, que entra pelo bairro católico de Ardoyne, no norte de Belfast, uma área predominantemente nacionalista.
Segundo a polícia da Irlanda do Norte, os agentes que asseguravam o corte do trânsito e o desvio do cortejo foram atacados com pedras, tijolos, garrafas ecocktails-molotov e atingidos por indivíduos com bastões e espadas. “Alguns agentes ficaram inconscientes, outros sofreram lesões na cabeça e nos membros”, disse o chefe-adjunto da polícia da Irlanda do Norte, Will Kerr, que defendeu como apropriado o recurso a canhões-de-água e para dispersar a multidão.
Actos de violência repetiram-se nas zonas leste e sul da cidade, onde organizações ligadas à ordem de Orange protestavam contra a decisão da comissão municipal que autoriza as paradas de barrar o trajecto por Ardoyne – uma medida de prevenção uma vez que os confrontos entre a comunidade republicana daquele bairro e os participantes na marcha são frequentes.
A Ordem de Orange, que tinha instado os seus apoiantes a denunciar a mudança do percurso tradicional, emitiu um comunicado a suspender qualquer acção de protesto. O deputado de Belfast Nigel Dodds, que recebeu tratamento hospitalar depois de ter sido atingido por um objecto pesado na cabeça, fez um apelo à calma, repetido pelo ministro da Irlanda do Norte, Peter Robinson. No entanto, o líder do Sinn Feinn, Gerry Kelly, responsabilizou a Ordem de Orange e os políticos unionistas pela violência, que apanhou de surpresa muitas famílias com crianças.
A data de 12 de Julho, que marca a derrota das tropas jacobitas do rei Jaime II às mãos do príncipe Guilherme de Orange na batalha do Boyne, em 1690, é tradicionalmente celebrada pelos protestantes da Irlanda do Norte com marchas e paradas.
A perspectiva de disputas sectárias entre protestantes e católicos já tinha levado o responsável pela polícia da Irlanda do Norte a solicitar o apoio das autoridades da Grã-Bretanha, que de início enviaram 600 homens para a região. O pedido foi inédito: habitualmente, era o Exército britânico quem assegurava a segurança durante as marchas.
Público

Portugal atrás de Grécia, Espanha e Irlanda no Desenvolvimento Humano

por A-24, em 15.03.13
Portugal ocupa a 43ª posição no Índice de Desenvolvimento Humano das Nações Unidas relativo a 2012 e é o último dos países intervencionados pela "troika". O relatório divulgado esta quinta-feira avalia 187 países e é liderado pela Noruega. 
No anterior relatório, Portugal ocupava o 41º lugar, mas, devido a alterações do índice, a ONU assinala que os valores e classificações do relatório não podem ser comparados directamente com os dos anteriores.
Nesta avaliação anual do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), os países são divididos em quatro grupos em termos de desenvolvimento humano: muito elevado, elevado, médio e baixo.
Portugal integra o grupo de 47 países com "desenvolvimento humano muito elevado" imediatamente a seguir à Lituânia e aos Emirados Árabes Unidos e à frente da Letónia, Argentina, Seychelles e Croácia.
Comparando com alguns parceiros da União Europeia, a Alemanha ocupa a 5ª posição do Índice, a Irlanda a 7ª, a Espanha a 23ª e a Grécia o 29º lugar.
De acordo com o relatório da ONU, a esperança de vida à nascença em 2012 em Portugal era de 79,7 anos, enquanto na Alemanha era de 80,6, na Irlanda 80,7, em Espanha atingia os 81,6 e na Grécia os 80 anos.
Na média de anos de escolaridade, Portugal tem 7,7 anos de acordo com dados de 2010, contra 12,2 da Alemanha e 11,6 anos da Irlanda. A Espanha e a Grécia têm 10,4 e 10,1 anos, respectivamente, com base em números do ano passado.
Em relação ao rendimento nacional bruto 'per capita', tendo em conta a paridade de poder de compra em 2005, Portugal apresenta um valor de 19.907 dólares, a Alemanha 35.431, a Irlanda 28.671 dólares, a Espanha 25.947 e a Grécia 20.511 dólares.
RR

A grande diáspora irlandesa

por A-24, em 19.01.13
Nos séculos XVIII e XIX, a fome não era novidade para os irlandeses. O flagelo tornara-se parte integrante da paisagem social e castigou ininterruptamente o país por quatro vezes: de 1725 e 1729; de 1740 a 1741; em 1836, 1837 e 1839; e, finalmente, de 1845 a 1849. Sua volta recorrente relacionava-se com o extraordinário crescimento demográfico. Com mais de 8 milhões de habitantes recenseados em 1841, a Irlanda era o país mais povoado da Europa. Considerando-se apenas as terras aráveis, sua densidade populacional ultrapassava a da China. Em 1824, uma comitiva de pesquisa da Câmara dos Comuns chamou a atenção para “a miséria espantosa, as doenças contagiosas que se espalhavam e o número considerável dos que morriam literalmente de fome”. Dez anos depois dessa análise, a situação não melhorou e o desemprego atingiu 2.385.000 pessoas.
Além dos problemas internos, a Irlanda sofreu com a crise generalizada que assolou a Europa. O fungo Phytophora infestans arrasou as colheitas de batata, enquanto as intempéries climáticas destruíram as de cereais. Na Bélgica, centenas de milhares de flamengos sofreram os efeitos da fome e do tifo, que fizeram mais de 16 mil vítimas na Silésia. Em todo o continente, a crise econômica sucedeu a agrícola. Como conseqüência das vultosas importações de cereais, mas também da especulação desenfreada nos setores metalúrgico e ferroviário, o dinheiro líquido tornou-se escasso, provocando fabulosas falências. A recessão e o desemprego atingiram ainda as economias inglesa, francesa e alemã.
Na Irlanda, a sobrevivência estava intimamente ligada à batata. “Os irlandeses viviam de batatas, como os chineses, de arroz”, escreveu Paul Dubois, autor de um estudo sobre a questão irlandesa, que se transformou em livro de cabeceira de Winston Churchill. “Se a colheita fosse ruim, haveria uma catástrofe”, analisou. E elas foram três consecutivas, não uma. No segundo semestre de 1845, em poucos dias o míldio, um fungo do bolor, destruiu três quartos da produção de tubérculos. Em 1846 e 1847, a perda foi total.
Desesperada, em pouco tempo a população não tinha outra alternativa a não ser emigrar ou morrer. Um milhão e meio de irlandeses cansados, famintos e doentes precipitaram-se rumo aos Estados Unidos e Grã-Bretanha, suscitando uma animosidade reforçada pela repulsa, em vez de compaixão. Alguns navios se tornaram verdadeiras sepulturas, que nunca chegaram ao porto de destino. “Se fosse possível fincar cruzes sobre a água, a rota dos emigrantes pelo Atlântico seria um imenso cemitério”, afirmou um comissário da imigração. Como era imperioso que a consciência da Inglaterra ficasse tranqüila, foi decidido que o povo irlandês tinha parte da responsabilidade nesse desastre. “O grande mal do qual temos de nos defender não é físico, é moral. Não é a fome, é o caráter orgulhoso, intratável e turbulento do povo irlandês”, declarou Charles Edward Trevelyan, secretário-adjunto do Tesouro inglês a partir de 1846.
 

A grande fome, ilustração do London News de 1889, último ano do flagelo
Assistencialismo

Mas a política do Reino Unido frente ao caos não foi um desastre completo. Ela variou conforme o regime, conservador ou liberal. A resposta conservadora foi pronta, judiciosa e de relativa eficácia. Para evitar a explosão dos preços agrícolas, o primeiro-ministro Robert Peel tomou para si a tarefa de comprar 100 mil libras esterlinas de milho nos Estados Unidos. Foi feito um seguro, e comissários encarregaram-se de formar comitês locais para reunir fundos necessários para a compra de gêneros alimentícios. O departamento irlandês de obras públicas criou empregos suplementares, por meio da realização de uma política de grandes construções. O governo britânico comprometeu-se em prover dois terços da assistência alimentar e se responsabilizou por metade das obras. O montante das subvenções imediatas atingiu 365 mil libras, e outra parte significativa foi concedida como empréstimo entre 1845 e 1846.
Apesar do caráter positivo e do alcance das medidas instituídas, o esforço do governo conservador não conseguiu fazer frente à dimensão do desastre. Era impossível alimentar vários milhões de pessoas famintas com os víveres disponíveis. Empreender grandes obras em distritos pobres, sem cultivo e pantanosos também pouco adiantava. Nas outras regiões, o salário de alguns pence por dia não era suficiente para os operários escaparem da miséria. Além disso, não se podia pretender melhorar a sorte das classes populares sem entrar em conflito com os landlords, grandes proprietários de terra. Com o direito inviolável e sagrado de dispor de seus bens como lhes aprouvesse, eles expulsavam os rendeiros que não correspondiam à sua avidez, sempre crescente. Para permanecer na terra, os camponeses atingidos pela fome cultivavam e exportavam cereais que não podiam consumir, temerosos de cair em uma penúria ainda maior. Com isso, durante todo o período, a Irlanda exportou grandes quantidades de trigo, cevada, aveia e gado, unicamente para obter renda fundiária.
O governo inglês foi acusado de ser co-responsável pela crise por não ter interrompido esse tráfico. Dubois utilizou os termos “fome em meio à abundância” e “fome artificial” para designar a situação. Já os historiadores contemporâneos reconhecem que, sozinhos, os cereais irlandeses não poderiam ter alimentado o país. 
A partir de 1847, a Irlanda importou cinco vezes mais grãos do que exportou. Mas no ano anterior, o espetáculo dos comboios armados carregando sacos de trigo para os portos irlandeses era absolutamente insuportável para a população faminta que vagava pelo campo: “Os navios deixavam Clonmel carregados de víveres uma vez por semana, escoltados ao longo do rio Suir até Carrick por um comboio que, na última terça-feira, era composto de 50 cavaleiros, 81 soldados e dois canhões”, relatou o intendente de Waterford, em abril de 1846.
Para enfrentar a situação, o primeiro-ministro apresentou um programa ambicioso: a abolição das corn laws, as leis protecionistas, e a implementação da livre importação de grãos. O projeto significou o sacrifício de sua carreira política. Enfrentando severa oposição tanto dos conservadores quanto dos liberais, não conseguiu se manter no poder.
Algumas famílias de landlords, como a retratada acima, ajudaram os famintos distribuindo comida
Com a queda de Peel, em junho de 1846, lorde John Russel assumiu a chefia apostando em um gabinete liberal, impregnado da filosofia livre-cambista da escola de Manchester. Apesar de insuficiente, era incontestável que a política conservadora procurou encontrar um remédio para os males da Irlanda. Os liberais, cegos pelo dogma do laissez-faire absoluto, caracterizaram-se pela mais completa imprevidência. 

Oportunismo e insensibilidade 

Charles Edward Trevelyan foi o pivô dessa nova política. Na qualidade de discípulo da filosofia de Manchester, ele detestava o intervencionismo humanitário de Peel e sonhava pôr fim a todas as operações de socorro, para liberar o terreno à livre-iniciativa privada e “impedir o povo de se habituar a depender do governo”, como declarou. Pura loucura: a colheita foi ainda mais desastrosa do que a do ano anterior e o terrível inverno de 1847 atingiu a todos. A ausência praticamente total de víveres levou bandos de pessoas famintas a mendigar o que comer. Elas percorriam o país parecendo mais lobos famélicos do que seres humanos. Exangues e descarnados, morriam às centenas nas cabanas e nos canteiros de obras e formavam verdadeiros depósitos de mendigos – dos quais Charles Dickens nos deixou horripilantes descrições. “Em vários pontos, as estradas são cemitérios. Os cocheiros já não saem sem encontrar cadáveres pelo caminho e, à noite, passam por cima deles”, relatou um religioso. Aqui e acolá, registravam-se casos de canibalismo. Corpos semi-roídos por ratos ou despedaçados por cães errantes eram um espetáculo corriqueiro. Já não havia registros de óbitos, cerimônias religiosas ou caixões: os mortos eram transportados às pressas em uma carroça de fundo basculante, de onde caíam diretamente numa vala comum.
O governo acabou se comovendo e organizou a distribuição das sopas populares, que veio reforçar oportunamente os organismos filantrópicos privados, como os Quakers, a associação Irish Relief e a associação britânica do barão Leonel de Rotschild. Em certos casos, a assistência revestia-se de cores de proselitismo, pois o acesso às sopas era prioritariamente reservado aos que aceitassem acompanhar a celebração do culto protestante. Poucos foram os católicos que cederam a essa chantagem cruel. A expressão souperism, carregada de desprezo, é ainda hoje sinônimo de suprema traição para os irlandeses.
Na primavera de 1847, a fome deixou de ser o único flagelo. Vieram se somar a ela as epidemias de tifo, febre intermitente, escorbuto e disenteria bacilar, além do terrível edema da fome, que se traduz por um inchaço hidrópico dos membros e, em seguida, do corpo.
 

No campo, os irlandeses sofreram com a obrigatoriedade da renda fundiária
A cruel Lei dos Pobres
Um cientista americano em visita a Skibbereen relatou ter visto pilhas de cadáveres cujo tamanho chegava ao dobro do normal, e um bebê de dois anos com as dimensões de um adulto, apesar de seus braços serem magros como caniços.
Não se sabe quantas vítimas a epidemia fez, mas estima-se que as doenças tenham matado mais gente do que a própria fome. Nem as classes abastadas foram poupadas: landlords, padres, médicos e funcionários também pagaram seu tributo. O governo agia conforme a inspiração do momento. Pela lei Fever Act, de abril de 1847, ele interveio na luta contra as epidemias. Em contrapartida, apesar das súplicas da população, canteiros de obras foram fechados e operários, despedidos, para impedir o duplo emprego com a ajuda em espécie.
Enquanto parte da população construía uma nova história nos Estados Unidos pós-Guerra de Secessão, a classe dos landlords anglo-irlandeses transformou-se em um conveniente bode expiatório, que o governo não tardou a indicar. Alvo da cólera da Irlanda e da execração da opinião britânica, alguns de seus membros realmente se comportaram de modo selvagem. Um nobre de sobrenome Walshe, magistrado da Coroa e proprietário de terras no distrito de Belmullet, expulsou os habitantes de três aldeias no auge do inverno e reduziu suas casas a um amontoado de ruínas. O governo que lhe forneceu ajuda do exército para a medonha tarefa, não foi acusado como responsável. 

Mas nem todos os landlords eram assim. Alguns, como Guinness, Stop-ford, Courtdown, Kingston, Shannon e os Colthurts, cuja recordação ainda hoje é cara aos irlandeses, deram prova de uma dedicação incansável a seus rendeiros e à população. Afinal, quaisquer que tivessem sido seus erros passados, naquela época eles estavam falidos: já não recebiam as rendas fundiárias, e a lei proibia que vendessem suas propriedades, cumuladas de dívidas. Em alguns condados, não havia um único proprietário fundiário solvente.
No primeiro semestre de 1847, o Parlamento britânico votou uma nova Lei dos Pobres para a Irlanda, que colocava os indigentes sob a responsabilidade dos contribuintes e, principalmente, dos proprietários de terras. Essa reforma criou uma situação inextricável contra a ascendancy, a aristocracia anglo-irlandesa beneficiária das bondades de Cromwell e de Guilherme de Orange. Para pagar a taxa dos pobres e reduzir a população de assistidos, os landlords foram obrigados a expulsar seus arrendatários ou exigir o reembolso do arrendamento. Ao mesmo tempo, os crimes agrários perpetrados pelos miseráveis famintos multiplicavam- se, enquanto os nacionalistas exaltados do movimento Jovem Irlanda desencadearam uma insurreição quimérica, que terminaria de modo lamentável em 28 de julho de 1848 em uma horta de Ballingary. A ação foi batizada com o nome de Revolução do Canteiro de Repolho.
O ano de 1849 foi o quarto e último da fome e, sem dúvida, o pior de todos. Vinte e duas organizações de assistência aos miseráveis estavam em dificuldades e cerca de 50 outras à beira da ruína. Muitos estabelecimentos de trabalho fecharam as portas, outros estavam com população extra, não oferecendo mais do que uma ajuda derrisória. Em fevereiro de 1848, 135 mil miseráveis se amontoavam nessas workhorses como podiam. Em junho de 1849, eles passaram a ser 215 mil. Para coroar tamanho infortúnio, uma epidemia de cólera se espalhou. E ela não suscitou nenhum movimento de solidariedade: o vice-rei, lorde Claredon, profundamente desencorajado por aquilo que não estava longe de ser uma política deliberada de extermínio, não ofereceu aos irlandeses mais do que a diversão mágica de uma visita da soberana britânica. Assim, a jovem rainha Vitória desembarcou na Irlanda em agosto de 1849, conquistando todos os corações com seu charme e simplicidade. Mas foi um sucesso pessoal, sem continuação no futuro. A Grande Fome, que chegava ao fim, havia destruído todas as sementes de acordo e reconciliação possíveis entre a metrópole britânica e a Ilha Verde.
Sem os registros oficiais de óbitos daquela época, ainda hoje é impossível dizer com exatidão quantas vidas o desastre custou. Em geral, estima-se que 1 milhão de pessoas morreram de fome e de doenças.
A Irlanda nunca se refez completamente daquele trágico sangramento. Com uma população estimada em 6 milhões de habitantes em 2005, a ilha inteira jamais voltou a atingir a marca de 8 milhões, população anterior à crise de 1845. Ao provocar a emigração, a fome sangrou o país, ao mesmo tempo que internacionalizou a “questão da Irlanda”. Dali em diante, a Inglaterra voltaria os olhos para América, segundo a predileção angustiada de um jornalista do Times: “Ainda haverá uma Irlanda, mas uma Irlanda colossal e uma Irlanda situa-da no Novo Mundo. O que fizemos foi expulsar o povo celta para Oeste: como ele já não estará mais prisioneiro, se espalhará entre Nova York e São Francisco. Devemos nos preparar para o combate, de modo a poder enfrentar a Nêmesis de sete séculos de mau governo”.
Pierre Joannon

Uma morte em Galway - A questão do aborto na Irlanda

por A-24, em 07.12.12

O caso de Savita Halappanavar, uma dentista indiana de 31 anos que foi viver, com o seu marido, para a Irlanda, continua a ecoar em todo o mundo. Halappanavar, uma futura mãe, morreu depois de os seus médicos, citando judicialmente a proibição legal do aborto na Irlanda, recusarem-se a remover o seu feto de 17 semanas, apesar de supostamente reconhecerem que o feto não era viável e de terem colocado Halappanavar na unidade de cuidados intensivos quando o seu estado se deteriorou.
Os activistas indianos estão indignados. “Embora não haja nenhuma única lei, específica para os homens, que afirme quando, onde ou como os cuidados médicos devem ser prestados, os governos promulgam leis que prescrevem, confundem e restringem o acesso da mulher aos serviços de um aborto seguro”, apontou Anjali Sen, directora, do Sul da Ásia, da Federação Internacional do Planeamento Familiar. “Os cuidados correctos e necessários podiam ter salvado a vida dela. É imperdoável que os médicos, em vez de desenvolverem esforços para salvá-la, assistiram à sua morte de braços cruzados”.
Halappanavar teve forte dores no dia 21 de Outubro. Ela estava a perder o bebé e, de acordo com o seu marido, pediu várias vezes a interrupção da gravidez após ter sido informada de que o feto não sobreviveria. Mas Halappanavar e o seu marido foram informados de que a Irlanda é um país católico e como o feto ainda tinha batimento cardíaco, o procedimento estava fora de questão. Halappanavar morreu de septicemia; a sua família acredita que este desfecho teria sido evitado se a interrupção da gravidez tivesse sido realizada.
Os protestos na Irlanda fizeram com que o primeiro-ministro Enda Kenny se deslocasse ao local, com os activistas, como os da Índia, a argumentarem que Halappanavar morreu devido a uma abordagem teocrática aos cuidados de saúde. Os activistas irlandeses que defendem o direito ao aborto, apontam que, no seu país, legalmente, a vida do feto não tem precedência sobre a vida da mãe, mas tem precedência sobre a saúde da mãe – uma distinção que os norte-americanos, que são contra o aborto, procuram há muito replicar nos Estados Unidos.

O caso Halappanavar inverte assim o estereótipo ocidental em relação às sociedades orientais, de que preservam a superstição e o extremismo religioso. A morte de Halappanavar resultou do comportamento fanático e atávico de uma teocracia ocidental, ao mesmo tempo que manifestantes e legisladores indianos têm defendido o etos científico e racionalista do Iluminismo. Nós, no Ocidente, estamos tão habituados aos “nossos” religiosos fanáticos, que raramente olhamos para eles como olhamos para os fanáticos religiosos do Oriente.
Mas a morte de Halappanavar não nos deixa outra alternativa. Uma mulher que não era católica, envenenada lentamente por um feto que já não era viável, foi-lhe pedido a aceitar que os cuidados de saúde lhe seriam negados, porque o Papa, agindo sob as ordens de São Paulo, guiava as mãos dos seus médicos. Pode-se imaginar a fúria que haveria se uma mulher ocidental, não muçulmana, tivesse morrido devido ao facto de um imã se recusar a prestar-lhe cuidados médicos por motivos religiosos.
O facto de o tumulto se estender até à Índia esclarece as muitas maneiras com que se pode olhar para o aborto – até mesmo a partir de uma perspectiva religiosa. Tal como eu disse há quase 20 anos, a visão cristã/católica ocidental em relação ao aborto não é a única interpretação religiosa da questão.
No hinduísmo, o aborto é considerado mau carma, mas isso não se equivale à visão maniqueísta defendida por cristãos fundamentalistas e pela Igreja Católica. Aética médica hindu exige ahimsa ou “não violência”, isto é, o dever de um médico é causar o menor dano possível numa situação. Assim, uma perspectiva hindu no caso Halappanavar ditaria salvar a vida da mãe se o feto colocasse a sua vida em risco. Neste ponto, o hinduísmo assemelha-se ao judaísmo, inclusive o judaísmo ortodoxo, no qual “a vida da mãe é mais importante do que a do feto”.
O aborto, embora seja visto de forma negativa, não é ilegal na Índia, provavelmente por ser encarado como uma questão de moralidade pessoal – o carma que cada um carrega na sua consciência por ter de fazer o que no Ocidente se chamaria de “escolha”. (Na verdade, o problema do aborto na Índia situa-se no extremo oposto do espectro: a interrupção da gravidez generalizada de fetos do sexo feminino, devido a uma preferência cultural por filhos homens, uma situação que eu diria que também inflige violência contra as mães).
A batalha cultural acerca da morte de Halappanavar está longe de estar resolvida. As mulheres irlandesas têm todo o direito de perguntarem novamente a si mesmas se da próxima vez serão elas que estarão ameaçadas por um ponto de vista religioso, que nada tem a ver com as suas necessidades médicas. Mas é a indignação geral na Índia, onde os manifestantes exigem que o aborto na Irlanda seja tratado como uma decisão médica privada entre a mulher e os profissionais de saúde, que pode indicar o caminho certo a seguir – um diálogo mundial sobre o direito universal das mulheres à saúde e à liberdade reprodutiva.
Tal diálogo mundial iniciado no “Oriente” não seria único. A crescente exigência internacional pelo Estado de direito e pelos direitos humanos revelou-se recentemente, quando os legisladores afegãos tentaram – inutilmente, mas honrosamente – explicar os princípios da Constituição dos EUA aos norte-americanos ocupantes, que tinham procurado estabelecer um sistema de detenção sem o devido processo.
É saudável quando o Ocidente é convidado a viver de acordo com a sua própria auto-imagem como o bastião da razão e da liberdade humana. Enfrentar as suas próprias falhas, em forma de fanatismo ou de barbaridade, seria um bom passo para começar.
Naomi Wolf
Tradução: Deolinda Esteves/Project Syndicate

Era uma vez a religião. A Igreja Católica perdeu a Irlanda

por A-24, em 13.08.12
Índice Global de Religiões e Ateísmo mostra que mais de metade dos irlandeses já não são religiosos.

O último inquérito mundial remontava a 2005. Passados sete anos, o Índice Global de Religião e Ateísmo mostra que o número de ateus não tem parado de crescer e já representa 13% da população mundial. No total, mostra a sondagem feita em 57 países pelo Instituto WIN- -Gallup International, a população religiosa caiu 9% no mundo inteiro e nem os países com maior tradição católica escapam à tendência. É o caso da Irlanda, onde se verificou a maior quebra.
Segundo o relatório, recentemente divulgado, a percentagem de irlandeses religiosos diminuiu de 69% em 2005 para apenas 47% em 2012. Ou seja, mais de metade da população da Irlanda – ainda abalada pelos alegados casos de abusos sexuais de menores no seio da Igreja Católica – já não é católica. Mais: graças a estes últimos números, a Irlanda entrou directamente para o ranking dos países menos crentes do mundo, encabeçado pela China e onde figuram o Japão, a República Checa, a Coreia do Sul, a França, a Alemanha, a Holanda ou a Áustria. O inquérito irlandês foi de tal forma surpreendente que obrigou o arcebispo de Dublin a comentá-lo publicamente. “A Igreja Católica não pode dar como certa a passagem automática da fé de uma geração para a seguinte ou que os seus membros vivam a fé de maneira plena. Este estudo serve para nos lembrar, mais uma vez, que precisamos de uma educação para a fé sólida e contínua”, reagiu D. Diarmuid Martin.
De resto, nem a Itália parece escapar à tendência mundial. O número de pessoas religiosas até se tem mantido constante ao longo dos anos – 70% dos italianos dizem-se católicos –, mas os ateus têm vindo a aumentar e já representam 8% do total da população.
POBRES, MAS RELIGIOSOS O inquérito abrangeu 51 mil pessoas de 57 países e a entrevista consistia apenas numa pergunta: “Independentemente de frequentar ou não uma igreja, considera-se uma pessoa religiosa, não religiosa ou um ateu?” As conclusões sugerem que as populações mais pobres são as que mais se descrevem como crentes. Segundo o índice, o Gana (com 96% da população a assumir-se religiosa), a Nigéria (93%) e a Arménia (92%) são os países mais religiosos do mundo. No total, mostra o inquérito, 59% da população mundial diz-se religiosa (menos 9% que em 2005), 23% não tem religião e 13% dos inquiridos afirmaram ser ateus (mais 3% que há sete anos).
Portugal não fez parte do estudo, mas uma sondagem promovida pela Igreja Católica no início deste ano parece ir na mesma linha do Índice Global agora divulgado. Entre 1999 e 2012, os não crentes aumentaram 6%, enquanto que o número de católicos baixou. Há 13 anos, 97% da população portuguesa era católica. Agora, o número não vai além dos 93%.

“Portugal, Grécia e Irlanda podem não estar no euro daqui a cinco anos"

por A-24, em 25.11.10
O agudizar da crise da dívida soberana europeia poderá não deixar outro caminho que não uma restruturação da união monetária. “Daqui a cinco anos, podemos ter uma composição diferente da zona euro. Grécia, Portugal e Irlanda poderão não pertencer ao euro”, afirmou ontem Keith Wade, economista-chefe da Schroders, uma das maiores gestoras de activos financeiros do mundo. “A questão não é a Grécia entrar em incumprimento, mas sim Portugal, Espanha e Irlanda. Se a Irlanda pedir ajuda, a seguir será Portugal.”
Segundo o analista, os países periféricos da zona euro estão numa encruzilhada difícil de ultrapassar. Presos ao euro e sem flexibilidade monetária que lhes permita aumentar a competitividade da economia, será muito complicado resolverem os seus desequilíbrios orçamentais e regressarem a crescimentos económicos sólidos. “Com o euro, estes países deixaram de ter vantagens competitivas. Com o fim do boom do consumo, tornou-se difícil crescer”, explicou durante uma conferência internacional da Schroders, em Londres. “Como é que o Reino Unido se aproximou da competitividade alemã? Desvalorizando a libra.” Uma opção que não está disponível para os países da zona euro.
Keith Wade referiu que a tarefa que a Alemanha está a exigir a estes países é praticamente impossível de concretizar sem uma desvalorização monetária. “Mesmo depois dos pacotes de ajuda, o crescimento destes países não será suficiente. Quando a Grécia regressar ao mercado, por exemplo, deverá pagar taxas de juro próximas de 10%. Com uma dívida de 150% do PIB e um crescimento económico muito baixo, é matematicamente impossível pagar esses 10%”. Na prática, e para Wade, existem dois cenários possíveis: ou estas economias continuam a ser altamente apoiadas durante bastante tempo ou têm de sair da zona euro para resolverem os seus problemas.
Outros oradores referiram a rigidez monetária dos países periféricos da zona euro não só como o problema central a abordar daqui para a frente, mas como principal responsável pelo actual impasse. Alan Brown, chief investment officer, também concorda que é provável que se assista a uma alteração dos membros da zona euro, admitindo mesmo o fim da união monetária. “Não é assim tão raro. Desde a Segunda Guerra Mundial já foram extintas 69 uniões monetárias”, diz, embora faça questão de acrescentar que “enquanto continuar a existir vontade política, o euro continuará a existir”. O problema, segundo o economista, é que estão a ser pedidas correcções orçamentais gigantescas aos países com problemas de dívida que, segundo o próprio, poderão durar uma década. Um cenário que poderá enfraquecer a vontade política de manter a união monetária. “Temo que Portugal também tenha de passar por esse processo. Parece-me certo a seguir à Irlanda”, adiantou ao i, no final da sua intervenção.
Lógica de matilha? Nos últimos meses tem sido questionado se existem realmente razões para a subida asfixiante das taxas de juro, tendo sido referido por alguns economistas que se trata de uma onda especulativa de investidores que estão a ganhar muito dinheiro com a crise. Massimo Tosato, vice-presidente da Schroders, admite que alguns investidores têm lucrado, mas não aceita que seja esse o problema. “Fazemos dinheiro onde vemos que é possível. A especulação não é o problema. O problema são os desequilíbrios orçamentais. Simplesmente há quem esteja a aproveitar isso para fazer dinheiro”, afirmou ao i, à margem da conferência.
Recuperação e guerra de divisas Os cortes radicais nas taxas de juro e a inundação do mercado com liquidez podem ter prevenido uma recessão mais profunda, mas não deram origem a uma recuperação sólida como se chegou a esperar. Actualmente, com os estados a cortarem no investimento e as famílias mais avessas a gastar, de onde virá o crescimento? Para Keith Wade, terão de ser as empresas a puxar pela economia. E têm condições para o fazer. O economista-chefe da Schroders referiu que os lucros das empresas têm disparado, principalmente devido a um pico de rentabilidade, sustentado nos ajustes de custos que a crise obrigou a fazer, nomeadamente com pessoal. “Esperamos que as empresas voltem a contratar. É um processo que já está a acontecer.”
Durante a sua intervenção, o economista adiantou que não espera uma subida das taxas de juro nos EUA e na zona euro durante 2011, nem que se confirme um cenário de nova recessão. No entanto, expressou bastantes dúvidas em relação à estratégia do governo norte-americano de injectar uma nova enorme quantidade de liquidez no mercado, que terá como consequência a desvalorização do dólar, beneficiando as exportações dos EUA. Uma intenção que a administração Obama tem negado. “É uma treta quando dizem que não é para o dólar. É para o dólar. Se os EUA desvalorizarem a moeda, será muito difícil para a China manter o yuan subvalorizado. Se não o deixarem valorizar, terão problemas de inflação e criação de bolhas. Parece-me que assistiremos a uma valorização progressiva [da moeda chinesa].” Público

"Este continente não é para nómadas"

por A-24, em 14.09.10
É raro falar-se dos Irish Travellers, uma população nómada de origem histórica e dimensão incertas, espalhada sobretudo pela Irlanda, mas presente um pouco por toda a parte na Grã-Bretanha e até nos Estados Unidos, que recusa ser considerada um grupo étnico distinto e, muito menos, identificada como cigana.


Os Irish Travellers não podem ser expulsos para paragens longínquas porque não lhes tiram a nacionalidade, mas ninguém os quer por muito perto: compram terrenos, pedem licenças de construção que são recusadas, continuam a viver em roulottes e propõem-lhes alojamento espalhados por vários prédios, o que eles recusam porque a solução não se adapta ao seu modo de vida em comunidade.As crianças vão às escolas do bairro e as pessoas têm acesso aos centros de saúde, mas os seus acampamentos estão sempre sob a ameaça de serem arrasados com bulldozers, como agora em Hovefields, no Sudeste de Inglaterra. 

Trata-se apenas de sete famílias, mas sabe-se que Hovefields é uma espécie de ensaio geral para a maior expulsão da história do Reino Unido, a ser concretizada durante as próximas três semanas: mil Irish Travellers de Dale Farm, uma localidade relativamente próxima.A Europa liofilizada que não suporta aqueles que não utilizam os seus locais de habitação «selon lens bons principes de la bourgeoisie», como estabelecia o manual de condóminos do prédio em que morei três anos, em Bruxelas, em finais da década de 80…

in "Entre as brumas da memória"