Duquesa de Alba (1926-2014), a última aristocrata de Espanha
por A-24, em 21.11.14
Já nem os reis dão aos filhos nomes assim, tão compridos e tão cheios de referências históricas — María del Rosario Cayetana Alfonsa Victoria Eugenia Francisca. Mas a duquesa era personagem de outra era, mesmo tendo passado a vida a querer ser moderna. O povo gostava dela por isso, pela ilusão de que vivia em dois lados. Cayetana, a duquesa de Alba que morreu na madrugada de quinta-feira, era tradicional por dentro e cool por fora, conservadora nos valores e contemporânea nas atitudes.
Nos obituários, a imprensa chamou-lhe "mítica" — nesta Espanha de monarquia manchada (até por escândalos de corrupção) e que tenta reencontrar um sentido para a sua existência, Cayetana, a duquesa feudal que chegou ao século XXI, sobressaía ainda mais. Era a última de uma estirpe irrepetível, era uma das últimas representantes da grande aristocracia espanhola.
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Imagen de Cayetana de Alba en su juventud publicada en el libro 'Yo Cayetana' |
Por ser mulher, não se envolveu na política, como o pai e o primeiro marido, Luis Martínez de Irujo y Artázcoz. Para a duquesa, herdeira única de uma das mais importantes casas nobres, de um património riquíssimo — diz o povo que não é possível atravessar Espanha de cima a baixo ou de lado a lado sem que não se pise terras de Alba — e de uma fortuna colossal, restava, como a todas as mulheres do seu tempo e condição, a vida social. Foi nesta área que Cayetana se distinguiu das outras mulheres e foi ganhando, década após década, outro género de títulos. "Duquesa rebelde", por exemplo. As suas causas e modo de vida foram-lhe granjeando a simpatia popular e outro título: “aristocrata de rua”, por parecer estar tão próxima do povo como da classe em que nasceu.
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Boda de la duquesa de Alba, Cayetana Fitz-James Stuart, con Luis Martínez de Irujo en octubre de 1947 |
Foi esta separação — entre alguém importante e alguém popular — que o ministro da Justiça, Rafael Catalá, quis fazer quando lhe chamou “personagem importante” de Espanha. E que o presidente do Governo, Mariano Rajoy, acentuou nas condolências que enviou à família, ao dizer que Cayetana e “a sua Casa” “são imprescindíveis para compreender a História de Espanha e da Europa”.
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1970's |
Cayetana de Alba nasceu no dia 28 de Março de 1926 no Palácio de Liria, em Madrid. Apesar de o pai ser 22 anos mais velho do que a mãe, esta morreu primeiro, tuberculosa, quando a rapariga tinha apenas oito anos. O pai, contou a duquesa no livro autobiográfico Eu, Cayetana (Alethëia Editores), educou-a “com a mesma severidade com que educaria um rapaz”.
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Cayetana fotografiada en su casa de Madrid el 23 de enero de 1961. |
A educação e o estatuto, revela no livro, deram-lhe a melhor de todas as armas. “Desde pequena que sempre tive uma grande autoconfiança. (...) Não posso dizer se fui bonita — não sou eu que tenho de o afirmar —, mas sei que sou atraente, interessante, diferente. Posso parecer excessiva, mas a falta de modéstia aborrece-me.”
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La duquesa de Alba junto a su hija, Eugenia, en los jardines del Palacio de Dueñas, en Sevilla, en 1973. |
Cayetana casou-se três vezes. O pai, Jacobo Fitz-James Stuart y Falcó, o 17.º duque, escolheu Luis Martínez de Irujo y Artázcoz, aristocrata, industrial e conselheiro de Estado, para marido da filha e, aos 21 anos, a rapariga que tinha vivido em Inglaterra e convivido com uma aristocracia mais moderna e mundana do que a espanhola, fez-lhe a vontade, pondo de lado a paixão arrebatada e nunca escondida por sentia por um toureiro sevilhano, Pepe Luis Vázquez. Touros e Sevilha foram paixões constantes da duquesa, que rejubilou quando a única rapariga entre os seus seis filhos, Eugenia, se perdeu de amores por um toureiro, Francisco Rivera, e com ele se casou. O casal divorciou-se, um dos desgostos de vida de Cayetana, que gostava de dizer que era uma mulher à frente do seu tempo, mas se insurgia ferozmente contra o divórcio — e contra o aborto. “Sempre fui católica, mas sem ser beata. Não há incompatibilidade nenhuma entre ser boa católica e ser moderna. Desde pequena que andei sempre à frente do meu tempo, e continuo a andar.”
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La duquesa de Alba espera para saludar a Plácido Domingo y Patricia Wise tras la representaciónd de Lucía de Lammermour en Madrid en 1981 |
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Los duques de Alba, Cayetana y Jesús Aguirre, posan acompañados por Cayetano Martínez de Irujo en su casa de San Sebastián en julio de 1986 |
Luis Martínez de Irujo morreu de leucemia 25 anos depois de se casar. Nos anos que se seguiram, relatam as crónicas de vida de Cayetana, agora republicadas, a duquesa centrou-se na educação dos filhos. Mas um dia encontrou o verdadeiro amor, perturbando a ordem do grupo social em que se movia e alimentando a já poderosa imprensa cor-de-rosa espanhola.
A duquesa apaixonara-se, e era correspondida, por um ex-padre jesuíta, Jesus Aguirre, a quem Cayetana chamou, vezes sem conta, “alma gémea”. A duquesa deu um pontapé nas convenções e casou-se com o ex-padre que viria a morrer em 2001.
“Não me meto na vida de ninguém, não se metam na minha”, disse Cayetana muitos anos depois, quando, para preocupação dos reis — Juan Carlos e Sofia — e inquietação dos filhos, a duquesa se apaixonou por Alfonso Díez, funcionário público duas décadas mais jovem. As crónicas dizem que a duquesa falou com os reis sobre o seu desejo de se casar e que Sofia, a rainha, lhe deu um conselho: “Pense bem.”
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Boda de la duquesa de Alba, Cayetana Fitz-James Stuart, con Jesús Aguirre, en el Palacio de Liria de Madrid, el 16 de marzo de 1978 |
O encontro com Sofia foi mero protocolo, a decisão estava tomada. Cayetana decidira casar-se e pagar o preço. Ela aceitou repartir o património e os títulos pelos filhos. Alfonso aceitou — segundo a imprensa espanhola — uma renda de dois mil euros mensais até ao fim da vida como única compensação financeira. “Na minha idade, ninguém se casa por dinheiro”, disse o noivo numa entrevista recente, a última que Cayetana concedeu para dizer que estava feliz. “Estou convencida de que sem amor não se pode viver. Pode-se, mas muito mal”, escreveu Cayetana no último livro que escreveu, O Que a Vida Me Ensinou, uma colectânea de pensamentos sobre amor, amizade, família, estilo e moda, o Natal e outros assuntos diversos (ed. Pergaminho).
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La duquesa de Alba se arranca por sevillanas durante su visita a la cárcel de mujeres de Alcalá de Guadaira, Sevilla, en mayo de 2002 |
Numa família como os Alba, o futuro do património não é assunto que se resolva numa tarde e Cayetana negociou com os filhos um par de anos, antes de se poder casar, para seu próprio júbilo e do povo que, como em 1942, a foi ver vestida de noiva e para quem, à porta do palácio de Dueñas, Cayetana dançou sevilhanas.
A história dos Alba é muito antiga. Herdeira de um ramo ilegítimo dos Stuart escoceses, a família tem origens na nobreza castelhana do século XIV. Começam a ganhar notoriedade e poder na corte e, em 1429, os Álvarez de Toledo recebem de Enrique II de Castela o senhorio de Alba de Tormes. Ao longo de séculos, os Alba acumulam 45 títulos nobiliárquicos (cinco ducados, um condado-ducado, 20 condados, um vice-condado e 18 marquesados); Cayetana era a titular de todos, a pessoa com mais títulos do mundo.
A história dos Alba está ligada a Portugal através de Fernando Álvarez de Toledo y Pimentel, conhecido como o grã-duque, que venceu as tropas portuguesas na Batalha de Alcantara e deu a coroa portuguesa a Filipe de Espanha. O duque, recompensado com mais um título (12.º condestável de Portugal), morreria em Lisboa em Dezembro de 1582.
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La duquesa de Alba pide la oreja para el novillero Cayetano Rivera Ordóñez durante la corrida mixta celebrada en La Maestranza de Sevilla el 1 de mayo de 2006 |
À fortuna, terras, palácios e herdades, os Alba — sobretudo a partir do grã-duque — juntaram um património artístico incomparável. “Acompanhei sempre o meu pai nas muitas decisões sobre a ampliação das obras de arte do património dos Alba, uma tradição imposta na Casa desde a sua fundação”, explicou a duquesa, que foi amiga de artistas na sua fase boémia e que Picasso quis retratar, numa reinterpretação da Maja. O primeiro marido, Luis, não gostou e a duquesa recuou no desejo de replicar a vida de María del Pilar Cayetana de Silva-Alvarez de Toledo, sua tetravó e modelo de Francisco Goya em A Maja vestida e A Maja despida. Nas paredes dos palácios dos Alba acumulam-se, literalmente, obras de Goya, Tiziano, El Greco, José de Ribera, Chagall.
Rodeada de alguns deles, na sua casa favorita de Sevilha, o Palácio de Dueñas, morreu Cayetana, na madrugada de quinta-feira. As últimas semanas de vida passou-as, doente, em casa com o marido a ver filmes antigos; gostava especialmente de E Tudo o Vento Levou. Já no hospital, quando a gastroenterite deu lugar à insuficiência respiratória e à arritmia cardíaca, pediu para voltar para casa. Fizeram-lhe, pela última vez, a vontade. Cayetana de Alba morreu como viveu — como quis, aos 88 anos.
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Cayetana, duquesa de Alba, lanza un beso al aire, durante su boda con su tercer marido, Alfonso Díez, el 5 de octubre de 2011. |
Fotos: El país