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A-24

Fortuna, Jugoslávia, Dinamarca e jogar em casa.

por A-24, em 27.11.14
Raquel Vaz-Pinto via Malomil

O futebol de hoje é um desporto altamente profissional em que nada é deixado ao acaso. Jogar ao mais alto nível implica, para além do aperfeiçoamento técnico, preparação física e mental, treinos infindáveis com jogadas, transições, posicionamento táctico e marcações. A evolução da equipa técnica é disso um excelente reflexo. Se olharmos para o Bayern Munique a equipa de Pep Guardiola conta com dois treinadores adjuntos, um treinador para guarda-redes, cinco fisioterapeutas, uma unidade médica com quatro profissionais, incluindo um especialista em cardiologia, e três preparadores físicos. Claro que ainda faltam os «observadores» que fazem a prospecção e a análise de jogadores e muitos, muitos mais. Guillem Balague na sua biografia sobre o treinador catalão revela que a equipa técnica era constituída por mais de vinte pessoas.

Um dos aspectos mais reveladores da rigorosa preparação a que os jogadores estão sujeitos é o «treino mental». É muito importante prepará-los para uma época muito intensa e longa (alguns diriam excessiva) que começa em Agosto e termina em Junho. Este ano, a nível de clubes tudo acaba na primeira semana de Junho com a final da Liga dos Campeões em Berlim e, uma semana depois, temos a sexta ronda do apuramento para o Euro 2016. A preparação «mental» é talvez o aspecto mais difícil de trabalhar e nem todos conseguem chegar ao nível de concentração total do Chelsea de Mourinho ou do Atlético de Madrid de Simeone. Se é certo que a equipa de Simeone tem tido um arranque de época mais irregular ninguém tem dúvidas que em campo farão jus ao lema dos colchoneros: «juega cada partido como si fuera el último».



Para além de tudo isto há ainda aquele elemento a que chamamos… sorte ou azar. Desde sempre a humanidade tem tentado lidar com o imprevisível. Os antigos gregos apelavam a Tychee os romanos à deusa Fortuna. Talvez o romano que melhor tenha personificado a Fortunaseja Júlio César como nos descreve Adrian Goldsworthy na sua excelente biografia. Talvez influenciada pelo jogo de apuramento para o Euro 2016 entre a Sérvia e a Dinamarca de sexta-feira lembrei-me do Campeonato Europeu de 1992. E, pensando bem, não há melhor exemplo da Fortunano futebol. A Jugoslávia foi ao longo da sua história uma boa escola de futebol (vice-campeões europeus em 1960 e 1968) e no início dos anos noventa tinha uma equipa extraordinária. Desde logo os seus jogadores tinham sido campeões mundiais sub-20 em 1987. No Chile brilharam talentos como Robert Prosinecki e Davor Suker. E no Campeonato do Mundo de 1990 os jugoslavos deixaram uma excelente impressão perdendo nos quartos-de-final com a selecção argentina e…nos penaltis.
 

Este poderio jugoslavo também encontrou expressão na final da Taça dos Clubes Campões Europeus de 1991 em que o Estrela Vermelha de Belgrado bateu o Marselha. O grande jogador jugoslavo era Robert Prosinecki. Por tudo isto muitos apontavam a Jugoslávia como sendo uma das favoritas à vitória no Euro 1992. No entanto, a equipa jugoslava foi uma das muitas vítimas de uma guerra civil de tal maneira brutal e cruel que levou à criação de um tribunal internacional para julgar as atrocidades cometidas. Após a morte do ditador Tito em 1980 a Jugoslávia tinha-se vindo a tornar cada vez mais uma «mera» associação de várias nações. A tentativa de fomentar o nacionalismo sérvio sob a liderança de Slobodan Milosevic foi a gota de água para os croatas, bósnios, eslovenos, macedónios, kosovares e montenegrinos.


O fim da Jugoslávia significou o fim de uma grande selecção. A qualidade dos seus jogadores e em especial o terceiro lugar da Croácia no Mundial de 1998 levou muitos a pensar o que a selecção «jugoslava» teria sido capaz de alcançar. Ainda hoje são muito frequentes os comentários televisivos e na imprensa sobre esta selecção imaginária. Aliás todos os anos em que temos Campeonatos da Europa ou Mundial a pergunta vem à superfície: e se a equipa de futebol jugoslava ainda existisse? É realmente muito tentador imaginarmos uma selecção com os bósnios Edin Dzeko do Man. City, Miralem Pjanic da Roma e Sened Lulic da Lazio, o montenegrino Stevan Jovetic e o sérvio Koralov do Man. City, os sérvios Ivanovic e Matic do Chelsea, o esloveno Valter Birsa do Chievo, e os croatas Mário Mandzukic do Atletico de Madrid, Ivan Rakitic do Barcelona, Luka Modric do Real Madrid, Mateo Kovacic do Inter ou Danijel Subasic do Mónaco. A este conjunto de estrelas teríamos também que acrescentar jogadores cujas famílias fugiram do conflito e que adoptaram a nacionalidade do país onde vivem. Na selecção suíça temos, por exemplo, Xherdan Shaqiri que joga no Bayern de Munique, Blemi Dzemaili que este ano alinha pelo Galatasaray e Valon Behrami no Hamburgo. Mas tendo em conta todo este talento tenho a certeza que a «Jugoslávia» seria uma forte candidata a ser campeã da Europa e do Mundo.
Sorte diferente teve a selecção chamada a substituir a Jugoslávia no Campeonato da Europa em 1992: a Dinamarca. O pedido oficial chegou apenas dez dias antes do começo do campeonato e embora a selecção dinamarquesa estivesse de sobreaviso, tiveram pouco tempo para se preparar «à séria». A sua participação no campeonato realizado nos vizinhos (e rivais) suecos fez de facto história: a Dinamarca foi campeã da Europa. Este feito deixou todos os que assistiram a esta prova incrédulos sobretudo se pensarmos que a selecção dinamarquesa não contava com a sua grande estrela, Michael Laudrup, e também na qualidade das outras equipas como a francesa, alemã e holandesa. Como foi possível? Desde logo a enorme capacidade colectiva e os talentos que sobressaíram nesta prova. Há muitos exemplos mas destacaria o guarda-redes Peter Schmeichel que teve na final contra a Alemanha o jogo da sua vida. Como nos diz a própria UEFA Schmeichel defendeu tudo o que havia para defender. A fotografia de um dos heróis dinamarqueses, Brian Laudrup, com as mãos na cabeça fala por si só.

Dinamarca, campeã da Europa em 1992
Como foi possível? Eu diria que o factor crucial, para além do talento e profissionalismo, foi a gestão das expectativas. Dito de outra forma, ninguém estava à espera que uma selecção repescada sequer passasse da primeira fase. E por isso me parece que jogar sem qualquer tipo de pressão fez toda a diferença. À medida que iam vencendo os jogos os jogadores dinamarqueses foram ganhando uma enorme confiança mas sem pensarem seriamente na possibilidade de serem campeões. E em matéria de expectativas também se fala muitas vezes do factor «casa», ou seja, que as selecções anfitriãs dos campeonatos do mundo e da Europa contam com um factor adicional: o factor público. Será mesmo assim? Ou é um factor extra de pressão para os jogadores? Se olharmos para a história destas duas provas internacionais temos respostas diferentes. Das vinte vezes que o Campeonato do Mundo foi organizado só seis vezes a equipa anfitriã foi vitoriosa. Aliás jogar em casa para o Brasil tem sido uma … tragédia. Das duas vezes que o Brasil organizou esta prova perdeu a final no Maracanã perante o Uruguai em 1950 e este ano aquela meia-final com a Alemanha…

Pelo contrário, o Uruguai e a Argentina foram vencedores, respectivamente em 1930 e 1978. E se olharmos para os países europeus temos a Itália que venceu em 1934 e nem chegou à final em 1990. O mesmo aconteceu com a França e a Alemanha que, respectivamente, não chegaram à final de 1938 e 2006 mas venceram em 1998 e 1974. Já a Inglaterra foi vitoriosa em 1966 (infelizmente para nós…). E em relação ao Campeonato da Europa? Das catorze edições da prova apenas três foram ganhas pela equipa anfitriã: Espanha em 1964, Itália em 1968 e França em 1984. E tirando Portugal em 2004 nenhuma das restantes equipas anfitriãs chegou à final.
O futebol, tal como todas as actividades humanas, não é imune à Fortuna. E é justamente essa imprevisibilidade que o torna ainda mais apaixonante.

Londres, uma capital europeia

por A-24, em 23.11.14
João Marques de Almeida

Londres respeita ainda a diversidade de todos, como por exemplo não acontece em Bruxelas. Aí a pressão é enorme para a uniformidade, a homogeneidade. Em Londres, celebra-se o pluralismo e a diferença.

Passei o fim de semana em Cornwall, no sudoeste de Inglaterra, onde fui fazer surf, em duas belas praias com boas ondas: Watergate Bay e em Polzeath. Na última noite, dormi num chamado “hotel de charme” numa pequena vila, Rock. Cheguei ao bar, antes de jantar, e encontrei um empregado português, Agostinho (“aqui, chamam-me Gusto; ninguém consegue dizer Agostinho”). Está há cerca de um ano a trabalhar no hotel e já é o chefe do bar/restaurante (“fui promovido a manager no Verão”). O orgulho do Gusto foi ter acrescentado vinhos portugueses à lista do restaurante. Sei que há portugueses em todo o lado, mas quando os encontramos onde e quando menos se espera, é uma alegria. Inevitavelmente, falámos de futebol. E embora estejamos em lados opostos, temos uma coisa em comum. Ele é do Porto (cidade) e benfiquista; eu sou de Lisboa e portista. Mas ontem à noite, em Cornwall, nem isso nos dividiu.

Outro português, o Jorge, serviu o pequeno-almoço. A pressa e a hora (demasiado cedo) impediram-me de socializar, mas bebi o melhor café do fim de semana (“vou tirar-lhe uma bica como deve ser”). Já em Londres, fui almoçar à minha “cantina”, o Fino’s; um restaurante italiano, onde trabalha um português há trinta anos, um galego (com quem falo em português), italianos e gregos. Mais do que italiano, é um restaurante do sul da Europa, onde nos sentimos em casa, com um prato do dia cozinhado em forno de lenha.

Londres está cheia de restaurantes, cafés e bares, onde se misturam empregados (normalmente estudantes) e clientes de toda a Europa. Polacos, bálticos, russos, alemães, escandinavos, gregos, franceses, italianos, espanhóis, portugueses, irlandeses e mesmo ingleses. Vieram todos à procura do que não tinham no seu país, ou simplesmente de novas aventuras, mas todos se sentem bem em Londres. E Londres tornou-se uma cidade muito mais interessante por causa de todos os que chegaram. Só o UKIP não entende isso.

Londres respeita ainda a diversidade de todos, como por exemplo não acontece em Bruxelas, outra cidade que conheço bem. Em Bruxelas, há uma pressão enorme para a uniformidade, para a homogeneidade. Em Londres, celebra-se o pluralismo e as diferenças. Não deixa de ser irónico, que no momento em que o Reino Unido para afastar-se cada vez mais da Europa, Londres seja cada vez mais Europeia. Parafraseando Lenine, ou Trostky, já não me lembro (mas estou certo que um dos leitores/comentadores me ajudarão), muitos europeus escolheram com os pés, e mudaram-se para Londres. Fizeram dela a verdadeira capital da Europa, e deram-lhe um novo charme.

A fé dos fundamentalistas

por A-24, em 01.11.14
Vitor Rainho


É uma verdade indesmentível: nunca tantos tiveram acesso a cuidados de saúde, água e educação como agora. O mundo evoluiu muito, criando, no entanto, grandes desigualdades sociais. E são essas que estão na origem de alguns conflitos, embora os ‘confrontos’ mais radicais se fiquem a dever a questões religiosas. 
Na Arábia Saudita, por exemplo, as mulheres são apedrejadas se forem apanhadas a conduzir. Estará o Ocidente interessado em permitir o mesmo?
A cada dia que passa aumenta a distância entre o mundo ocidental e o oriental, havendo como que uma espécie de pré-aviso de guerra santa. Não que a maioria dos muçulmanos se reveja nos fundamentalistas que estão a ganhar espaço em países como o Iraque e Síria. Mas parece que os novos ‘bin ladens’ não vão querer parar nos seus califados e tudo farão para vergar a forma de vida ocidental. 
Nessa cruzada não são só os católicos que estão em perigo, bem pelo contrário. É a forma de vida mais libertina que está debaixo de fogo de homens que matam sem dó nem piedade.
Como se enfrenta alguém que tem tanto ódio? É permitindo que as suas ‘reivindicações’ se alastrem à Europa? Deixando que mulheres se vistam de burcas e não tenham direitos fundamentais aos olhos da nossa cultura? 
França e Bélgica deram o pontapé de saída na discussão que se adivinha bem mais acalorada nos próximos tempos. Os dois governos proibiram o usos de burcas e outras vestimentas que cubram o rosto das mulheres. O Tribunal Europeu dos Direitos do Homem já veio dar razão às medidas adoptadas pelos dois países, utilizando argumentos pouco consentâneos com os princípios democratas. Mas é uma medida necessária no combate ao terrorismo – nunca se sabe quem se esconde por baixo de um pano?
Será a segurança uma das razões por detrás desta medida? Parece-me que não, apesar de concordar com ela. Parece-me óbvio que estamos perante uma tentativa de dizer que nas nossas sociedades as mulheres têm os mesmo direitos que os homens, ninguém é dono de ninguém e a liberdade é um bem muito precioso. Só que ninguém o poderá assumir. Há coisas que se fazem, mas não precisam de ser ditas. Repare-se, por exemplo, na medida preparada pelo Governo norueguês no combate aos mendigos profissionais do Leste: proibir a mendicidade... Quantos noruegueses estão nessa situação? Sete...

As verdades do Presidente da Bielorrússia

por A-24, em 20.10.14
José Milhazes


Mas será que a Rússia irá repetir a história da URSS? São cada vez mais os que receiam que isso aconteça, o que nada trará de bom para a Europa e o mundo.
É fácil não se gostar do Presidente da Bielorrússia, Alexandre Lukachenko, mas convém estar atento ao que ele diz relativamente às relações entre os estados do antigo espaço soviético.
Sábado, numa conferência de imprensa para jornalistas russos, o homem que dirige o seu país com mão de ferro e levou o seu país para a União Alfandegária, que engloba também a Rússia e Cazaquistão, fez algumas declarações que se fossem pronunciadas por um político russo, este seria imediatamente rotulado de “traidor”.
Lukachenko, por exemplo, considerou que Victor Ianukovitch, antigo Presidente da Ucrânia, foi derrubado por culpa própria. “Ele e os seus companheiros financiaram o “Sector de Direita”, porque este era alegadamente contra Iúlia [Timochenko]. Perdeu a orientação… e criou uma força que o destruiu depois”, afirmou ele.
O “Sector de Direita” é uma organização política de extrema-direita que participou nos distúrbios que levaram à queda de Ianukovitch. A sua participação nos acontecimentos foi um dos argumentos que levou à intervenção da Rússia na Crimeia e no Leste da Ucrânia a pretexto de defender as “populações russófonas” dos “fascistas” e “nazis”.
As sondagens apontam para que os partidos de extrema direita não elejam deputados nos círculos maioritários, mas a propaganda de Moscovo continua a colocar toda a população do centro e ocidente da Ucrânia entre os “fascistas”.
“Não acreditem que no Ocidente da Ucrânia vivem fascistas e nazis” e, no Oriente, os “nossos”. Em toda a parte há pessoas normais, mas em ambas as partes não há famílias sem abortos”, frisou Lukachenko.
É importante assinalar que Lukachenko acusa também Victor Ianukovitch, que diz ser “antigo grande amigo”, que ele e a sua corte foram os iniciadores do ódio dos ucranianos para com os russos.
“Foi criada uma terrível posição anti-russa no interior do país. Devido aos altos preços do gás, passaram a odiar os russos e o Presidente. E no Leste havia disposições semelhantes. Isso foi criado pelo poder”, acrescentou.
Claro que o Presidente bielorrusso considera que o derrube de Ianukovitch foi um “golpe anticonstitucional”, mas reconhece uma coisa que Moscovo continua a negar contra todas as evidências: “sem o apoio da Rússia as “repúblicas” auto-proclamadas não existiriam no leste da Europa. “Sejamos honestos, sem a Rússia, essas repúblicas teriam já os dias contados”, precisou.
Ao terminar a sua intervenção, Lukachenko manifestou a opinião de alguns analistas de que o Kremlin se deixou cair numa ratoeira ao atacar a Ucrânia: “Aí [no Leste da Ucrânia], ninguém além da Rússia, vai lutar de um lado. Do outro lado, nenhum dos jogadores globais irá combater. Por exemplo, a América jamais avançará para um confronto direto. Mas alguns estados e blocos estão muito interessados em que nos matemos uns aos outros com as próprias mãos”.
A Crimeia e o Leste da Ucrânia tornam-se num fardo insuportável para a economia russa, tanto mais que a desvalorização do rublo é diária, o preço do petróleo continua a descer nos mercados internacionais, a fuga de capitais aumenta, começam a ser reduzidos os investidos nas esferas social e educativa, sendo só aumentados os gastos militares.
Mas será que a Rússia irá repetir a história da URSS? São cada vez mais os que receiam que isso aconteça, o que nada trará de bom para a Europa e o mundo.

Porque é que o ISIS decapita os reféns?

por A-24, em 17.10.14
Rui Ramos

O apelo do Estado Islâmico – “jihadi cool” -- acabará apenas no dia em que for militarmente destruído, ou quando um novo “califa” optar pela banalidade da moderação.
O Estado Islâmico no Iraque e na Síria (ISIS) não parece fazer sentido para os ocidentais. O ISIS avançava no terreno. Porque é que, com a perseguição às comunidades religiosas no Iraque e a decapitação de jornalistas, deu aos governos ocidentais o pretexto para intervir? E agora, sob as bombas, porque é que não se faz de vítima inocente como o Hamas em Gaza?
A tendência natural é para pensar que o ISIS é simplesmente demente e apocalíptico. Talvez seja. Mas nem por isso deixa de ter razões para fazer o que faz. O ISIS não enfrenta Israel, mas inimigos fracos. Interessa-lhe, portanto, não a reputação de vítima, mas a fama de potência violenta e implacável, adequada para desmotivar qualquer resistência. Por outro lado, o ISIS é o resultado de enxertos de gente de procedência vária. O terror é-lhe útil. Cria o que Tucídides chamava a “comunhão na culpa” entre a sua tropa heteróclita. Limita contactos com o inimigo e, em consequência, as mudanças de campo frequentes nas guerras da região. E a intervenção ocidental, desde que limitada, ajuda-o a retratar os seus adversários como fantoches americanos.
O ISIS sabe também que o Ocidente não são só aviões, drones, e mísseis. O poder do Ocidente é feito de consumos e de costumes. Para o projecto do ISIS de retornar aos tempos proféticos, essas coisas não são menos letais. Convém-lhe uma muralha da China feita de sangue, que exclua quaisquer intercâmbios. Os shoguns do Japão no século XVII, para se protegerem da influência ocidental, também optaram pela pornografia dos sacrifícios humanos, martirizando sistematicamente todos os missionários e convertidos. Resultou: a ilha manteve-se mais ou menos isolada até uma armada americana, no século XIX, forçar as portas.
Com o ISIS, não haverá cenas como a da visita de Jane Fonda a Hanói em Julho de 1972. Todos os ocidentais sabem que o seu destino no Estado Islâmico é acabar de joelhos no deserto, com um pijama cor-de-laranja. Sejam jornalistas ou “trabalhadores humanitários”, cristãos ou muçulmanos (como o convertido Peter Kassig), de direita ou de esquerda – é indiferente. Para o califado, somos todos a mesma coisa, todos igualmente capazes de introduzir o vírus de uma civilização materialista no reino do profeta.
Como é que então o ISIS atrai jovens combatentes no Ocidente? A imprensa ocidental não tem parado de se pasmar. Mais uma vez, sem razão. Os jovens recrutas ocidentais do ISIS aderem, não apesar da barbárie, mas precisamente por causa da barbárie. No Ocidente, os revolucionários e os tradicionalistas ficam-se por escrever teses de doutoramento ou falar ao megafone em manifestações autorizadas. O ISIS, não. O ISIS tornou reais o niilismo e a selvajaria que no Ocidente estão geralmente confinados à elaboração intelectual ou aos jogos electrónicos. Para quem pretenda desligar-se da moderna civilização ocidental, até para perversamente poder satisfazer um dos anseios dessa mesma civilização, o de sobressair e ser notado, o ISIS faz sentido.
A sedução do extremismo e da intolerância não nos deveria surpreender. A perseguição aos judeus não afastou ninguém dos Nazis e as denúncias do Gulag nunca perturbaram a popularidade de Estaline no Ocidente. O Nazismo só perdeu o encanto quando perdeu a guerra, e a União Soviética, quando os sucessores de Estaline renegaram os seus crimes. O apelo do Estado Islâmico – “jihadi cool” — acabará apenas no dia em que for militarmente destruído, ou quando um novo “califa” optar pela banalidade da moderação. No que diz respeito à história da humanidade, o ISIS não é uma nova lição: é uma revisão de matéria dada

A secessão de um país depende do tamanho do seu território?

por A-24, em 09.10.14
Via Instituto Ludwig Von Mises

Quando eu ainda era um mero aluno de faculdade vivendo em Montreal, o Quebec já estava pleiteando sua secessão do Canadá. Foi uma época intelectualmente empolgante, especialmente para um americano como eu, que sabe que, caso o mesmo debate ocorresse nos EUA, as ferrovias que vão para o estado secessionista seriam destruídas e sua população seria esfaimada.
Agora que a Escócia está planejando fazer o mesmo, seria legal açular novamente as controvérsias, só que em termos puramente econômicos.
Em 1995, a pergunta era se Quebec deveria se separar da Confederação Canadense. As emoções falaram mais alto. Um dos líderes secessionistas argumentou, imprudentemente, que a vitória do "Sim" faria com que todos os demais eleitores canadenses se sentissem como "lagostas jogadas na água fervente". Açulando ainda mais os nervos estavam os federalistas alertando sobre um iminente caos econômico, político e monetário em caso de secessão. No final, o voto foi incrivelmente apertado: 49,4% votaram pela secessão; 50,6% votaram pelo não.
Com a Escócia indo às urnas semana que vem para decidir se irá ou não se separar do Reino Unido, o tom da campanha, novamente, é de paixão e emoção. E os secessionistas, novamente, já estão se aproximando do valor mágico dos 50%. Mas isso ainda não é o suficiente para abrir aquela garrafa de malte: até o momento, as casas de aposta em Londres ainda estão pagando 4 para 1 contra a vitória dos secessionistas. (O que significa que, se você apostar uma libra na vitória da secessão, você ganhará 4 libras caso sua aposta seja a vencedora).

Mas, ainda assim, a secessão permanece uma possibilidade real.

Um dos principais debates é sobre se a Escócia é pequena demais ou insignificante demais para se tornar independente. Durante o referendo de Quebec ocorreu um debate praticamente idêntico, com os secessionistas argumentando que o Quebec possuía uma população maior que a da Suíça e um território maior que o da França, ao passo que os federalistas preferiam comparar Quebec aos EUA ou ao "resto do Canadá" para mostrar sua insignificância.

Em uma curiosa coincidência, a Escócia de 2014 e o Quebec de 1994 têm praticamente a mesma população: entre 5 e 6 milhões de pessoas. Isso é praticamente o mesmo que a Dinamarca ou a Noruega, e meio milhão a mais que a Irlanda. Mesmo em termos territoriais, a Escócia se impõe: praticamente o mesmo tamanho da Holanda e da Irlanda, e três vezes maior que a Jamaica. O fato de Irlanda, Noruega, Holanda e Jamaica serem considerados países de tamanho sustentável é apenas mais um ponto em prol dos separatistas.

Portanto, ser pequeno é possível. Agora, é uma boa ideia?

A resposta, talvez um tanto surpreendente, é um retumbante "sim!". Ao menos estatisticamente. Por quê? De acordo com os números do World Bank Development Indicators (Indicadores de Desenvolvimento do Banco Mundial), dentre as 45 nações soberanas da Europa, os países pequenos são quase duas vezes mais ricos que os países grandes. A diferença da riqueza per capita entre os 10 maiores e os 10 menores é de 84% quando se considera toda a Europa, ou 79% quando se considera somente a Europa Ocidental.
Trata-se de uma diferença abismal. Para colocar um pouco de perspectiva, uma diferença de riqueza de 79% é a diferença entre a Rússia e a Dinamarca. Isso é impressionante quando se considera as similaridades históricas e culturais dentro da própria Europa Ocidental.
Mesmo entre as nações de mesmo idioma, as diferenças são gritantes: a Alemanha é mais pobre, em termos per capita, do que as pequenas nações que também falam alemão (Suíça, Áustria, Luxemburgo e Liechtenstein); a França é mais pobre, em termos per capita, do que as pequenas nações que falam francês (Bélgica, Andorra, Luxemburgo, Suíça novamente, e, é claro, Mônaco). Até mesmo a Irlanda, que foi durante séculos devastada pelos ingleses belicistas, é hoje mais rica do que seus senhores do Reino Unido, que possui um território 15 vezes maior.
Por que isso ocorre? Há duas razões. A primeira é que os governos de países menores tendem a ser mais suscetíveis às demandas de sua população e mais intimidados por ameaças de emigração. Quanto menor o país, mais forte tende a ser a reação da população a políticas insensatas, e consequentemente mais sensatas tendem a ser as políticas adotadas por seus governos. Ideias ruins tendem a ser corrigidas mais precocemente. 

Como explicou Hans-Hermann Hoppe:

Governos pequenos possuem vários concorrentes geograficamente próximos. Se um governo passar a tributar e a regulamentar mais do que seus concorrentes, a população emigrará, e o país sofrerá uma fuga de capital e mão-de-obra. O governo ficará sem recursos e será forçado a revogar suas políticas confiscatórias. Quanto menor o país, maior a pressão para que ele adote um genuíno livre comércio e maior será a oposição a medidas protecionistas. 
Toda e qualquer interferência governamental sobre o comércio exterior leva a um empobrecimento relativo, tanto no país quanto no exterior. Porém, quanto menor um território e seu mercado interno, mais dramático será esse efeito. Se os EUA adotarem um protecionismo mais forte, o padrão de vida médio dos americanos cairá, mas ninguém passará fome. Já se uma pequena cidade, como Mônaco, fizesse o mesmo, haveria uma quase que imediata inanição generalizada.
Imagine uma casa de família como sendo a menor unidade secessionista concebível. Ao praticar um livre comércio irrestrito, até mesmo o menor dos territórios pode se integrar completamente ao mercado mundial e desfrutar todas as vantagens oferecidas pela divisão do trabalho. Com efeito, seus proprietários podem se tornar os mais ricos da terra. 
Por outro lado, se a mesma família decidir se abster de todo o comércio inter-territorial, o resultado será a pobreza abjeta ou até mesmo a morte. Consequentemente, quanto menor for o território e seu mercado interno, maior a probabilidade de sua adesão ao livre comércio.
Caso Mao Tsé-Tung fosse o prefeito de uma pequena cidade em vez de chefe de um país de quase um bilhão de pessoas (à época), suas ideias insanas não teriam chacinado milhões de pessoas.
A segunda é que países pequenos não têm dinheiro para desperdiçar em ideias megalômanas. Coisas como guerra ao terror, guerra às drogas, invadir outros países, mandar tropas para outros países, ou espalhar bases militares ao redor do mundo não estão na agenda desses países. Uma Escócia independente, ou o Quebec, não irão invadir o Iraque. É necessário um país grande para se fazer coisas realmente insanas.
É claro que há outras questões mais prementes a serem consideradas pelos escoceses, de impostos e subsídios a empresas ameaçando ir para a Inglaterra em caso de secessão. Além de, é claro, as profundas questões histórico-culturais da região.
Ainda assim, como economistas, o que podemos dizer é que a Escócia é grande o suficiente para "sobreviver" por conta própria; e, com efeito, é bem provável que ela se torne mais rica após a secessão. É melhor se tornar pequena e rica como a Irlanda do que continuar grande e pobre (sempre em termos per capita) como o Reino Unido.

Ainda haverá fulgor para um novo Poitiers?

por A-24, em 21.09.14

A secessão de um país depende do tamanho do seu território?

por A-24, em 11.09.14
Instituto Ludwig Von Mises

De acordo com os números do World Bank Development Indicators (Indicadores de Desenvolvimento do Banco Mundial), dentre as 45 nações soberanas da Europa, os países pequenos são quase duas vezes mais ricos que os países grandes. A diferença da riqueza per capita entre os 10 maiores e os 10 menores é de 84% quando se considera toda a Europa, ou 79% quando se considera somente a Europa Ocidental.


Trata-se de uma diferença abismal. Para colocar um pouco de perspectiva, uma diferença de riqueza de 79% é a diferença entre a Rússia e a Dinamarca. Isso é impressionante quando se considera as similaridades históricas e culturais dentro da própria Europa Ocidental.

Mesmo entre as nações de mesmo idioma, as diferenças são gritantes: a Alemanha é mais pobre, em termos per capita, do que as pequenas nações que também falam alemão (Suíça, Áustria, Luxemburgo e Liechtenstein); a França é mais pobre, em termos per capita, do que as pequenas nações que falam francês (Bélgica, Andorra, Luxemburgo, Suíça novamente, e, é claro, Mônaco). Até mesmo a Irlanda, que foi durante séculos devastada pelos ingleses belicistas, é hoje mais rica do que seus senhores do Reino Unido, que possui um território 15 vezes maior.

A multinacionalidade do "amor"

por A-24, em 03.08.14
Este artigo é desaconselhado à auto-estima dos portugueses. E das portuguesas também, porque nem o sexo feminino nem o masculino conseguem angariar as preferências dos europeus no que diz respeito à/ao namorada/o ideal. O site europeu “Flirt Guide Europe” elaborou um guia completo das preferências de cidadãos de oito países europeus quando se trata de escolher os parceiros ideiais. Os autores do estudo perguntaram a 21.000 mulheres europeias e a 32.000 homens europeus de que país gostavam que fosse o namorado e a namorada ideal. E as respostas não são boas para o orgulho nacional.



Idealmente, as mulheres belgas e francesas gostariam de ter um namorado inglês. As alemãs e italianas preferem os espanhóis. As portuguesas, espanholas e britânicas preferem os italianos. Dura realidade: os homens portugueses não são a escolha de nenhuma das cidadãs do nosso país, de Inglaterra, Espanha, Bélgica, França, Holanda, Itália e Alemanha.
Quando se trata das escolhas dos homens para a nacionalidade ideal da companheira, ainda há mais consenso. Mais uma vez, pouco favorável para as portuguesas. Seis dos oito países em estudo preferem as mulheres espanholas. Até os homens portugueses preferem as vizinhas de fronteira. Nenhum dos países escolheu uma cara-metade portuguesa para o romance.
E em quem recaem as referências dos portugueses para a paixão? Segundo o guia europeu do “flirt”, as mulheres portuguesas preferem os italianos (39.4 por cento), em segundo lugar os espanhóis (24.6 por cento) e, em terceiro, os franceses (14.9 por cento). Os homens portugueses preferem, na maioria, as espanholas (32.9 por cento), em segundo lugar as italianas (23.5 por cento) e, na terceira opção, as francesas (16.2 por cento).

Criminalização de sem-abrigo avança pela Europa

por A-24, em 28.07.14
Público

A penalização da mendicidade na Noruega é o derradeiro exemplo de uma tendência para aprovar leis, regulamentos ou medidas que dificultam a vida de quem dorme nas ruas da Europa. Ao mesmo tempo, há tentativas de integrar os sem-abrigo. Diversos países delinearam estratégias, como Portugal.

Com a crise a semear pobreza, há cada vez mais gente sem casa pela Europa. Alguns descobrem que as acções mais corriqueiras na rua podem resultar numa sanção penal. O último exemplo vem da Noruega. Este Verão os seus municípios voltam a poder banir a mendicidade.
A Federação Europeia de Organizações Nacionais Que Trabalham com Sem-abrigo (FEANTSA) tem manifestado "preocupação" pelo modo como, em diversos pontos da Europa, se tem optado por "medidas repressivas". Em 2012, aliou-se à Housing Rights Watch e à Fondation Abbé Pierre para produzir o primeiro relatório sobre "a criminalização dos sem-abrigo na Europa".
No Sul e no Norte, no Ocidente e no Oriente, regiões e municípios têm avançado com regulamentos e medidas que dificultam o dia-a-dia de quem sobrevive nas ruas, diz Freek Spinnewijn, director da FEANTSA, ao PÚBLICO. Proíbem actos como deitar-se, dormir, comer ou guardar pertences pessoais no espaço público, mendigar, distribuir comida ou recolher lixo dos contentores.
A tendência vem dos Estados Unidos, com tradição de "lei e ordem" baseada em políticas como a "tolerância zero". Antes os sem-abrigo não faziam parte da chamada "população perigosa". Esse lugar pertencia aos ciganos e, na Irlanda e no Reino Unido, aos travellers. Com o aumento de estrangeiros entre os sem-abrigo, alguns tornaram-se "vítimas" de leis e regulamentos que punem o suposto risco de crime.
A Freek Spinnewijn a Noruega parece um caso "interessante". Tem um Estado social forte e um conjunto de leis progressistas. Os noruegueses não serão tão afectados pela proibição de mendigar. A medida, anunciada com a promessa de mais apoio à reinserção de toxicodependentes e expansão da habitação social, recairá mais sobre os estrangeiros indocumentados, em particular sobre os de origem cigana saídos da Roménia, da Bulgária e da Hungria.

Escalada na Hungria
Nenhum lugar preocupa tanto Freek Spinnewijn como a Hungria. Desde meados dos anos 2000 que as autoridades locais criminalizam a chamada "mendicidade silenciosa". E já então era proibido mendigar na companhia de crianças ou de forma "agressiva". A partir de 2010, com a subida da extrema-direita ao poder, o país começou a escalada para a criminalização dos sem-abrigo.
Primeiro, o Parlamento húngaro aprovou a lei que permite atribuir funções específicas ao espaço público e proibir quaisquer outras. Depois, Budapeste interditou o uso do espaço público para morar. Volvidos uns meses, o Parlamento decidiu punir com 60 dias de prisão ou 530 euros de multa quem, durante seis meses, por duas vezes violasse qualquer proibição de dormir no espaço público. Mais um mês e estava a proibir dormir no espaço público em todo o país.
"A criminalização dos sem-abrigo pode ter o perigoso efeito secundário de forçar as pessoas a procurarem lugares mais escondidos, onde é mais difícil receber a ajuda — amiúde vital — de cidadãos preocupados ou o acompanhamento de técnicos que se deslocam ao terreno", sustentou Balint Misetics, professor no Colégio de Estudos Avançados em Teoria Social, no referido relatório.
"A Hungria choca mais porque não teve o cuidado de esconder o que está a fazer e fá-lo a um nível nacional", considera Freek Spinnewijn. "Noutros países europeus, isso tem estado a acontecer de uma forma mais subtil, por vezes quase invisível, e a um nível das regiões ou dos municípios."
Cory Potts, criminologista da FEANTSA, e Lucie Martin, socióloga da Diagénes, pegam no caso da Bélgica para mostrar como tudo pode começar com sanções administrativas e acabar em prisão. Veja-se o caso de Liège. De acordo com o regulamento aprovado em 2011, mendigar é permitido entre as 8h e as 17h de segunda a sexta e das 7h às 12h de domingo; não podem estar mais de quatro mendigos numa rua; não se pode mendigar em cruzamentos, nem em entradas de edifícios públicos, empresas, casas. Desde 2012, quem desrespeita as regras cai na alçada da polícia. Na primeira vez, um aviso; na segunda, uma intervenção do serviço social; na terceira, detenção.
Os sem-abrigo não desapareceram da cidade. Há zonas de tolerância. Cory Potts e Lucie Martin temem que essa tolerância esteja ameaçada. Proliferam os locais "semipúblicos", o que abre caminho a novas restrições. E a requalificação que se vai fazendo vai tornando os sítios mais "defensivos". Basta colocar barreiras nos bancos públicos para impedir as pessoas de se deitarem neles, por exemplo.

Punir comportamentos
Há exemplos anteriores à crise que começou nos EUA em 2008 e se estendeu à Europa. A Câmara de Barcelona é emblemática: em 2005, optou por punir comportamentos que considera anticívicos, como vomitar, urinar, defecar, cuspir, pintar graffiti, mendigar na rua, exercer a prostituição ou fazer venda ambulante, com multas que oscilam entre 120 e os três mil euros.
No ano passado, a Câmara de Madrid aprovou um modelo mais duro: punir com multa de 750 a três mil euros quem pedir esmola à porta de um centro comercial, acampe, faça malabarismos ou solicite serviços sexuais no espaço públicos, cuspa ou atire papéis para o chão, ofereça folhetos nos semáforos; perturbe os vizinhos, enquanto rega as plantas; alimente ou dê banho a cães na rua.
Em Itália, os exemplos multiplicam-se. Logo em 2008, a Câmara de Roma decidiu castigar com multas de 50 a 150 euros quem se pusesse a comer ou a beber, a cantar, a fazer barulho ou a dormir no centro histórico ou mesmo fora dele, se junto a monumentos. Também decretou que não se pode mendigar, nem vender flores ou outros pequenos objectos, a menos que se tenha licença.
Verona foi mais longe. A câmara resolveu passar multas de 25 a 500 euros a quem alimentar sem-abrigo. O presidente, Flavio Tosi, eleito pelo partido de extrema-direita anti-imigração Liga do Norte, diz que o objectivo é promover "a higiene" e "a imagem pública da cidade".
Tudo isto, na opinião de Freek Spinnewijn, reflecte ignorância e sensação de impotência. "Ser sem- abrigo não é uma escolha individual, é o resultado de uma série de desvantagens", sublinha. "Tornar a vida destas pessoas mais difícil não resolve o problema. As pessoas podem ficar menos visíveis, mas continuam lá."
Havia complacência, corrobora Sérgio Aires, presidente da Rede Europeia Anti-pobreza. Pensava-se os sem-abrigo como pessoas com problemas de saúde mental, dependência de bebidas alcoólicas ou drogas ilícitas. Essa ideia é mais redutora do que nunca. Muita gente tem perdido a casa com a crise.
Sérgio Aires lê nas leis, regulamentos e medidas que dificultam a vida dos sem-abrigo uma "intolerância para com os pobres" que lhe parece "estranha". As pessoas que estão a chegar às ruas são "mais parecidas com o cidadão comum". Muitas vezes tinham vidas integradas até perderem o emprego.
O fenómeno está na agenda europeia. Há meia dúzia de anos que a União instiga os Estados-membros a investirem na integração das pessoas sem-abrigo.
Diferentes países adoptaram estratégias para reduzir o número de pessoas a dormir nas ruas. Alguns optaram por abordagens mais baseadas na lógica "casa primeiro", como a Suécia, a Finlândia e a Dinamarca. Outros, apesar de considerarem isso importante, falam em aumentar a qualidade da rede de albergues e de serviços de apoio à habitação, como os Países Baixos, a França e Portugal.

Regras portuguesas
"Portugal não tem orçamento", comenta Freek Spinnewijn. Apesar disso, o país cabe no rol de exemplos positivos. "Tem uma estratégia nacional. Ainda está no papel, mas tê-la já é um princípio."
Segunda a Estratégia Nacional para a Integração de Pessoas Sem Abrigo, aprovada em Portugal em 2009, ninguém deve permanecer na rua mais de 24 horas, a menos que seja essa a sua vontade. Existiriam centros de emergência — estruturas de resposta imediata, das quais se sairia, com um diagnóstico feito, para alojamento temporário ou permanente. Em lado algum foram criados.
A estratégia aponta para a organização local. Sempre que o número de sem-abrigo justifique, deve constituir-se um Núcleo de Planeamento, Intervenção a Sem-Abrigo e delinear-se um conjunto de respostas integradas. "Vai funcionando no Porto", afiança Sérgio Aires. Em Lisboa não tanto. Tenta-se agora reactivá-la. "Há muita coisa a acontecer e essa não é uma das prioridades." Congratula-se por não haver em Portugal a intolerância de outros países. Nem um clima rigoroso.
No ano passado, pelo menos 4420 pessoas viviam em jardins, estações de metro ou camionagem, paragens de autocarro, estacionamentos, passeios, viadutos, pontes e abrigos de emergência de Portugal. O número peca por defeito. Corresponde às pessoas acompanhadas no âmbito da Estratégia.
Os técnicos encontram resistência entre alguns sem-abrigo. Os albergues não permitem animais. Nem deixam entrar quem emite sinais de estar de consciência alterada. Têm rigorosos horários de entrada e saída. As pessoas têm de sair e de voltar cedo. São forçadas a passar o dia na rua. E, na maior parte das vezes, não têm privacidade no albergue. Mesmo assim os que existem não chegam para as encomendas. A Segurança Social recorre então a pensões, amiúde, de baixíssima qualidade.
"Aquelas pessoas querem viver numa casa, como as outras, mas precisam de algum apoio para isso", diz Freek Spinnewijn. Alargar o mercado social de arrendamento parece-lhe a melhor hipótese. "Em muitos países, o Estado e a Igreja e outras organizações têm inúmeras casas vazias."
Há uns meses, o diário britânico The Guardian fez as contas: na Europa existem umas 11 milhões de casas vazias e uns 4,1 milhões de sem-abrigo. Em Portugal a desproporção também é grande 4420 sem-abrigo e, segundo o Instituto Nacional de Estatística (INE), 735 mil casas vazias.
O exemplo de Portugal pode ajudar a perceber o quão inalcançável pode ser uma casa. O preço das rendas permanece alto para quem recebe 179 euros de rendimento social de inserção ou 235 euros de pensão social, como já explicou ao PÚBLICO Henrique Pinto, director da Cais.
Sérgio Aires também faz a defesa das bolsas de habitação. Não a construção de bairros, modelo que criou não lugares por toda a Europa, mas a recuperação de casas situadas em ruas comuns, "com dignidade, a custos controlados". Na certeza de que tal não será solução para todos.