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A-24

Entrevista ao sempre interessante e cáustico José Cid

por A-24, em 30.11.14
Sol


10 000 Anos Depois Entre Vénus e Marte é considerado pela revista americana Billboard um dos cem melhores discos de rock sinfónico e ajudou José Cid a recuperar a atenção do público nos últimos tempos. Aos 72 anos, o músico diz que canta melhor do que Roberto Carlos, acusa Tony Carreira de plagiador e repudia o programa apresentado por Teresa Guilherme. Monárquico convicto, fala ainda do partido recém criado Nós, Cidadãos e defende que D. Duarte daria um dos melhores reis da história de Portugal. 
"Os melhores sistemas políticos mundiais são as monarquias do Norte da Europa, onde a corrupção é quase nula, a cultura, a saúde e a educação são importantes"

No dia 15 vai revisitar, no Coliseu dos Recreios, em Lisboa, o disco 10 000 Anos Depois Entre Vénus e Marte, de 1978. É o seu álbum mais importante?
É uma obra irrepetível, embora não o considere o meu melhor álbum de rock sinfónico. O Vida (Sons do Quotidiano) é o melhor e também vai ser tocado no Coliseu. Mas, instrumentalmente, o 10 000 Anos é muito complexo e, por isso, vou ter mais um elemento na banda, o meu sobrinho Gonçalo Tavares, que vai tocar teclas. Em vez de dois teclistas, vão ser três, com a vantagem ainda de que ele tem os instrumentos exactos do rock sinfónico que eu não tinha quando o gravei. 

Nos últimos anos o disco tem sido acarinhado, mas em 1978 não teve aceitação.
Aqui em Portugal nenhuma. Não vendeu. Mas, às vezes, ainda me aparecem com o disco original para autografar. 

Por que não vendeu?
Era um álbum muito à frente e as pessoas queriam ouvir-me em coisas comerciais como 'No dia em que o rei faz anos', 'A minha música', 'A cabana', 'Addio adieu auf wiedersehen goodbye', '20 anos'... 

Tinha noção do risco quando o compôs?
A minha obra é muito camaleónica, não se fixa por um género. Até fado gravei, em 1988, e foi um êxito. Vendi 40 mil vinis numa altura em que ninguém vendia 300. Quanto ao 10 000 Anos aquilo estava escrito e tinha que ser feito. Escrevi o álbum pouco a pouco, já estava no Quarteto 1111, mas achei que o grupo era para outro tipo de rock e guardei este álbum para mim. Agora sinto uma responsabilidade acrescida porque, no final do milénio, depois de o disco ser editado nos Estados Unidos, a crítica americana pegou nele e o disco ganhou uma dimensão mundial. Tornou-se um álbum de culto, com a Billboard a nomeá-lo como um dos 100 melhores álbuns de sempre. O Blitz também o colocou como o segundo melhor álbum nacional de todos os tempos, atrás de Cantigas de Maio, do Zeca. Recentemente foi a Sputnik Music a nomeá-lo como um dos cinco melhores álbuns de rock sinfónico. Portanto, o rock português tem aquilo que é apontado pela crítica mundial como um dos melhores álbuns mundiais de sempre. A França não tem, a Alemanha não tem, a Espanha muito menos. 

Este reconhecimento começou há dez anos, quando a Art Sublime o editou nos EUA. Houve ainda uma edição japonesa?
Os japoneses também estavam na jogada, mas optei pelos americanos e nitidamente foi o melhor que fiz. Mas o álbum está já de tal maneira relançado pelo mundo inteiro que para aí há dois meses recebi uma chamada de um sul-americano a dizer-me que há uma edição em vinil pirata do 10 000 Anos no Peru. De tal maneira pirata, que meteram o Vida (Sons do Quotidiano). Queriam vir entregar-me direitos de autor, mas não aceito dinheiro ilegal. 

Vai gravar o concerto e fazer um DVD para reforçar o projecto no mercado internacional? 
Sim, vou tentar finalmente fazer o DVD. É a altura para o fazer: amadurecemos o concerto e já que o álbum está tão bem cotado quero tentar fazer grandes concertos mundiais. No Rock in Rio Lisboa não, porque para eles eu sou mais rio do que rock. Em Portugal, há um lobby muito grande contra o José Cid porque tenho público. É impensável que tenha um álbum nomeado entre os melhores do mundo e nunca tenha ido cantar ao Rock in Rio, quando todo o gato sapato lá vai. 

Alguma vez abordou a Roberta Medina?
Já e não houve resposta. À volta dela há o tal lobby. E depois tinha de ser agressivo, tinha de lhe explicar que em Portugal sou o equivalente ao Roberto Carlos no Brasil. A diferença é que canto muito melhor do que o Roberto Carlos. 

Sente-se injustiçado pelo Rock in Rio?
Um palco é um palco e aquilo é um grande concerto. Alguns colegas meus completamente estilizados e decrépitos vão, porque não ir lá tocar também? É uma injustiça, mas o facto de não me levarem significa que têm uma grande dor de cotovelo de mim. E isso diverte-me. 

Enquanto não vai, continua a preparar o seu próximo disco de rock sinfónico, projecto que já se fala há anos?
Sim, estou a escrever um quarto álbum, e último, de rock sinfónico que se chama Vozes do Além. Poeticamente parte de uma estética mais à frente, com poesia de Natália Correia e Sophia de Mello Breyner ligado com algumas ideias poéticas minhas. Mas o próximo trabalho que vou lançar não é esse, mas sim Menino Prodígio. 

É sobre o quê?
É a minha história. Quando era pequenino tocava piano, cantava e as pessoas chamavam-me menino prodígio. É um álbum muito roqueiro, mas com textos, com opinião política e até objecção de consciência na própria poesia. 

Porque os tempos actuais o exigem? 
A publicidade do álbum vai ser assim: sem se aperceber ou querer, Portugal teve, nos anos 70, um dos maiores rockers do mundo. Quarenta anos depois, o menino prodígio vem provar isso mesmo. É uma bomba, tem tudo o que as minhas outras músicas têm, mais a originalidade de ser actual. 

Essa actualidade tem a ver com as suas convicções políticas e a recente criação do partido Nós, Cidadãos? 
Já fiz o hino e digo que é uma boa ideia, mas ainda não entrei definitivamente porque estou à espera do debate de ideias. Não assino cheques em branco. Acho que o Nós, Cidadãos tem de ser uma mesa redonda, de 12 pessoas, entre elas o D. Duarte, um homem interessantíssimo, que daria um rei melhor do que 90% dos reis que tivemos. Além de culto, tem uma visão estratosférica sobre o país. Se ele der a cara pelo partido, entro para se tomarem posições muito concretas. Uma delas é o voto obrigatório. As pessoas deviam sentir a votação como uma obrigação. Quem não vota deve ser multado pesadamente. 

Se não sentem, o Estado obriga?
Basta olhar para as percentagens de abstenção das eleições. Não é preciso uma lei se as pessoas sentirem o voto como uma obrigação cívica. É como nas rádios, não é preciso uma lei que obrigue a passar música portuguesa se os locutores se sentirem na obrigação de passar porque são portugueses. O voto é a mesma coisa. O Nós, Cidadãos não é um projecto à esquerda, nem à direita, nem ao centro. É estar por cima para idealizar e por baixo para proteger os mais necessitados.

É assumidamente monárquico. É o sistema que defende?
Os melhores sistemas políticos mundiais são as monarquias do Norte da Europa, onde a corrupção é quase nula, a cultura, a saúde e a educação são importantes. No fundo, as coisas que são importantes para as pessoas comuns. Pagam impostos, mas têm tudo facilitado. Aqui não, pagam-se impostos e ainda se é mal tratado. Neste país, politicamente não se consegue concretizar nada porque o sistema não presta, o 25 de Abril é um projecto adiado. Só aumentou consideravelmente a pobreza, destruiu a classe média e não soube controlar a classe rica, que pode criar empregos ou fazer offshores. Mas nem isso controla. Para que serve o 25 de Abril? Para termos liberdade para falar? Então é o que estou a fazer. O Presidente da República viu o país ir-se por aí abaixo, sabia o que estava a acontecer, mas não travou. Há oito anos, foi oferecido pelo Xanana [Gusmão], a custo zero, o pagamento da dívida externa de Portugal. O Sócrates não quis, este [Passos Coelho] também não e o PR está a par desta história. Timor está forrado de dinheiro por causa do petróleo e quis ajudar, mas nós não aceitámos a ajuda timorense para favorecer os interesses da Europa, da banca e dos políticos ligados ao processo da Europa que, se calhar, também recebem dinheiro por baixo da mesa. Qual é o resultado? Estamos nós, os nossos filhos, os nossos netos a sofrer consequências dramáticas por não nos ligarmos ao único país no planeta que gosta de nós. Aqui era preciso fazer como em Timor. 


Como?
Os timorenses contrataram uma polícia fiscal australiana e a ministra da Justiça e do Trabalho já foram presas. E Timor só tem dez anos de democracia. Aqui não, a classe rica age de forma escandalosa. Acredito que muita dela é honesta e trabalha para o bem do país, mas depois há as excepções que temos visto, algumas delas associadas ao poder político, que fabricam o dinheiro em Portugal e depois metem-no lá fora, sem impostos, com fugas. É por isso que digo que o 25 de Abril não é um projecto concretizado. Mas o problema vem de trás. Os últimos cem anos da nossa história são vergonhosos. Mataram um rei genial, o rei D. Carlos, um homem cultíssimo com prestigio a nível mundial, e impuseram uma República, que até já teve duas ditaduras - uma salazarista e outra marcelista. E mais recentemente teve outra, legalizada pelo voto do povo, em que o primeiro-ministro se achou no direito de fazer tudo o que queria e lhe apetecia porque tinha a maioria absoluta. Devia ter sido demitido. 

Se entrar para o Nós, Cidadãos vê-se como candidato?
Ministro da Cultura era capaz de ser, até porque tenho muito mais perfil do que o secretário de Estado que lá está. Como acho, por exemplo, que se o António Costa ganhar e puser o Carlos do Carmo como ministro da Cultura faz muitíssimo bem. 

O pelouro da Cultura deve estar entregue a um artista? 
Não se percebe como é que o Partido Socialista está anos e anos no poder e não tem uma pessoa como o Manuel Alegre na Cultura. Um homem tão brilhante a escrever. Há uma grande diferença entre pessoas cultas, que debitam frases finas, e pessoas criativas. O maestro Vitorino de Almeida é outro homem culto e criativo. 

Herdou convicções políticas de família?
Não, até era republicano ao princípio e depois percebi que os sistemas republicanos falham completamente. A minha família tinha um lado monárquico e outro republicano. O meu bisavô Albano Coutinho, um homem extraordinário, era maçom, mas rapidamente percebeu o que a República portuguesa queria fazer e saiu da maçonaria. Depois tenho um lado monárquico, com alguma ascendência. 

Aos 72 anos ainda se sente com energia para lutar pelos seus ideais? 
A idade já pesa, estou todo podre, mas a voz contínua impecável. A minha vida é escrever canções e agora que estou um pouco na recta final da minha carreira se puder armazenar alguns álbuns acho uma boa ideia. Sinto que continuo criativo e que tenho voz. Por isso, em Janeiro, lanço Menino Prodígio e durante o próximo ano vou gravar Vozes do Além. 

Está a armazenar projectos? Tem medo da velhice?
Já estou nela. Estou só a gerir a minha decadência. Além de Menino Prodígio e Vozes do Além já tenho praticamente acabado um álbum que se vai chamar Fados Fandangos, Chulas e Malhões, e tenho outros projectos que não posso dizer já para não me copiarem a ideia. 

Foi muito plagiado para ter esse medo?
Não, até porque vocalmente é muito complicado cantar José Cid. Mas é uma ideia estética muito concreta e seria dar de mão beijada uma ideia muito minha. 

Quando descobriu que podia cantar?
Comecei a cantar num grupo de jazz em Coimbra e, com 14 anos, criei com alguns amigos Os Babies, uma banda de covers que animava as festas de garagem. Primeiro tocava piano, mas um dia o vocalista não pôde cantar e substituiu-o. Aos poucos fui percebendo que podia cantar muita coisa. 

Teve aulas?
Não, tudo sozinho. Nunca tive uma aula na vida. 

Nem de piano?
Não, completamente autodidacta. 

Mas ganhou um concurso ainda muito novo…
Ganhei o primeiro prémio de canto coral no colégio de jesuítas em que andei em Santo Tirso. 

Era um colégio interno?
Sim, a casa dos meus pais ficava a 300 quilómetros. Nessa altura levava-se oito horas para lá chegar. Era quase clausura total. 

Com uma educação muito católica?
Sim, foi uma seca. Fiquei altamente traumatizado. Durante quatro anos tinha que ir todos os dias, às 8h da manhã, à missa. Isso é traumatizante para qualquer criança. Quando sai de lá passei a ir só ao domingo, mas chegava sempre atrasado e ficava no átrio à espera que as minhas amigas saíssem da missa. 

Hoje permanece desligado da Igreja?
Hoje sou capaz de parar para rezar, mas tenho outro Deus, mais antigo: o Endovélico, que é o deus que os portugueses deviam seguir. Antes de os romanos chegarem, o Endovélico era o nosso deus, mas foi silenciado pelo cristianismo. Ainda há um único altar endovélico em Portugal, no Monte da Lua, em Sintra. Só quem sabe é que lá vai e eu vou lá rezar de vez em quando. Aí e noutro sítio fantástico, que ainda tem resquícios do Endovélico, em São João da Pesqueira, na margem Sul do Douro, num promontório que se chama São Salvador do Mundo. Até escrevi uma música sobre este sítio. Não tenho nada contra Fátima, embora ache que aquilo seja um supermercado do rosário, mas São Salvador do Mundo é que devia ser o nosso Stonehenge. Se foi o colégio jesuíta que me fez procurar este outro Deus já não sei, mas fiquei traumatizado pelo isolamento. Também porque, naquela altura, tinha uma grande paixão pela minha preceptora francesa, a Monique, com quem aliás ainda hoje falo. Ela tem agora quase 90 anos e continua a ser uma mulher lindíssima. 

Como o marcou esta preceptora?
Foi ela que percebeu que era um miúdo que gostava de música, de letras, de artes. Que não era o miúdo que os meus pais queriam formar. Na Chamusca, onde cresci, a minha família era de uma classe social e económica bastante elevada, por isso não queriam que cantasse, mas sim que fosse advogado. 

Se tinha uma preceptora porque foi parar a um colégio interno?
Ela era uma mulher lindíssima, que despertou grandes paixões no Ribatejo. Os meus pais foram-na depositar a Paris porque ela e o meu primo Fernando Cid tinham uma grande paixão, uma espécie de Romeu e Julieta da época. Ela nunca mais voltou a Portugal e foi nessa altura que fui internado em Santo Tirso. Sofri imenso, os padres diziam que me fartava de chorar e chamar pela Monique. 

São as memórias de infância que guarda?
Também não me esqueço das brincadeiras com os meninos da minha rua. Era muito engraçado porque sabia que sempre que atirava um para dentro da piscina os meus pais davam-lhe roupa. Então fazia de propósito. Atirava-os e depois gritava: 'Mãe, o não sei quantos caiu para dentro da piscina. Tem de levar roupa e sapatos'. Era isso e as jangadas de canas que construíamos para andar nas cheias. A parte de trás do nosso jardim dava para uma horta a 500 metros do Tejo e, quando chovia, aquilo ficava tudo inundado e nós andávamos nas cheias de jangada. Uma vez íamos morrendo, foi preciso os bombeiros irem-nos salvar de barco. 

Ainda se dá com os amigos de infância?
A grande maioria sim, mas alguns deixei porque são meio insuportáveis, armados em snobes. Pessoas muito finas, todos engravatados, uma chatice.

E os irmãos não participavam nas brincadeiras? 
Não tinha irmãos, só duas irmãs, dez anos mais velhas. Eram como segundas mães. Vim muito mais tarde porque os meus pais sempre quiserem ter um rapaz. 

Um rapaz que lhes deu algumas dores de cabeça… 
Nunca quis estudar Direito, fui para lá empurrado pelos meus pais. Não tinha jeito nenhum, nem gostava daquilo. Fiz duas cadeiras em quatro anos. Só queria saber de desporto e de música. Eram os meus projectos de vida e isso provocou, naturalmente, muita guerra em casa. Mas desisti do curso de Direito, vim para Lisboa para o curso de Educação Física e continuei na música. 

É já em Lisboa que cria o Quarteto 1111.
Sim. Um dos meus colegas no Instituto Nacional de Educação Física era irmão do Michel que tocava no Conjunto Mistério. Juntei-me ao grupo e, pouco tempo depois, mudámos o nome para Quarteto 1111. Era o número de telefone da sala de ensaios, o que facilitava o contacto com as fãs. 

Tinham muitas groupies atrás de vocês?
Sempre odiei groupies. São ninfomaníacas deslumbradas que não ouvem música. Nunca namorei com uma fã. 
Com os 1111, já com Tozé Brito na formação, criaram uma banda paralela: os Green Windows. Porquê? 
Censura. Tenho 28 canções censuradas pelo antigo regime. Começámos a contar os tostões e pensámos numa forma de ganhar o mercado. Surgiu então a ideia de fazer uma banda comercial, com vozes femininas, com as nossas companheiras. A Maria Armanda, a minha segunda mulher, cantava connosco. 'No dia em que o rei fez anos' e '20 Anos' são dessa altura.

Apesar desse sucesso, anos depois a parte comercial já não corre tão bem. 
Depois do 25 de Abril, os estigmas do grupo Ary dos Santos, da pseudo-esquerda festivaleira, tudo isso. José Cid era o perigo porque era o homem que tinha êxito e achavam que estava contra eles. Muito mais tarde fiquei muito amigo do Paulo de Carvalho, do Carlos Mendes e do Carlos do Carmo. O Carlos do Carmo diz que tenho uma língua viperina e eu respondo-lhe sempre: 'eu não contesto, constato'. 

Na década de 1980, quando se dá o chamado boom do rock português, também é posto de lado. 
Logo. Não convinha ter um rapaz como eu, que cantava ao vivo muito mais do que aqueles roqueirinhos todos. Sou de outros campeonatos vocais. Era comparar a obra-prima do mestre com a prima do mestre-de-obras. E não se pode comparar. 

Revoltava-o?
Sorri e esperei pelo meu tempo, tive essa paciência. Sou muito cínico nesse aspecto. Nos anos 90 fiz álbuns brutais, que não venderam: Camões, as Descobertas e Nós, Ode a Federico Garcia Lorca, Cais do Sodré, de jazz, Pelos Direitos do Homem, dedicado à causa de Timor-Leste, e aquele álbum da fotografia despido de preconceitos. 

Está a falar da fotografia que fez em 1994, onde aparece nu, deitado num sofá, com um disco de ouro à frente?
Sim, despi-me de preconceitos e protestei contra as playlists das rádios. Quando as pessoas têm de sujeitar a sua criatividade e talento, com um sorriso de esgar e arrogância, aos 'donos' das playlists não posso fazer outra coisa. Com essa fotografia consegui separar o trigo do joio. As pessoas preconceituosas ficaram horrorizadas, as despreconceituosas acharam um piadão, acharam-me rebelde. 

Sabia que a imagem ia perdurar?
Claro que sim. O John Lennon despiu-se com a Yoko Ono pela paz no mundo e a imagem ficou para sempre, mesmo sendo a Yoko uma mulher horrorosa e o Lennon um lingrinhas do pior que há, com uma pilinha que ninguém queria pegar a não ser a medonha da Yoko. Eu, ao menos, sou ribatejano, de uma raça superior. O Lennon nu era o oposto do seu talento. A Yoko não percebeu que estava ao lado de um homem genial e quis manipulá-lo. Comigo a Yoko não tinha um dia de existência, comprava-lhe um par de patins e vinha do Castelo de São Jorge por aí abaixo. 

Nunca foi influenciado por uma mulher?
Não! Mulher que queira mandar em mim não tem hipótese. Também nunca quis mandar em nenhuma das mulheres com quem casei. Estou muito atento à manipulação das mulheres. É essa a grande vantagem que tenho com a Gabriela [a actual mulher]. É completamente independente, e dá-me a certeza de que sou verdadeiramente amado. 

É a sua quarta mulher. Como aconteceu?
Sou amigo de todas as minhas ex-mulheres, uma infelizmente já morreu, a Maria Armanda, mas tinha decidido não casar mais. Mas depois apareceu-me uma senhora interessantíssima, pintora, que não depende de mim economicamente, que tinha conhecido há muitos anos na Austrália. Ela tinha sido Miss Timor e era jornalista em Melbourne. Foi aí que nos conhecemos, quando me fez uma entrevista. Estivemos quase 30 anos sem nos falar. 

Como foi o reencontro?
Através destas coisas modernas da internet e Facebook. Gostei logo dela, foi tórrido... Depois estivemos 30 anos sem nos ver e há três veio a Portugal e encontrámo-nos. Ela foi a Timor resolver a sua vida e voltou para nos casarmos. 

Pediu-lhe logo em casamento?
Não, na minha idade já não se pede ninguém em casamento. Aos 72 anos era um disparate. Com esta idade o que se diz é: 'Damo-nos lindamente, temos tudo em comum, o mesmo sentido de humor, até somos os dois monárquicos progressistas, é uma boa ideia termos uma companhia na recta final das nossas vidas'. 

Usando a sua expressão, então agora já não é 'tórrido', já não há paixão, sexo… 
Damo-nos com Deus e os anjos. Cuidamos muito um do outro, dormirmos muito abraçadinhos, fartamo-nos de rir de manhã quando acordamos. Estamos sempre a rir, a dizer coisas engraçadas e a provocar. Com a minha idade as pessoas têm de se habituar a gostar de quem gosta delas. Quando gostamos das pessoas que gostam de nós levamos uma vida muito mais tranquila. A Curia [concelho de Anadia] dá-nos uma qualidade de vida bestial. A minha quinta também é muito bonita, passeamos com as nossas cadelas, ela pinta, eu escrevo os meus êxitos. 

É muito vaidoso da sua carreira. 
Eu? Nada. Gosto de escrever boas canções e de cantá-las. 

Então porque reforça várias vezes o reconhecimento internacional, o facto de cantar melhor do que o Roberto Carlos…
Mas isso é tão óbvio! É o mesmo que dizer que é mais bonita que a Teresa Guilherme. São coisas tão óbvias, que se pode dizer isto sem querer sublevar o ego [ri muito]. Aquela gente com quem a Teresa Guilherme está naquela Casa, que eu chamo de Casa dos Degredos, choca-me porque não tem representatividade em relação à juventude portuguesa. 

Se fizessem com celebridades e o convidassem entrava?
Está fora de questão. Não sou uma celebridade, sou um mito. E os mitos não se misturam com celebridades. Os mitos pairam a outros níveis. 

Isso não é contraditório com o que disse antes da sublevação do ego? 
Qual é o problema de as pessoas terem ego? Sou um mito porque, com 72 anos, tenho uma homenagem pública cada vez que dou um concerto, para salas completamente cheias, com gente a cantar comigo do princípio ao fim. Estou mitificado pelo público nacional. A Amália e o Zeca, injustamente, não tiveram uma homenagem destas. 

Nessa lógica o Tony Carreira também é um mito.
Não tenho a menor dúvida que sim. O Tony Carreira canta lindamente, tem poemas geniais, da mais alta qualidade poética, e tem músicas extremamente originais, basta ir à internet e ver. É um monstro de palco.

Está a ser irónico?
Não estou. Ele canta qualquer tipo de música: jazz, blues, rock. A voz dele presta-se a tudo. É do melhor que há. 

Continua a soar irónico.
Se pela negativa não vou lá, agora falo sempre pela positiva. Quem quiser que vá à internet e escreva ''L'Idiot' Herve Vilard', oiça e depois tire as suas conclusões. Como essa canção há mais 40. E as centenas de multas que já pagou por plágios na América do Sul e Central? O Marco Paulo, que cantava mesmo, tinha voz, e agora estou a falar a sério, punha poetas portugueses a fazer a tradução de letras e assumia-se como cantor de versões. A Sociedade Portuguesa de Autores paga-me a mim como paga aos plagiadores. Isso não é justo. Eu sou um criativo, um poeta, autor de toda a minha obra, não tenho nada que ser misturado com esta merda. 

Ser irónico e desbocado ajuda a construir o mito?
Não sou desbocado, é uma palavra sua. Eu não contesto, constato. Não sou malévolo a analisar as coisas. Obrigo é as pessoas a terem sentido de humor, se não têm nunca vão gostar do José Cid. 

Roberto Saviano: 'O sistema financeiro usa a máfia'

por A-24, em 26.10.14
Sol

Há dias o diário alemão Süddeutsche Zeitung desafiou-o para as já famosas entrevistas em que o entrevistado responde apenas com o corpo. “Como devemos imaginar o seu quotidiano? Como é viver sem ser em casa própria?”. Numa das fotos, o rosto está quase todo coberto pelas mãos, cujos dedos abertos deixam ver pouco mais do que um olho; na outra, está cabisbaixo, com as mãos juntas, como se estivesse preso. A investigação, como infiltrado, no meio da Camorra foi um estalo na cara dos mafiosos napolitanos. Lançado em 2006, Gomorra vendeu milhões, foi adaptado ao cinema, à TV e ao teatro, mas deixou o seu autor com a vida ameaçada. Daí que foi sem surpresa que nos deparámos com meia dúzia de agentes do Corpo de Segurança Pessoal da PSP à porta da suite do hotel e mais um a assistir à entrevista. Foi desta forma que Roberto Saviano, de 35 anos, cerziu Zero Zero Zero, sobre o negócio tão milionário quanto obsceno da cocaína.

Se escrevesse num romance que num voo em que seguiam os príncipes da Holanda os outros passageiros eram todos 'mulas' ninguém acreditaria

Continua com uma escolta de sete polícias?
Sim. Mas espero que em breve o nível de segurança baixe porque no dia 10 de Novembro vai chegar ao fim um processo no qual estão imputados dois boss da Camorra e respectivo advogado por me terem feito ameaças. É curioso porque toda a gente pensa que as ameaças foram feitas por carta ou por telefone, mas não, foram lidas pelo advogado em tribunal. Foi uma situação excepcionalmente estranha e neste processo senti-me muito sozinho. O mundo europeu não compreende isto, imaginam a cabeça de um cordeiro atirada para minha casa. Os boss alegaram que eu tinha inventado toda a questão mafiosa e que usava a imprensa para condicionar os juízes. E quando o procurador perguntava 'Então e os mortos, também foi o Saviano que inventou?', um deles respondeu que era uma questão cultural: quando alguém rouba ou cobiça a mulher do outro, resolve-se o problema com violência, isso não é máfia.

Como é que consegue manter relações sociais?
É tudo às escondidas. O meu maior desejo é ir ao mar. E sem que alguém apareça a dizer 'Este devia ter morrido e está aqui a tomar banho'.

Como decorreu a investigação? É mais difícil porque está sempre acompanhado por seguranças, ou sendo hoje uma pessoa famosa chega mais facilmente às fontes?
Ambas. Tenho muito mais material, entrevistas, documentos judiciais. Ainda esta manhã recebi de um magistrado uma sentença que é pública mas que há uns tempos demoraria anos a receber. Sinto a falta de andar livremente na cidade. Aliás, a crítica que recebi deste livro é que sou um embedded dos polícias. Mas não me sinto embedded, não sou parte da polícia.

Não perde a visão crítica?
Não, e sobretudo porque tenho mais tempo. Se tivesse de fazer um artigo jornalístico ia pôr a posição da polícia, só com as provas deles. Aí estaria mais exposto. Muitas vezes quando estou com eles fico convencido do que me dizem. Depois preciso de tempo e de outras visões para me poder distanciar. Fazer um livro ajuda neste aspecto.

Em toda a investigação o que o surpreendeu mais?
A enorme quantidade de dinheiro, que eu imaginava que fosse muito, mas nunca que fosse tanto. E depois histórias incríveis, que se eu tivesse contado como um romance, um thriller, ninguém iria acreditar. Por exemplo, a história do avião comercial que partiu das Antilhas Holandesas para Amesterdão com os príncipes da Holanda e todos os restantes passageiros, mais de cem, eram 'mulas'. Se escrevesse isto num romance ninguém acreditaria, diriam 'Que estupidez'.

Chocou-o o nível de violência usado pelos gangues?
Não a violência do assassínio em si, mas mais a tortura e a carnificina. A decapitação, pôr uma cabeça de porco no lugar, a tortura com o corte dos testículos e pô-los na boca, etc., uma série de símbolos de que não estava à espera que fossem tão cruéis. Em Itália por vezes cortam-se dedos, mas são casos excepcionais. No livro tenho uma frase tirada de uma escuta entre dois calabreses: 'Mas por que é que os mexicanos cortam as mãos? Não bastava dar um tiro na cabeça?'. Há um marketing excessivo da imagem por parte do 'gabinete de imprensa' deles. Aliás, matam às sete da tarde para aparecer na primeira notícia do telejornal das oito. Percebo como isto está tão ligado à lógica do terrorismo do Estado Islâmico.

No livro conta a origem dos Zetas e do grupo guatemalteco Kaibiles. Conclui-se que as organizações vindas dos Estados são as mais violentas.
Sim. Os Zetas eram um corpo de elite contra o narcotráfico, que se amotinou e tornou-se, ele próprio, um cartel. É uma coisa típica das organizações mexicanas e latinas. Em Itália, é impensável um polícia tornar-se mafioso: pode ser corrupto, mas nunca passará para a máfia. Na América pode acontecer porque não há tradição mafiosa, mas de gangue. Em Itália, a máfia tem regras. Os narcotraficantes gostam de se relacionar com a máfia, porque esta usa regras.

Explica isso no primeiro capítulo do livro. Crê que os cartéis mexicanos poderão vir a substituir as máfias italianas em termos de poder?
Não, porque embora estejam muito ligados são mundos muito diferentes. Mas se alguma vez entrarem em conflito será na Península Ibérica. Mas a verdadeira rivalidade é com a máfia russa, porque ambas têm regras. A máfia russa tem uma grande vantagem em relação à italiana: pode contar com uma magistratura mais abordável.

Por que diz que se houver conflito será na Península Ibérica?
Da cocaína que chega aqui quase toda vem da América, Brasil ou México. Se os mexicanos decidirem passar a gerir directamente o negócio, passa a haver um conflito.

Tem conhecimento das máfias italianas que actuam em Portugal?
A n'drangheta, a calabresa, que actua em Portugal e usa a costa atlântica. Em Lisboa toda a gente sabe quais são os restaurantes que fazem lavagem de dinheiro da n'drangheta. Admiro muito na política portuguesa o facto de se ter descriminalizado o consumo. Mas onde está o dinheiro da droga, se Portugal foi entre 2000 e 2006 a principal porta de entrada? Está em Andorra? E como é que os bancos portugueses, alguns que estão agora mal, nunca tocaram nesse dinheiro? Impossível.

Já escreveu sobre a relação do narcotráfico com a crise financeira mundial. Pode explicar?
Há dois tipos de abordagem sobre a relação crise / narcotráfico. A primeira é um pouco romântica: a droga consumida pelos brokers impediu-os de verem que estavam a vender ar, nada, perderam toda a racionalidade. Mas não estou convencido desta análise, embora seja engraçada. A outra: a quantidade de dinheiro, de cash do sistema foi ocupando os espaços vazios pela crise. O HSBC, um dos maiores bancos europeus, pagou quase dois mil milhões de euros de multa por ter ajudado a lavar dinheiro. Isso significa que não se meteram só com pequenos bancos em dificuldades com a crise, mas com os maiores do mundo. Porque é que os Estados Unidos descobriram isso e quiseram descobrir? Porque os bancos que não tinham liquidez forçaram a isso. Dantes pensava que o sistema financeiro fosse usado pelas máfias, hoje creio que é o sistema financeiro a usar a máfia. Não por uma questão política ou ideológica, mas porque precisa desse dinheiro, não é dinheiro, é cash, liquidez. Foi isso que me surpreendeu na análise económica. O poder económico é verdadeiramente enorme, é comparável ao mercado do coltan [minério muito usado em electrónica] ou do petróleo, mas a liquidez que tem resolve muitos problemas.

Dos cartéis do México qual é actualmente o mais poderoso?
O Cartel do Golfo, os Zetas e o de Sinaloa são os que dividem o mundo do narcotráfico. Quem conseguir levar a droga ao consumidor chinês será dono do mundo.

Mas não entra cocaína na China?
Entra, em Hong Kong e Pequim, sobretudo, mas o Governo chinês não deixa saber nada sobre as investigações. Não se sabe se são os mexicanos que a levam directamente ou via Índia. A máfia indiana, com sede no Dubai, é muito forte.

Explica no livro como é que os cartéis colombianos desapareceram.
Por um lado a guerrilha fez implodir os cartéis e por outro lado os mexicanos, que têm muito poder, pressionam-na. Por isso as FARC querem a paz e tornar-se num partido legal. Com o Governo conseguem aguentar-se, mas com os mexicanos é difícil. Temem que os mexicanos financiem guerras internas.

Não crê que possam regressar os cartéis colombianos, uma vez que 60% da produção é colombiana?
Não conseguiram manter o poder da distribuição, foram demasiado visíveis durante muitos anos e as guerras entre cartéis deram cabo deles: cada vez que se enfraqueciam reforçavam os mexicanos. Tudo começou com Pablo Escobar, que enviava a cocaína para os EUA através do México e pagava cada carga. Depois os mexicanos começaram a pedir 50% da coca em vez do dinheiro. Começaram por vender só aos turistas no México. Hoje São Francisco, Nova Iorque, Chicago é deles. Como sabem que as fronteiras estão muito vigiadas, vão pelo Canadá, que tem a fronteira menos vigiada do mundo. É perfeita.

Como é que a droga é transportada?
De barco e depois por terra.

Até submarinos já se encontraram com cocaína.
Sim, mas nunca se apanharam submarinos a atravessar o Atlântico, e eu acho que isso já aconteceu. Há uma gravação de um encontro de um dirigente da máfia russa e de colombianos que tinham de renegociar um pacto, no final dos anos 90. O pacto era dar dois submarinos da armada russa pelo fornecimento de coca durante dois anos. Os submarinos teriam sempre de movimentar-se sob a bandeira de exercícios fictícios da Marinha russa.

Neste livro, além da investigação, também se aventurou num ou noutro capítulo num tom mais literário. Quer aprofundar esse estilo?
Sim, eu quero sempre diferenciar-me do estilo de reportagem. O meu estilo preferido é pegar em factos verdadeiros e pô-los em jeito de romance. Alguns críticos anglo-saxónicos dizem que este estilo não está bem, que compromete o trabalho. Para mim, pelo contrário, aumenta a qualidade do trabalho. Quero pôr lá a minha posição, as minhas sensações e imaginação, embora não invente nada. Isso é que me comprometeria.

No livro A Beleza e o Inferno conta que toda a gente lhe pergunta se tem medo e descreve que o único medo que tem é o de cair em descrédito. E escreve que os criminosos não temem os livros nem os autores, temem os leitores. Não teme, em consequência, ficar sem leitores?
Nunca pensei nisso. Tenho uma espécie de pacto de fidelidade com os leitores. Tudo o que faço tem a ver com os leitores - as entrevistas, a web, para ter uma comunidade de leitores. Nunca na verdade pus a questão de perder os leitores, como se os temas que escolho tivessem sempre obrigatoriamente leitores. Mas se calhar tenho de me pôr esse problema. É como os cabelos de Sansão.

Como se pode resolver o problema da cocaína?
A legalização seria a única solução, embora não me agrade. Não gosto que se legalize nenhuma droga, mesmo as mais leves, mas é a única via. E legalizar não é autorizar, permite antes controlar. Uma droga ilegal reprime-se, mas é muito mais difícil impedir o seu uso. O tabaco ataca-se com campanhas. Quando alguém me diz 'Se se legaliza a droga depois apanhamos um taxista drogado e vou ter um acidente', eu respondo: 'Então e o álcool?'.

Já consumiu alguma vez cocaína?
Não, e não foi por razões morais. Por dois motivos: quando era miúdo era impossível consumi-la porque as organizações criminosas proibiam-na. E quando me tornei mais velho comecei a odiar esse mundo e incomodou-me a ideia de estar a financiá-lo. Nem sequer tive curiosidade de experimentá-la para a descrever. A minha obsessão aqui é em relação ao negócio.

Que vícios tem?
Não bebo, não jogo. Não sei se é um vício, mas estou sempre muito nervoso e se estou sozinho, fechado num quarto, fico depressivo. E tenho tendência a maltratar quem gosta de mim. Mas isto não são vícios, mas mais defeitos. Às vezes penso que se tivesse um vício ajudar-me-ia a distrair. Tenho uma visão quase militar da minha vida, imagino-a mesmo assim. Às vezes imagino-me a enganar a escolta e fugir, ponho um chapéu e ando livre a passear por Roma. Mas acabo por não o fazer, sei que seria um desastre. Outro dos problemas é não poder estar só, não poder fazer disparates.

Essa visão militar é a de quem tem uma missão por cumprir?
Não gosto dessa ideia de missão, mas no fundo é isso que estou a fazer. E depois este livro é uma vingança contra aqueles que pensavam que eu ia parar.

Patriarca sobre os jovens jihadistas. "A juventude é idade propícia a não aderir a nada ou a aderir totalmente a algo"

por A-24, em 23.09.14
Expresso

O cardeal patriarca de Lisboa lembrou esta quarta-feira, no Funchal, os perigos que rondam os jovens ocidentais, alguns dos quais abraçaram o jihadismo e combatem na Síria e no Iraque. Numa sociedade onde existe uma "real falta de causas" e onde se oferece apenas "coisas de consumo imediato", este "tipo de oferta tão primária como faz o jihadismo pode seduzir alguns", diz ao Expresso Manuel Clemente, à margem do congresso internacional que assinala os 500 anos da Diocese do Funchal. 

"A adolescência e a juventude são idades muito propícias a não aderir a nada ou a aderir totalmente a alguma coisa. São idades de definição, de sentido de vida. Se na nossa sociedade, agora falando na Europa, não damos aos adolescentes e aos jovens mais do que coisas de consumo imediato, é natural que alguns deles procurem de outra maneira escoamento para essa disponibilidade para o todo, para o grande rasgo."

Sem causas capazes de motivar os jovens e a sua disponibilidade para a entrega, é natural, diz Manuel Clemente, que alguns se deixem seduzir "por este tipo de oferta tão primária como faz o jihadismo". Em sociedades como as europeias, "a real falta de causas para cativar os jovens pode ser perigosa".
Manuel Clemente
Há muitos jovens ocidentais, incluindo portugueses, que integram as fileiras do Estado Islâmico - são convertidos ao Islão, radicalizados e depois combatem pelos jihadistas. Estado Islâmico esse que o patriarca de Lisboa define como algo "além das barreiras do admissível" e que urge ser parado.
"É algo que passa as barreiras do admissível e, por isso, como diz o Papa Francisco, tem que ser detido. É absolutamente intolerável - põe em causa os princípios básicos da nossa civilização e o que está expresso na declaração dos direitos do Homem de 1948."
Apesar de defender uma medidas urgentes por parte da comunidade internacional, Manuel Clemente, que é também professor de História das Civilizações na Universidade Católica, não acredita que se esteja perante um choque de civilizações, embora admita que existem diferenças entre as sociedades ocidentais e os países islâmicos.
"As sociedades ocidentais fizeram um caminho lento, mas que não pode ter recuo, no sentido da cidadania, da responsabilidade individual, da liberdade de cada um. Isso fez com que, mesmo sem se desligar de sentimentos comuns - religiosos ou outros -, se preservasse e, bem, a liberdade e a responsabilidade individual. Nem todas as sociedades fizeram este caminho - há sociedades onde não há muito espaço para o respeito pela liberdade própria e alheia."
Apesar de ser uma questão a ter em conta, o cardeal lembra que, no Islão, nem todos são radicais, até porque as primeiras vítimas do Estado Islâmico são muçulmanos. "Isto sempre aconteceu. Estamos a falar do Islão, mas podíamos falar de outras religiões. No caso do Islão, e desde o século VII e VIII, houve populações muçulmanas que viveram intensamente a sua crença religiosa e que tiveram contactos pacíficos com outras comunidades, cristãs inclusivamente, mas também sofreram com movimentos radicais de que este agora é um péssimo exemplo."

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Greta Taubert viveu um ano longe da sociedade consumista

por A-24, em 20.07.14
P3

Deixou o seu apartamento em Leipzig, a uma hora de Berlim, e mudou-se para uma caravana na floresta. Durante um ano resistiu à sociedade de consumo e viveu sem gastar um único cêntimo: plantou vegetais, caçou, pescou, construiu mobília, conheceu todo o tipo de pessoas. A competência mais importante em caso de emergência? “Encontrar pessoas e comunidades que nos possam apoiar”, respondeu ao P3 numa entrevista feita por email. A jovem jornalista “freelancer” de 30 anos quis sair da sua zona de conforto e antecipar-se a uma provável falência do sistema económico do mundo ocidental. “Porque havemos de esperar até que a miséria nos force a agir?”, questiona Greta Taubert. De regresso a Leipzig — depois de comprar “collants”, a primeira e mais saudosa compra que fez — dedicou-se a finalizar o livro “Apocalypse Now!” e a espalhar a mensagem: não podemos renunciar à sociedade de consumo, mas podemos (e devemos) combater o hiper-consumismo.



Foi na casa dos seus avós, perante uma mesa cheia de comida, que pensou dar início a este projecto. Como é que surge o “clique”?


Tudo começou numa tarde de domingo comum em casa dos meus avós. A família reuniu-se à volta da mesa, que estava cheia de comida deliciosa e bebidas: bolos de todo o género, sandes, salsichas, etc. Não tinha necessariamente de haver fome para comermos, estávamos sentados, a comer um universo de calorias, para mostrar que estava tudo bem — connosco, com a família, com a nação. Mas enquanto tomava o meu café percebi pela primeira vez que todos os membros felizes desta família já tinham experienciado a falha de um sistema. Os meus pais nasceram na RDA [República Democrática Alemã], formaram uma família, tiveram empregos — até 1989, quando o muro caiu. Os meus avós eram miúdos quando Hitler tentou construir o ‘Reich de 1000 anos’, que (felizmente) terminou passados 12 anos. E os meus bisavós nasceram durante uma monarquia. Três gerações, três ideologias, três experiências limite. O que me tornou tão segura que este capitalismo ocidental com todas as suas perversões — hiper-consumismo, recursos finitos e desigualdades — deveria durar para sempre?

Qual foi a reacção da sua família quando comunicou o que ia fazer?

A minha família não entendeu por que razão eu queria sair da minha zona de conforto. Eles experienciaram como era viver numa sociedade onde há escassez de recursos e fome. Eu disse-lhes: a minha geração nunca teve de lidar com nenhum problema existencial, nós não estamos habituados a fazer trocas, não sabemos reparar coisas, plantar e colher para ser auto-suficiente. Tudo o que sabemos é como ir ao supermercado e comprar e isso torna-nos muito dependentes. É por isso que consumimos e consumimos e consumimos. Porque essa é a base do nosso sistema. Mas nós não podemos ir adiante com este hiper-consumismo: a nossa avidez por novos bens cresce, mas os recursos são limitados. Nós seremos confrontados com isso, mais cedo ou mais tarde. Porque havemos de esperar até que a miséria nos force a agir?

Como é que foi a preparação para embarcar neste ano sem consumismo?

Não houve propriamente uma preparação. Eu estava dominada pelo medo e não conseguia decidir racionalmente qual era a melhor forma de me manter em segurança. Eu queria sair da minha zona de conforto, tornar-me mais independente, perceber o real valor da comida e bens, conhecer pessoas que me ensinassem como usar as minhas próprias mãos e cabeça. Queria libertar-me das amarras do capitalismo.

Plantou os seus próprios vegetais e fruta, fez o seu champô, o seu desodorizante... O futuro pode passar por este tipo de abordagem?

Eu entrei numa dieta de compras. Deixei de comprar, fosse em “shoppings” fosse na Internet. Em alternativa, tentei plantar os meus vegetais, caçar, pescar, trocar, partilhar, construir a minha própria mobília e por aí adiante. Isso foi muito desgastante porque eu era uma completa ignorante neste tipo de competências. E ainda sou. É preciso mais do que um ano para ganhar essas competências culturais com as quais a maior parte das pessoas da minha geração na Alemanha não tem qualquer ligação. Foi uma aventura “hardcore” que me fez pensar sobre as minhas próprias habilidades para resolver até as mais pequenas tarefas. Eu abandonei o meu apartamento e mudei-me para quintas sustentáveis, onde vivi num caravana na floresta. Lá eu aprendi que a mais importante habilidade em caso de emergência é: encontrar pessoas e comunidades que nos possam apoiar.

Perdeu 20 quilos num ano. Como era a sua alimentação?

Muito resumidamente: não era assim tão má. Eu experimentei muita coisa. No início vivia apenas com o que tinha no meu “kit” de emergência. Depois comecei a perceber a quantidade de coisas que podemos encontrar em parques urbanos e bosques. Plantei, juntamente com 30 agricultores, os meus legumes, seguindo a ideia de uma comunidade agrícola. Aprendi como viver apenas com ervas e frutas, caçando e aproveitando as sobras dos supermercados. Eu não sei se a perda de peso foi causada pela alimentação, maioritariamente vegetariana, ou se foi pelo “stress”.

Que pessoas conheceu no último ano?

A experiência mais emocionante foi ver que não há um círculo fechado de pessoas que procuram formas alternativas de viver e pensar. Encontrei jardineiros, “hackers”, “hippies”, homens de negócios, agricultores, anarquistas, artistas, bobos... E percebi que todos tinham o mesmo desejo de se manterem unidos e resistentes a tudo o que se está a passar. Nós temos de começar a perceber que o dinheiro e o consumismo nos têm afastado uns dos outros. 

O título do seu livro parece esperar o pior: “Apocalypse Now!” Porquê esta escolha?

Porque eu comecei com uma perspectiva muito pessimista sobre a forma como o mundo ocidental poderia lidar com a crise económica e sobre como eu também me afundaria com isso. Mas quanto mais experienciei mais descobri sobre a potencial alegria de uma nova sociedade. Eu perguntei a mim mesma: porque hei-de esperar até que todo o sistema falhe? Porque não experimentar novas formas de vida em comunidade antes de tudo acabar? Nós temos o enorme luxo de ter a capacidade de tentar. Devíamos usá-lo mais.

É um livro sobre sobrevivência à crise ou sobre sustentabilidade?

Nem uma coisa nem outra. É uma busca individual por resiliência, ou seja: como resistir às muito prováveis perturbações causadas pela prosperidade ocidental.

Qual foi a coisa mais importante que aprendeu?

Que nos habituamos a tudo. Precisamos de uma comunidade que nos ajude. E que devemos ter sempre algumas nozes connosco.

O que fica por fazer?

Muita coisa. Ainda sou uma principiante, uma observadora, uma estudante. A liberdade é um processo constante.

Quando iniciou esta aventura disse que queria testar se era possível ser independente da sociedade de consumo. Qual é a sua conclusão?

Não é possível não consumirmos. Tudo o que fazemos está ligado à sociedade de consumo. Mas podemos lutar contra o lado perverso disto: o hiper-consumismo. Se fores habituado a plantar as tuas próprias cenouras tu vais comê-las mesmo que não tenham a forma perfeita. Quando constróis a tua própria cadeira, provavelmente cuidarás melhor dela do que se comprares uma no Ikea por cinco euros. E quando descobrimos a alegria da troca de bens e do upcycling começamos a dar valor a uma série de coisas que considerávamos lixo.

Como foi voltar à vida “normal”?

Eu perdi a noção dessas categorias, do que é normal e do que não é normal. Quem é normal? A pessoa que vive do que apanha no caixote do lixo, ou a pessoa que atira alguma coisa para esse caixote? É normal especular (financeiramente) com o espaço habitável, ou simplesmente ocupá-lo?

Qual foi a primeira coisa que quis fazer depois desse ano?

Comprar “collants”. É algo que rasga a toda a hora, não é reparável, não pode ser trocado — este meu lado feminino provavelmente nunca desaparecerá.

E agora, o que mudou na sua vida?

O medo desapareceu.

General D e o "racismo"

por A-24, em 01.07.14
Considerado o "pai do hip hop português", General D esteve ausente de Portugal nos últimos 15 anos, período durante o qual pouco ou nada se soube de si. Regressa hoje para um concerto em Lisboa. Antes falou com o DN.


- Como é que está a ser este seu regresso a Portugal, depois de 15 anos de ausência?
General D.
Estou cá há dois meses. Está a ser curativo, em reencontrar-me com a cultura, com as pessoas, ver as diferenças que há agora no País e as coisas que não mudaram, isso tem sido bastante importante. Tem sido um período de análise. Mas, ao mesmo tempo, sinto-me como se estivesse a preparar-me para um combate de boxe. Estes meses estão a ser isso, física, espiritual e psicologicamente.
- Mudou alguma coisa no País que agora encontra ou as mudanças foram só à superfície?
Mudou a cara, mas os problemas estão lá e acho que ainda maiores do que antigamente, porque agora as coisas parecem estar melhor, o que faz com que seja ainda mais difícil combatê-las. Se se quiser fazer uma luta dá a impressão que se está a lutar contra fantasmas. É como o Dom Quixote, que luta contra moinhos que não existem, mas os moinhos estão lá, existem, estão é bem escondidos.
- Que problemas considera mais flagrantes?
A primeira coisa em que me foco, desde sempre, é a situação do africano em Portugal. Sempre foi essa a minha luta. Nesse aspecto não se deu melhoria nenhuma, piorou até. Piorou porque as pessoas dizem que agora os brancos até vão a discotecas africanas, gostam de música africana, de hip hop, e isso pode dar uma impressão de uma sociedade integrada, mas, em termos de igualdade de oportunidades em termos económicos, sociais e políticos, isso não acontece. A prova disso é que existem situações como a Quinta do Mocho. Em lado nenhum da Europa vi uma Quinta do Mocho. Mas um dos maiores problemas é que as pessoas, tanto as que vivem lá como as de fora e as entidades governamentais, encaram isso com normalidade.
- Encara-se com normalidade o facto das pessoas estarem tão 'guetizadas'?
As oportunidades são negadas a uma determinada parte da população e isto não é só uma questão social, mas racial. É uma questão de racismo institucional que empurra a população negra para essas posições. Isso leva a que se cria uma subcultura com uma série de problemas sociais e, a partir daí, torna-se muito difícil querer ou esperar que as pessoas que vivem nessa realidade tenham uma participação mais positiva e ativa na sociedade. E já nem estamos a falar de emigrantes, mas de portugueses. Existem problemas específicos que têm de ser resolvidos de forma específica. Mas põe-nos todos no saco da emigração, quando não somos todos emigrantes. Juntam os novos emigrantes e tratam todos da mesma forma, esquecendo que os problemas dos primeiros emigrantes nunca foram resolvidos.
- Depois de 15 anos afastado de Portugal esperava que algo tivesse melhorado?
Não. Não tinha esperança que tivesse mudado porque os problemas não são enfrentados. Esse já era o problema da altura. As pessoas não gostam de falar das coisas frontalmente. inventam sempre palavras como "multiculturalismo" e isso esconde os problemas. Com esta atitude a situação vai manter-se por mais mil anos. Até as pessoas que são responsáveis pelo estado de coisas alimentam a apatia e assim mantém-se o desequilíbrio. Cabe-nos agora a nós organizarmo-nos e prepararmo-nos para um verdadeiro debate político. Mas para haver um verdadeiro debate político precisamos de criar estruturas e antes de se criarem as estruturas tem de ser feito um raio-X do verdadeiro problema. Desde que cheguei cá que tenho andado à procura de estatísticas, que não existem. Qual o número da comunidade africana, qual é o número de africanos nas cadeias, qual o número de africanos nas faculdades, qual é a percentagem do aproveitamento escolar dos africanos, porque o aproveitamento escolar está diretamente ligado ao número de pessoas nas cadeias.
- A falta dessas estatísticas é o resultado da tal apatia a que se referia?
Claro. Mas não podemos estar muitos mais anos há espera. Desafio, por isso, a comunidade africana, os historiadores, os sociólogos, os estudantes, os políticos (ainda que não estejam representados no parlamentos, mas eles existem), desafio a nós próprios a encontrar formas de procurar esses estudos e exigi-los, porque eles existem, mas estão camuflados, escondidos. Temos agora de reclamar esses estudos porque eles são importantes para podermos dar uma melhor contribuição à sociedade e para curar as nossas lesões. É do interesse de todos que estas estatísticas sejam tornadas públicas e sejam de fácil acesso para que saibamos qual é o real problema. A mudança da nossa situação social e da nossa situação política passar por nos organizarmos e criarmos um plano. Tenho ando em debates e discussões e existe sempre a tendência de que qualquer movimento negro tem de ser, obrigatoriamente, universalista. Eu sou da opinião que antes de entrarmos nesse universalismo temos de saber, entre nós, o que somos, como vamos contar a nossa história. Temos de criar a nossa estrutura, sarar as nossas feridas internamente, porque nunca ficaram saradas, desde os tempos da colonização. Temos de delinear o nosso projeto e ter um programa de socialização do africano desde a escola primária até ao ponto em que está pronto para contribuir de forma mais ativa para a sociedade. Esse plano não pode ser feito sem ter em consideração as pessoas que são o objeto. Sem estarmos no poder de decisão é muito complicado. Depois de termos esse plano elaborado, que pode demorar anos, estaremos em condições de participar com quem quer que seja.

- Como há pouco afrimou, hoje em dia tem-se a impressão de se estar a lutar contra fantasmas. Isso torna o processo mais frustrante?
Torna-se frustrante porque uma pessoa sente-se ilhado, isolado. Os poderes estabelecidos têm uma máquina perfeita para fazerem das pessoas uma ilha. Ao isolarem uma pessoa economicamente, isso basta para tudo se quebrar à sua volta. Antes de se aperceber, a pessoa está completamente isolada e, a partir daí, qualquer ação cai no vazio.
- Foi por tudo isto de decidiu sair de Portugal ou estes problemas são apenas a ponta do iceberg?
isto é a ponta do iceberg. O que me fez sair daqui foram também problemas ligados especificamente à música. Ainda que esteja tudo relacionado. Mas, no meu caso específico, afetava-me na música porque não me conseguia expressar da maneira que queria. Era barrado não só pelas instituições físicas, mas pela mentalidade das pessoas, em geral. Combater essas mentalidades era extremamente difícil e chegou uma altura em que se tornou quase impossível. Por isso necessitava de me afastar, de olhar para as coisas de forma distanciada para também me reinventar. Essa foi uma das razões porque saí, para me reinventar.
- Na altura o hip hop, em Portugal, não estava tão massificado como hoje em dia. Isso contribuiu para que tenham surjido mais problemas?
Tinha problemas a todos os níveis, de público, com editoras. A própria indústria era muito virgem, não soube lidar com este novo estilo. O que aconteceu noutros países, desde o início, é que os rappers criaram pequenas estruturas e a indústria maior participava com essas pequenas empresas como parceria. E as pessoas que faziam parte dessas pequenas estruturas também integravam o contexto social e cultural que fez nascer a matriz, neste caso o hip hop. Em Portugal se tens alguém que passou a vida a lidar com a Amália e os Madredeus e, de repente, tem de lidar comigo, dia a dia, e tem de se deparar com todos os problemas sociais, culturais que eu trazia, essa pessoa fica confusa porque nunca lidou com essa realidade. Acaba por escolher vertentes que podem não dar resultado. No hip hop não se trata só de música, é o entendimento da raíz, da matriz, qual o estado lógico que criou este movimento. A cultura é melhor explicada não por quem estuda, mas por quem a vive.
- Uma vez mais o facto de não se tratar casos específicos de forma específica, como já tinha salientado.
É o problema deste País. Não lidar especificamente e não oferecer condições para que as pessoas atuem. Muitas vezes quando nos queremos reinvidicar e queremos ter a capacidade de contar a nossa história chamam-nos de racistas, exclusivistas. Nós queremos contar a nossa história para que o nosso contributo seja melhor e o mundo conheça a raíz, que absorva mais sumo da história. Os outros podem ajudar e participar, mas deixem-nos ser os elementos fulcrais, os protagonistas da nossa história. Mas temos ainda de amadurecer o nosso discurso político. Não podemos continuar a falar só em termos se se é ou não racista. Temos de avançar esta discussão para um nível político e científico. Este é um problema que tem de ser resolvido cientificamente, sociologicamente, psicologicamente, historicamente. Esta análise faz-se em qualquer situação social. Porque é que quando se trata do nosso caso não há vontade de se abordar da mesma forma científica? Isto não é uma conversa de esquina, isto é um problema político e social, que afeta a economia do País . O problema dos africanos é o problema de todos os portugueses.
- Quando há 20 anos trouxe este discurso para a música esperava as reações que se seguiram?
Não estava preparado para o ódio. Achava que o que estava a fazer era natural. Vivo nesta sociedade, vejo uma coisa errada, tenho de falar sobre ela, mesmo que seja com aquela ingenuidade dos 18 anos, mas é o processo natural de qualquer cidadão. Quando, um dia, uma amiga minha me disse que tinha um colega que me odiava, mesmo eu não o conhecendo, aí comecei a reconhecer que o que eu dizia e fazia, esse ato, que eu considero um ato de amor, tinha repercussões que não esperava. Não esperava que esse ato de amor voltasse para mim com ódio.
- Como é que recorda desses primeiros anos ligados ao hip hop?
É estranho mas não tenho a sensação que foi há 20 anos. Tenho a sensação que foi há dez dias. Mas o que me fez continuar, acima de tudo, foi um percurso pessoal. Nunca achei que era o rei ou o pai. Claro que estava disposto a fazer o quer que fossee para me encontrar a mim próprio, para ir buscar a minha felicidade. Nesse processo fui encontrando pessoas e situações e fui caminhando pelo hip hop. O hip hop foi a arma que encontrei para me reencontrar enquanto africano e africano a viver fora de África, com todos os problemas que isso traz. Mas fui lendo e ouvindo outras fontes, que falam com o mesmo discurso, de rappers a escritores, políticos, sociólogos, e fui-me encontrando. Mas foi difícil porque até no campo do hip hop não gostavam do hip hop que eu trazia. Primeiro porque era em português e porque eu trazia um rap africano. Era uma revolução dentro de uma revolução. Eu estava à procura das minhas raízes e as minhas raízes estão em África. E, analisando a coisa de forma fria e pragmática, parece-me o processo mais natural. Foi difícil na altura mas, a meu ver, tornou-me, a longo prazo, mais viável, daí hoje estar aqui e as pessoas ainda se lembrarem. Depois deste tempo todo ainda há espaço para mim e o que fiz ainda faz sentido e isso dá-me oportunidade de criar mais.
- Nunca se sentiu desconfortável no papel de "pai do hip hop português"?
Eu sou pai dos meus filhos. Tudo o resto é trabalho. Aceito que, na altura, era mais visível em termos de comunicação, mas isso não fazia de mim pior, melhor ou pai.
- Como analisa o o impacto do Rapública [primeira compilação de hip hop português, lançada em 1994]?
Teve um grande impacto e foi muito importante. Foi o primeiro disco que conseguiu aglomerar os nomes mais importantes que estavam, na altura, a fazer coisas. Eu não participei diretamente no disco, mas foi importante essa aglomeração de talentos e tenho muita pena de não se ter feito mais, devia ter continuado. A partir daí podiam-se ter feito mais concertos da Rapública, terem-se feito mais coisas juntos, mas ficou tudo disperso.
- Houve um sentido de comunidade que se perdeu?
Voltamos à mesma questão. Dispersaram-se porque pas pessoas da indústria que pegaram no que estava a acontecer não entendiam as questões sociais e culturais da matriz, então levaram cada um de nós para o seu meio. Na altura pensamos que aquele pode ser o meio onde posso singrar e isso leva a que se esqueçam os outros que estão à nossa volta. Mas, analisando as coisas com distanciamento, agora é a altura de voltar a pôr as coisas de volta. Não só eu, mas todos os protagonistas do início do hip hop, esses já têm condições financeiras e psicológicas, já vêem as coisas de outra forma e estão numa posição onde podem aglomerar as pessoas.
- Chegaste a fazer gravações para um terceiro disco, na Jamaica, com os Sly & Robbie, mas que nunca foram reveladas. Porquê?
Não encontrei grande recetividade para lançar. Tudo se estava a tornar cada vez mais difícil e, tenho de ser honesto, eu próprio estava a ficar psicologicamente, fisicamente, economicamente e familiarmente desgastado. Embora tivesse esse projeto, de que gostava muito, tive de largar tudo. A minha sanidade mental, psicológica era mais importante que qualquer outra coisa, do que um disco com Sly & Robbie. Mas hoje estou mais sábio e mais forte e em condições de retomar as coisas e criar situações que me beneficiam enquanto pessoa e beneficiam os que me rodeiam.
- Planeia voltar a viver em Portugal?
Onde vou viver é uma incógnita, se fico aqui, se na Inglaterra, porque tenho lá a minha vida, os meus negócios. Mas já decidi que vou voltar à música. Quero fazer mais um disco e mais uns concertos. Quero estar ligado ao movimento do hip hop em Portugal. Tenho consciência do papel que represento e do muito que tenho para dar. Assumo esse papel e essa responsabilidade. Posso não estar a viver aqui, mas há coisas em que é importante ter uma participação, como outros rappers. Não fujo a isso.
- Antes de se ter estabelecido em Londres por onde andou? Ouviram-se muitos rumores.
Havia muitos, dos mais bicudos. Quando estava no Brasil foi a altura em que ouvi mais rumores. Estava nas minhas calmas, a fazer a minha capoeira, a comer as minhas mangas, a curar-me a mim próprio. Mas sabia que não vali a pena responder. Nem havia Facebook para se responder de forma mais imediata, mas mesmo que existisse eu não o faria. Queria distanciar-me. A minha família sabia onde me encontrar e como me contactar, isso era o mais importante. mas além do Brasil estive algum tempo na Nigéria, Dubai, Gana, Estados Unidos.
- Como eram possíveis essas viagens?
Eu ia fazendo trabalhos aqui e ali. Tinha rendimentos. Nunca tive medo de trabalhar. Em Portugal o meu trabalho era a música e dedicava-me a ela 100%. Quando abandonei a música e o dinheiro acabou eu não sabia fazer mais nada, a música tinha sido a minha única forma de rendimento. Então tive de me reinventar, reaprender. Tive de criar um novo personagem, que é o Matsinhe [o rapper chama-se Sérgio Matsinhe], e, a partir daí, adaptei-me às novas circunstâncias e comecei a aprender novas coisas. Nunca tive medo de trabalhar, faço o que for preciso. Aprendi novas áreas e quando aprendia investia em mim próprio, nos meus filhos, na minha evolução enquanto pessoa.
- Em Londres acabou por assumir um trabalho que era o mesmo do seu pai, certo?
Sim, a gestão de propriedades. O meu pai fez isso sempre. Vi-o a fazer, ajudava um pouco, mas nunca pensei de vir a ter o trabalho do meu pai. Mas depois calhou. Fiz alguns cursos de gestão de propriedades. Primeiro comecei a vender e depois a ajudar outras pessoas a comprar e a vender. Na altura foi o boom financeiro e havia muita facilidade. Negociava com bancos, e como comprava as coisas em grandes quantidades, na empresa conseguíamos grandes descontos. Depois esse negócio quase que foi abaixo, com a crise financeira geral. Na altura perdi 80% da minha agenda de contactos, que foram à falência. Então pensei que as pessoam podem não poder comprar casas, mas têm de viver nalgum lado. Comecei então a fazer a gestão de casas, não só para mim mas para outras pessoas que estavam na Inglaterra e outras que estavam fora do País.
- Existe muita expetativa em relação a este concerto de regresso? Com quem estará em palco?
Existe muita expetativa e ansiedade, mas estou tranquilo e confiante. Tenho recebido muito carinho boas reações de pessoas que nem estava à espera. Ainda não houve quem não me tivesse dado força desde que cheguei. No concerto vou ter muitos convidados, como o Halloween, o Valete, Boss AC, Sam, os Family. Vou tocar músicas velhas com nova roupagem, porque os convidados trazem algo de novo. Acho que vai ser único. Para mim vai ser. Tenho feito algumas músicas novas, talvez apresente uma ou duas. Mas o conceito do próximo trabalho já está firmado.

Nikolaos Mijaloliakos, líder de Amanecer Dorado: “Queremos una Europa diferente y que Rusia forme parte de ella”

por A-24, em 17.01.14
Alerta Digital


VR.- Reproducimos la entrevista exclusiva hecha por la radio ‘La voz de Rusia’ al líder de Amanecer Dorado,Nikolaos Mijaloliakos, aún en prisión preventiva por alentar los actos de violencia pese a la inexistencia de pruebas en su contra. Nijaloliahos habla sobre la creciente popularidad del movimiento nacionalista, la persecución política que han sufrido sus miembros, la importancia geopolítica de Rusia para Grecia, y sobre todo, de Europa.



-Tras la detención de los líderes de Amanecer Dorado, ¿ha sentido el apoyo de los electores?

Sí, la solidaridad con nuestro partido aumentó, lo que se confirma a través de las encuestas y los sondeos políticos divulgados por los medios de comunicación griegos. El pueblo se opuso al lavado de cerebro de los medios de comunicación controlados por el Estado vendido al extranjero.

-¿La persecución contra su partido tiene una motivación política?

Sí, tiene motivaciones meramente políticas. No hay prueba alguna que pueda confirmar los cargos formulados contra nuestro partido. No fue casualidad que mi detención y el proceso se realizaron cuando el primer ministro se encontraba de visita en Estados Unidos, hablando entre otras cosas, del futuro de Amanecer Dorado. En una entrevista televisiva, confesó haber autorizado la detención de los líderes del partido.

-¿Cuáles son las perspectivas de un proceso criminal contra usted y sus colegas?

Si la justicia tiene la posibilidad de deliberar sobre la base de las pruebas existentes, estaremos absueltos. Si la justicia es idéntica a la de la era soviética estalinista, todo puede suceder. Sin embargo, hoy en día no se ha presentado prueba alguna de que Amanecer Dorado, un partido legal y parlamentario, sea una organización criminal. En todo caso, se trata de una persecución política.

-Una parte de los medios de comunicación griegos y muchos medios de comunicación occidentales acusan a su partido de neonazi. ¿Está de acuerdo con esta definición?

Categóricamente no, no estoy de acuerdo. Amanecer Dorado es un movimiento nacionalista y anti-capitalista, que se opone abiertamente al protectorado del imperialismo anglosajón. Esto es lo que no pueden perdonarnos. La fraseología sobre el nazismo o neonazismo acabó en 1945. Lo evidente es que los principales medios de comunicación en los Estados Unidos e Inglaterra han desatado una campaña de calumnias contra nuestro partido.

-Los líderes europeos están preocupados por el hecho de que en las elecciones del Parlamento Europeo, los partidos euroescépticos podrían obtener aproximadamente un 30% de los votos. ¿Cómo valora las posibilidades de Amanecer Dorado en las elecciones europeas del 2014?

La mayoría de los europeos han despertado del sueño y no quieren ver a Europa sumisa a la política de Estados Unidos. Los escépticos se muestran en contra de una Europa así. Queremos vivir en una Europa diferente, donde por cierto, Rusia pueda formar parte. Por el número de votos, Amanecer Dorado puede llegar a ocupar la segunda posición, o incluso la primera. Es por eso que me encerraron.

-¿Quiere decir que hay una conexión directa entre el proceso y las próximas elecciones al Parlamento Europeo?

Sin duda existe tal conexión. También existe una relación con las elecciones locales. El índice de popularidad de nuestro partido va en aumento, razón por la que se tomó la decisión de marginarnos, y ponernos fuera de la ley. Por primera vez en la historia griega se está librando una lucha violenta contra un adversario político.

-En opinión del líder del Partido de la Independencia de Reino Unido (UKIP), Nigel Farage, Grecia “fue puesta en el altar de la moneda única europea, mientras el FMI respaldó su dinero como un golpe en contra del pueblo griego”. ¿Acepta ese argumento?

Estoy de acuerdo, sí. Estoy totalmente de acuerdo. Lo que se produjo en nuestro país puede ser descrito como un golpe que ocasionó graves consecuencias económicas.

-¿Es cierto que, en el apogeo de la crisis económica, las acciones del FMI, la Comisión Europea y el Banco Central Europeo han contribuido al aumento de la popularidad de Amanecer Dorado?

Sí, todo ello ha contribuido al crecimiento de la popularidad de Amanecer Dorado, que se manifiesta en contra de los efectos negativos del FMI y de otras fuerzas externas que tratan de explotar nuestra economía nacional.

-En los últimos años, muchos políticos y economistas han recomendado la salida del euro y el retorno a la antigua moneda nacional – el dracma – para garantizar la recuperación económica. ¿Por qué el gobierno no quiere renunciar al euro?

Nuestros objetivos ideológicos y políticos son la rehabilitación de la moneda nacional que, hasta cierto punto, simboliza la libertad nacional. Pero a fin de renunciar al euro, Europa tendrá que pagar una indemnización, visto que nuestras infraestructuras económicas fundamentales fueron destruidas en favor del euro.

-¿Cómo se encuentran las relaciones actuales y futuras entre Grecia y Rusia?

Las relaciones bilaterales han sido fuertes en términos históricos y geopolíticos. Rusia y Grecia son aliados naturales. Grecia podría asegurar la salida de Rusia a los mares cálidos, mientras que Rusia podría cuidar de la seguridad nacional de Grecia. Pero en las últimas décadas, el poder político griego ha actuado en sentido contrario, tras haberse convertido en un protectorado de los Estados Unidos y sus aliados plutócratas en Europa.

-¿Qué futuro tendrá Grecia a corto plazo? ¿Cómo será el país en el 2014?

Está claro que el 2014 será un año difícil para el pueblo griego. Grecia no se desarrollará, mientras que la pobreza y el desempleo aumentarán. Sin embargo, Grecia es un país rico que se encuentra en una zona de importancia estratégica. Si fuera libre e independiente, tendría un futuro brillante. Pero para eso hay que poner fin a la protección de los extranjeros. Grecia debe tener un aliado con intereses comunes, como Rusia, con la que estamos unidos no sólo por intereses geopolíticos, sino, ante todo, por la fe cristiana ortodoxa. En conclusión, deseo transmitir mi saludo fraterno a la nación rusa, que con su ayuda los griegos finalmente obtuvieron su independencia en 1829

El sacerdote Jesús Calvo acusa a Caritas de ayudar a los que “intentarán pisarnos el cuello el día que puedan”

por A-24, em 15.01.14

Alerta Digital


CK.- “En mis parroquias hace años que no hago colectas de Caritas porque se ha convertido en una ONG. Dan a todo el mundo simplemente por ser humanos, aunque no aporten nada y aunque nos intenten pisar el cuello el día que puedan”. Así se pronunció el párroco de León, Jesús Calvo, en su entrevista del pasado jueves en el programa ‘La Ratonera’ al ser preguntado sobre el hecho de que muchos de los subsaharianos autores de los gravísmos incicentes del pasado fin de semana en un pueblo de la provincia de Jaén estuvieran siendo alimentados y asesorados legalmente por Caritas y otras organizaciones católicas.


Añadió sobre esta cuestión: “Nosotros sabemos lo que la caridad. Ellos no la tienen. ¿Por qué no montan ellos su propia Caritas?”, se preguntó el párroco leonés.
Fiel a su compromiso ético con la tradición católica, lo que le lleva a mostrarse extremadamente crítico con quienes se alejan de ella, trátese de la curia española o del mismísimo Papa, Jesús Calvo desgranó, con su contundencia conocida, algunos asuntos de la actualidad relacionados con la Iglesia y la situación política.

“Populista para la gente inculta”

Durante su intervención en el espacio televisivo dirigido y conducido por Armando Robles, el cura castellano-leonés calificó al Papa Francisco como un “populista para la gente inculta” y acusó a la jerarquía católica de desviarse de su compromiso con la verdad revelada por Jesucristo. “Nunca dicen que quien no está conmigo está contra mí o que no se puede estar sirviendo a dos señores”, señaló.
Por otra parte, el Padre Calvo alertó acerca de “la descristianización que está sufriendo Cataluña” y de la “pérdida de credibilidad y de devotos” de la Iglesia catalana. “No sé por qué ha habido tanto fanatismo por parte del clero catalán al hacerse eco de lo que defienden los independentistas. ¿Qué vocación tienen y para qué están? Nunca están para predicar a Dios y la vida sobrenatural, dedicada a la santificación de las almas y a darnos el sentido pleno de la vida. Lo otro no es incumbencia nuestra y hacemos el ridículo”, declaró.
También dijo que la “decadencia moral” que padece la sociedad española “es la causa de todas las demás crisis”. “Ante esta decadencia moral nos estamos quedando solo con el antropocenmtirmso, que es el peligro y el problema que nos ha traído el Concilio Vaticano II y que considera al hombre como el centro de todo. Antes fue el teocentrismo, que situaba a Dios en el centro de todo. Luego, cuando se descubrió que la tierra era redonda, vino el geocentrismo, que nos consideraba el ombligo del universo y ahora hemos acabado en el antropocentrismo, de tal modo que si antes Dios se hizo hombre, ahora el hombre pretende hacerse Dios”.
Al ser preguntado sobre los curas de origen sudamericano que están llegando a España fruto de la falta de vocaciones autóctonas, el Padre Calvo lamentó que el Concilio Vatiocano II pusiera fin al rigor de “de la teología dogmática”. “La formación que reciben los curas ya no es la misma. El reglamento de los seminarios tampoco es el mismo. Pío XII, antes de ser Papa, defendió la creación de seminarios para la formasción de los jóvenes que viniesen de fuera. Se rieron de él y nuestro tiempo le ha dado la razón”.

Zerolo y la pena capital

Especialmente controvertidas fueron las palabras del Padre Calvo sobre el cáncer que padece el dirigente socialista Pedro Zerolo y que están siendo reproducidas por numerosos medios informativos españoles en las últimas horas: “Una cosa es lo personal y otra condenar el pecado. En la misma teología se sabe que el pecado tiene su sanción, su castigo. No me extrañaría nada que la enfermedad de Zerolo fuese también un efecto de la Divina Providencia, que intenta ejemplarizar con los que se ríen de la virtud”, manifestó.
Por último, el sacerdote leonés aseguró que “hay mucha basura social” y defendió la vigencia de la pena capital por ser, dijo, “doctrina católica”. Y apostilló: “Habría que eliminar a mucha gentuza que está haciendo la vida imposible a los inocentes”.

“O futebol é mais instrumentalizado hoje do que foi durante o Estado Novo”

por A-24, em 27.04.13
Historiador Ricardo Serrado defende que o futebol não foi um dos “efes” do Estado Novo. E também assegura que não houve um clube do regime. 

O futebol esteve longe de ser um veículo de propaganda do Estado Novo, que até atrasou o desenvolvimento da modalidade. Eusébio só não saiu de Portugal mais cedo porque tinha de ir à tropa. E não houve um clube do regime, embora o Sporting tenha sido o emblema que teve mais figuras ligadas ao poder. Estas são algumas das ideias defendidas pelo historiador Ricardo Serrado, no livro O Estado Novo e o Futebol, recentemente publicado.


PÚBLICO: No seu livro contesta a ideia de que o Estado Novo se ancorou nos três efes: fado, futebol e Fátima. Porque diz isso?
Quando parti para a minha tese, que serve de base a este livro, ia com a ideia comum de que o futebol tinha sido intensamente politizado e instrumentalizado neste período. Desde que me lembro, ouço dizer que Portugal era futebol, fado e Fátima. Para grande surpresa minha, apercebi-me que as coisas não eram de todo assim. O futebol não foi instrumentalizado, da forma como se diz. Nem há provas, documentos ou indícios de que o futebol tenha sido politizado durante o Estado Novo. E apresento neste livro vários argumentos que suportam esta ideia, como o facto de o futebol não ter sido profissionalizado mais cedo. E podia tê-lo sido, porque logo desde a década de 1920 ganhou uma importância social muito grande, mas o Estado Novo, ainda nos princípios da década de 1940, proíbe o seu profissionalismo.

Porquê?
Porque a ideia que o Estado Novo tinha do futebol, e do desporto em geral, era que deveria ser amador, ao serviço da nação, da educação física, para o cultivo do corpo. O desporto de espectáculo, de massas, era amplamente condenável para o Estado novo. E apresento vários documentos dessa intervenção, no sentido de impedir que o desporto fosse um espectáculo, um entretenimento ou uma profissão.

O Estado Novo nunca apostou no futebol, antes pelo contrário

Apesar desse travão do Estado Novo, o futebol continuou a ser a grande modalidade. Podemos dizer que o Estado Novo não foi nesse capítulo muito bem sucedido?
O ciclismo foi a modalidade rainha no final do século XIX e início do século XX, mas a partir de 1910, sobretudo em Lisboa e depois no Porto, o futebol ganha grande pujança. A partir da década de 1920, o futebol tem já um modus operandi e características que hoje em dia identificamos como fenómenos de massas: a agressividade dos adeptos, a contestação à arbitragem e os campos cheios de gente. Antes do Estado Novo surgir, já o futebol era o desporto-rei.


O Estado Novo tentou mais controlar o fenómeno do futebol do que aproveitar-se dele para a sua propaganda?
O Estado Novo definiu uma política desportiva concreta, que era consonante com o resto da sua política. Sendo um regime autoritário à imagem do seu líder (reservado, que não ia em convulsões), e não tanto regime de massas como o fascismo italiano e o nazismo, o Estado Novo adapta o modelo fascista à realidade portuguesa e às ideias do seu líder. E no desporto segue essa linha. O desporto devia servir para educar, civilizar, desenvolver os valores defendidos pelo Estado Novo, que era completamente contra as massas e a profissionalização de qualquer modalidade.

O nazismo usou os Jogos Olímpicos de Berlim 1936 e o fascismo italiano o Mundial de futebol de 1934. Não detectou nenhuma pulsão do Estado Novo para aproveitar por exemplo das conquistas europeias do Benfica na década de 1960 e dos bons resultados da selecção no Mundial 1966?
Existe algum aproveitamento, mais como consequência. As coisas aconteciam. O Estado Novo não as potenciava, mas colava-se a elas.

Um pouco como acontece actualmente…
Sim. Quando o Benfica foi campeão europeu e a selecção ficou em terceiro lugar em 1966, a ideia era que não era o Benfica ou a selecção, mas sim o país. Aí o Estado Novo faz algum aproveitamento, mas é algo natural e espontâneo num governo que quer chamar a si alguns desses feitos. Não considero que seja um aproveitamento planeado. Foi algo que aconteceu e espontaneamente aproveitou para promover o país.
O clube que teve mais personalidades ligadas ao regime foi o Sporting. Mas não estou a dizer que o Sporting era o clube do regime ou que foi o mais favorecido

Quer dizer que isso não é muito diferente do que acontece actualmente quando um clube português conquista um troféu internacional?
Exactamente. Quando o FC Porto é campeão nacional, vai à Câmara do Porto [desde que Rui Rio tomou posse, essa tradição mudou]. E o Benfica à Câmara de Lisboa. Até tenho ideia de que o futebol é hoje mais instrumentalizado, também de uma forma espontânea, do que no período do Estado Novo. Basta ver o Euro 2004 e a aposta do Estado no futebol, para o potenciar e para retirar dividendos com a sua promoção. O Estado Novo nunca apostou no futebol, antes pelo contrário. Na década de 1920, o futebol estava em desenvolvimento. Esteve nos Jogos Olímpicos de 1928 e tinha alguns jogadores de relevância internacional, como o Jorge Silva, Pepe, Augusto Silva e Vítor Silva. Já na década de 1930 e 1940 o futebol entra em período muito negativo, sofre goleadas e nota-se que a selecção poderia ter algum talento individual, mas a conjuntura não potenciava.

Porquê?
Em 1942, o Estado Novo criou a Direcção-Geral de Educação Física, Desportos e Saúde Escolar (DGEFDSE), que é o organismo que vai tutelar todo o desporto nacional e o futebol ficou ali condensado e preso. E em 1943, lança as leis bases do desporto e diz que o profissionalismo é proibido. Foi preciso esperar até 1960 para alguma equipa portuguesa fazer algo relevante no panorama internacional. Penso que isso se deve em grande medida ao travão imposto pelo Estado Novo, ao aprisionamento do futebol, que já movia largas somas de dinheiro. O Estado Novo nunca quis potenciar o futebol.

Uma das ideias do seu livro é que Salazar não gostava de futebol. Mas não houve outras figuras do regime a tentar instrumentalizar o futebol?
O facto de Salazar não gostar de futebol não impedia que outros gostassem, como era o caso de Américo Tomás, Craveiro Lopes, Henrique Tenreiro, Cancella Abreu. Claro que havia agentes do Estado Novo que gostavam de futebol, mas sobre Salazar não há indícios de que tivesse clube. Aliás, poucas vezes se manifesta sobre desporto. Fá-lo para anunciar o Estádio Nacional, quando o Benfica foi campeão europeu em 1961 e no Mundial de 1966, mas é um homem à parte do fenómeno desportivo. Aliás, quando ele recebe o Benfica em 1961, vê-se que é um homem que não está muito à vontade com a gíria do futebol e nem sequer seguiu a carreira da equipa. Disse qualquer coisa como: ‘então foi muito difícil resolver o vosso problema de futebol?’.

Mas terá ficado impressionado com o impacto social das vitórias do Benfica de 1961 e 1962?
Sim, porque esse impacto social é algo sem precedentes no país. Foi uma manifestação da portugalidade e penso que o Estado Novo deixou as pessoas expandirem-se, embora não tenha valorizado em demasia essas conquistas. Aliás, em 1966, quando o Eusébio tem o seu grande Mundial e a consagração internacional, o Diário da Manhã, que era o órgão oficial do Estado Novo, escreveu nas páginas centrais que o melhor jogador do mundo não era o Eusébio mas sim o Pelé.
Não foi o Eusébio-jogador que foi impedido de sair, mas sim o Eusébio-militar ou cidadão

Outras das ideias comuns é que Salazar impediu Eusébio de sair o país. Algo que também contesta no seu livro…
Sim. Com todo o respeito pelo Eusébio, que foi um dos melhores jogadores de sempre, nunca encontrei nenhum indício que leve a pensar que Eusébio tenha sido “nacionalizado” ou impedido de sair do Benfica por ser um símbolo ou herói nacional. O que aconteceu, e o próprio Eusébio o diz numa entrevista em 1995, foi que em 1962-63, ele teve um pré-acordo com a Juventus e acabou por não sair por intervenção do Estado Novo, mas porque tinha de ir para tropa. À luz do Estado Novo, era impensável dispensar fosse quem fosse de ir à tropa. O que costumo dizer é que não foi o Eusébio-jogador que foi impedido de sair, mas sim o Eusébio-militar ou cidadão. Ainda para mais, em 1966, o Inter de Milão quis contratar Eusébio, que chegou mesmo a escolher casa, e só não foi porque a federação italiana fechou as portas a estrangeiros, por causa de ter feito um mau Mundial e de querer potenciar os jogadores nacionais. Ainda para mais, o professor Manuel Sérgio confidenciou-me que o director da DGEFDSE era seu amigo pessoal e que se houvesse uma “nacionalização” de Eusébio ele teria sabido. Trata-se de um mito. Eusébio foi impedido de sair, mas apenas por razões militares.

Também defende que o Estado Novo não interveio de forma pensada nos clubes.
Não há nenhum clube do regime, primeiro porque o mentor do regime não tem clube, ao contrário de Franco [em Espanha], que se diz que era do Real Madrid. Salazar não esteve nas inaugurações dos estádios dos principais clubes. Depois, o clube que mais ganhou durante a segunda metade do Estado Novo foi o Benfica, que era o clube que tinha mais oposicionistas ao regime e que, na sua direcção, teve menos pessoas ligadas ao mesmo. O clube que teve mais personalidades ligadas ao regime foi o Sporting, onde contabilizei cerca de 12 ou 13 dirigentes com ligações ao poder.

Terá a ver com a génese mais elitista do Sporting?
Penso que sim. Talvez pela posição social mais elevada esses dirigentes estivessem mais próximos do poder. Mas não estou a dizer que o Sporting era o clube do regime ou que foi o mais favorecido. Durante a primeira metade do Estado Novo, o Sporting é o mais ganhador, mas na segunda metade é o Benfica.

O Belenenses também tinha algumas figuras ligadas ao regime e foi campeão em 1946. Houve algum traço de clube do regime?
Não. O Belenenses entrou em decadência nos anos 1960, talvez por causa de ter construído um estádio com um esforço financeiro muito grande. O estádio do Restelo custou mais do que o da Luz. Em 1975, o estádio foi mesmo hipotecado e Américo Tomás até teve de intervir, mas nunca encontrei traço de clube de regime.

O Benfica foi o clube que teve mais oposicionistas declarados

Pelo contrário, na confrontação com o governo foi o Benfica quem mais se aproximou desse papel, nomeadamente por causa do hino censurado a Félix Bermudes (Avante Benfica)…
Sim. O Benfica foi o clube que teve mais oposicionistas declarados.

E teve mesmo um presidente comunista…
Sim, o que é inédito. Manuel da Conceição Afonso é o único caso conhecido de um comunista a presidir a um clube durante o Estado Novo. Naquela altura, todos os dirigentes de instituições tinham de assinar uma declaração a dizer que não eram comunistas. No caso do desporto, era uma declaração que vinha da DGEFDSE. E até li num livro que Manuel Afonso se terá recusado a assinar essa declaração. O próprio Félix Bermudes, que fez o hino Avante Benfica [que o Estado Novo censurou, dando origem ao actual Ser Benfiquista], fez parte das listas da oposição nas eleições de 1949. Norton de Matos acaba depois por desistir e Félix Bermudes ficou chateado. Estamos a falar de oposicionistas activos.

Essas simpatias ou antipatias pelo regime traduziam-se apenas em actos simbólicos?
A inauguração do Estádio de Alvalade foi a 10 de Junho, data escolhida pelo presidente Góis Mota, que foi um homem forte do Estado Novo, tal como outro presidente do Sporting Cazal Ribeiro. A escolha do 10 de Junho teve algum simbolismo, por ser uma data importante para o regime.

Tal como o facto de a inauguração do Estádio das Antas ter sido feita a 28 de Maio de 1952 [aniversário da revolução que instaurou o regime do Estado Novo]…
Também. Na altura, o presidente do FC Porto [Urgel Horta] era deputado à Assembleia Nacional. E o ministro das Obras Públicas tinha dado alguma ajuda e a direcção do FC Porto achou por bem inaugurar numa data importante para o regime.

Mas essas conotações limitavam-se aos dirigentes?
Sim, embora os dirigentes fossem o espelho da respectiva massa associativa.

Das poucas vezes em que Salazar aparece com trajes desportivos, surge dentro de um veleiro e diz que se houvesse um desporto nacional deveria ser a vela, por estar ligada ao mar

Vislumbrou alguma tentativa de essas figuras próximas do regime tentarem chamar os adeptos para o seu lado político?
Respondo com um sim, embora não um sim muito claro. O autor da letra [Paulino Gomes Júnior] “Ser Benfiquista” era um salazarista e chegou a ser director do jornal do Benfica. Os textos dele mostravam alguma propaganda salazarista, não algo que viesse de instâncias superiores, mas sim como tradução do que era a visão dele. Mas onde isso é mais clarividente é no jornal do Sporting. Não é por acaso que na inauguração do Estádio de Alvalade, a 10 de Junho [de 1956], expressões como império, raça ou génio lusitano são usadas. São palavras gratas ao regime e que denotam uma clara colagem ao Estado Novo, que é espontânea, porque essas pessoas eram salazaristas e não o procuravam esconder.

A interracialidade no futebol português foi usada pelo regime para passar uma mensagem positiva para o exterior, de um Portugal colonial harmonioso?
Quando Portugal foi à fase final do Mundial de 1966 essa mensagem passou. Foi uma oportunidade muito boa para transmitir uma harmonia entre a metrópole e as colónias, numa altura em que os impérios coloniais europeus se desmoronavam.

Olhando para o futebol em Portugal hoje, acredita que este desporto tem um papel mais central na sociedade do que aquele que teve durante o Estado Novo?
O futebol alcançou um patamar social importante logo nos anos de 1920 e não era muito diferente daquilo que é hoje. Já movimentava muita gente e até tinha patrocinadores que procuravam aproveitar a popularidade deste desporto. Havia pequenos empresários a investir dinheiro no futebol, que já tinha uma organização relativamente complexa. Com o final do Estado Novo o futebol, e o desporto em geral, foram muito mais potenciados. Durante o salazarismo o futebol foi amputado da sua vertente mais profissional, de espectáculo e de entretenimento e hoje em dia isso não acontece.

É verdade que Salazar defendia que o desporto nacional deveria ser a vela?
Sim, das poucas vezes em que ele aparece com trajes desportivos, surge dentro de um veleiro e diz que se houvesse um desporto nacional deveria ser a vela, por estar ligada ao mar. Na Mocidade Portuguesa, por exemplo, o desporto mais proeminente era o campismo.

um sobrevivente norte-coreano

por A-24, em 23.12.12
The following is a script from "Three Generations of Punishment" which aired on Dec. 2, 2012. Anderson Cooper is the correspondent. Andy Court, producer.


Anderson Cooper: Did anybody ever explain to you why you were in a camp?

Shin Dong-hyuk: No. Never. Because I was born there I just thought that those people who carry guns were born to carry guns. And prisoners like me were born as prisoners.

Anderson Cooper: Did you know America existed?

Shin Dong-hyuk: Not at all.

Anderson Cooper: Did you know that the world was round?

Shin Dong-hyuk: I had no idea if it was round or square.

Camp 14 was all that Shin Dong-hyuk: says he knew for the first 23 years of his life. These satellite images are the only glimpse outsiders have ever gotten of the place. Fifteen thousand people are believed to be imprisoned here -- forced to live and work in this bleak collection of houses, factories, fields, and mines, surrounded by an electrified fence.

Anderson Cooper: Growing up, did you ever think about escaping?

Shin Dong-hyuk: That never crossed my mind.

Anderson Cooper: It never crossed your mind?

Shin Dong-hyuk: No. Never. What I thought was that the society outside the camp would be similar to that inside the camp.

Anderson Cooper: You thought everybody lived in a prison camp like this?

Shin Dong-hyuk: Yes.

Shin told us that this is the house where he was born. His mother and father were prisoners whose marriage, if you could call it that, was arranged by the guards as a reward for hard work.

Anderson Cooper: Did they live together? Did they see each other every day?

Shin Dong-hyuk: No. You can't live together. My mother and my father were separated and only when they worked hard could they be together.

Anderson Cooper: Did they love each other?

Shin Dong-hyuk: I don't know. In my eyes we were not a family. We were just prisoners.

Anderson Cooper: How do you mean?

Shin Dong-hyuk: You wear what you're given, you eat what you're given, and you only do what you're told to do. So there is nothing that the parents can do for you and there's nothing that the children can do for their parents. (Excertos)


PS: À atenção do Bernardino Soares

Zé Pedro. “Vivi tudo intensamente, ao limite e até não poder mais”

por A-24, em 03.08.12
Entre uma agenda recheada de concertos porque o Verão é mesmo assim, o Zé Pedro aceitou encontrar-se connosco no café do Centro Cultural de Belém. Numa entrevista na segunda pessoa, o guitarrista dos Xutos & Pontapés assume um passado intenso e de excessos, conta a sua recuperação e, acima de tudo, a grande paixão que tem pela música.
Já passou mais de um ano desde que fizeste o transplante de fígado. Significou o início de uma nova vida?
O transplante não era uma coisa que estivesse longe do horizonte. O problema de saúde mais grave que tive foi em 2001, quando fui parar ao hospital. Nessa altura deixei de bom grado os consumos exagerados que tinha até então. Foi óptima a recuperação que tive desde aí, mas sempre a viver na sombra desse transplante. Este foi o culminar de um ciclo de recuperação que consegui levar a bom porto, mas sempre soube que mais dia ou menos dia iria ser preciso fazer o transplante do fígado. Felizmente correu tão bem que não tive nem em 2001 nem em 2011 a necessidade de parar alguma coisa da minha actividade.
A partir de 2001 foste obrigado a viver a vida de outra forma?
Fui acima de tudo obrigado a adaptar- -me a uma nova vida. Também já estava cansado dos excessos. Não renego nada do que fiz no passado e não tenho nada para emendar. Acho que vivi tudo intensamente, vivi até ao limite, até não poder mais. Felizmente foi-me dada a oportunidade de uma segunda vida, que estou a aproveitar o máximo possível e estou--me a dar muito bem. Não me custou nada abandonar o álcool e as drogas e ainda bem que foi assim. Consegui ultrapassar tudo e o meu corpo acompanhou a minha cabeça e esse desejo de transformação. Esta nova vida é muito mais positiva. Se continuasse viciado em drogas e em álcool, seria um velho completamente decadente. Não me apetecia nada estar a viver agora uma série de coisas, temos de as viver nas alturas certas. Hoje vivo com grande tranquilidade, a fazer aquilo de que gosto e rodeado das pessoas de que gosto.
É mais difícil dar um concerto sóbrio? É diferente. O rock&roll e os Xutos & Pontapés são as coisas mais importantes na minha vida. Pensamos sempre que estamos a controlar muito bem as drogas, mas o álcool e as drogas ultrapassam- -nos. Nos últimos meses antes de ir parar ao hospital (2001), o consumo exagerado de drogas e de álcool tinha ultrapassado o gosto que tinha de tocar, de dar espectáculos e de fazer música.
Agora dá mais gozo?
Tiro muito mais gozo e não tenho dúvida nenhuma de que esse foi um dos pontos fundamentais para largar tudo.
Tenho a noção de que a década de 80 foi mais complicada em termos de droga e de álcool para as bandas portuguesas...
São sempre problemas transversais. Antigamente não havia informações nenhumas, não se sabia as repercussões que muitos dos consumos iriam ter na vida futura. A biografia de Keith Richards explica isso muito bem. Eles consumiam exageradamente produtos sem saber as consequências que isso viria a ter na cabeça e nos comportamentos de quem consumia nessa altura. Agora a informação é maior, mas o negócio da droga rende milhões ou triliões, quase tanto como o negócio das armas. Por isso, é um negócio que nunca vai desaparecer, porque não há interesse em que desapareça porque há nações que vivem disso. São negócios altamente rentáveis.



Por teres passado por essa experiência, dás conselho aos mais jovens?
É impossível dizer aos mais jovens para não se drogarem. Há alturas em que, se calhar, tem de se experimentar. Acho estúpido que uma pessoa nunca tenha apanhado uma bezana na vida. As coisas têm de ser experimentadas, pode-se experimentar um charro. Hoje há mais informação, as pessoas podem-se proteger muito mais e, por isso, podem tomar cautelas perante determinados perigos que esses consumos poderão trazer, ao contrário do que acontecia na minha geração.
Nessa altura, também o assunto era mais tabu...
Sim, agora as coisas são mais abertas, há mais oportunidades de falar com pessoas que conhecem esses perigos, de recorrer a técnicos que podem ajudar de uma maneira ou de outra. Apesar de estar afastado das drogas, dá- -me a sensação de que há a introdução cada vez maior de drogas químicas, o que torna os processos mais complicados, pois estas actuam em pontos viciantes do cérebro e este fica muito mais facilmente viciado do que com simples drogas naturais, como a erva, onde é possível sair desse ciclo muito mais facilmente. Infelizmente, há pessoas cada vez mais novas a consumirem haxe e erva, o que é muito prejudicial porque estão numa altura de formação do cérebro e isso vai afectar a sua formação natural. Vivemos numa sociedade viciante, temos de assumir isso, e há pessoas com o cérebro mais virado para o vício.
Concordas com a liberalização das drogas leves?
Concordo com a liberalização de todas as drogas porque implicaria ter uma informação maior sobre tudo. Se existisse essa liberalização é porque existiria uma consciência grande da sociedade em relação a um produto inevitável. Ao mesmo tempo, iria aliviar o tráfego das drogas e haveria um maior controlo de tudo. Claro que não é um processo que possa ser feito de um dia para o outro e isso não quer dizer que começássemos todos a fumar charros. É como dizer que, com a liberalização do aborto, todas as mulheres começassem a abortar. É ridículo. A liberalização das drogas seria uma maneira mais controlada e, se calhar, mais consciencializada de consumir.
Os Xutos & Pontapés já fizeram 33 anos de carreira. Estás arrependido de alguma coisa ou terias feito algo diferente?
Não me arrependo de nada. A banda teve o percurso que teria de ter num país como o nosso. Somos um país pequeno que não tem uma indústria à volta das bandas como nos Estados Unidos. Cá, o percurso das bandas é muito mais solitário, mas temos conseguido aguentar a formação quase original há 33 anos – o João Cabeleira é o elemento mais recente e está, pelo menos, há 30 anos na banda, acho que é brutal. Queremos continuar como estamos, temos a nossa independência, a nossa criatividade sem pressões nenhumas do exterior.
Por estarem há tanto tempo juntos, não se cansam uns dos outros?
Cansamos, não é só paraíso, mas esse conflito é saudável porque todos temos o objectivo de levar os Xutos & Pontapés o mais longe possível, porque é essa a nossa vida.
Esses conflitos não estão relacionados com os projectos paralelos que cada um tem?
Não, hoje em dia todos temos trabalhos paralelos, principalmente eu, o Tim e o Kalu. O primeiro a ter um trabalho paralelo a sério foi o Tim, com os Resistência, e foi um trabalho em que ele próprio sentiu necessidade de estar presente. Acho que seria frustrante se algum de nós o tivesse impedido de entrar nos Resistência ou no Rio Grande ou nos Cabeças no Ar. Foi benéfico para a banda porque trouxe experiências novas do trabalho dele com outros músicos e ele próprio descarregou uma série de necessidades musicais que tinha e que não tinha espaço nos Xutos & Pontapés.
São um grupo que agrada a várias gerações. Como é possível?
Esse é o desejo de todos os músicos do mundo. Não há segredo nenhum para isso, há talvez uma atitude que os Xutos & Pontapés têm e que, felizmente, conseguem chegar a uma série de gerações. O melhor elogio que nos podem dar é alguém dizer que formou uma banda porque o primeiro concerto a que assistiu foi o nosso. Enquanto isso acontecer, a banda continua a ter intervenção junto das camadas novas. É muito bom termos refrões que cheguem às pessoas e que sejam cantados, há letras que foram escritas há uma série de tempo e fazem sentido na cabeça das novas gerações.
O alinhamento dos concertos continua a apostar nas músicas mais antigas…
Todos os anos mudamos de alinhamento porque felizmente temos repertório e êxitos bastante grandes que podem entrar e sair conforme o alinhamento que queremos. Tentamos sempre mostrar coisas novas que não são tão visíveis de álbuns anteriores.
Uma das músicas que foram compostas por ti é a “Submissão”, mas deixou de entrar nos alinhamentos...
Já voltei a cantar. Houve um período em que não cantei porque estava num período de recuperação e os meus colegas não me deixavam cantar para não me esforçar muito. Hoje em dia já canto, tenho todo o gosto em cantar, porque é uma música de que gosto muito.
“Não sou o único” também foi composta por ti. Esperavas este sucesso?
Não. Essa música pertenceu, se não me engano, ao “Circo de Feras”, que foi um álbum recheado de grandes êxitos, e o “Não sou o único” passou na altura um bocadinho despercebido. Acabou por ser recuperado pelos Resistência e ganhou muita notoriedade. Houve uma altura em que muitas pessoas pensavam que era uma música dos Resistência e não nossa.
Os concertos ao vivo continuam a ser uma aposta da banda?
Os Xutos & Pontapés sempre foram uma banda de palco, embora hoje em dia tenhamos condições de trabalho que nunca tivemos antes. Temos uma óptima sala de ensaios, um estúdio onde podemos gravar aquilo que queremos. Mas o nosso habitat natural é em cima do palco.
Uma das músicas que deixaram de tocar foi o “Eira nem beira”, por associarem o refrão “Senhor engenheiro” a José Sócrates?
O “Eira nem beira” tem, acima de tudo, um problema para tocarmos ao vivo, porque precisamos de um baterista. O Kalu não consegue ou não quer ou não se sente confortável a tocar bateria e a cantar. Há algumas músicas que o Kalu canta em disco e não são tocadas ao vivo por causa desse problema. Na altura tínhamos alguém que o substituía e entrava exclusivamente nessa música para tocar bateria enquanto o Kalu cantava. Mas os Xutos & Pontapés não são uma banda política e, na altura em que o “Eira nem beira” saiu, houve uma tentativa muito grande por parte dos media de tornarem a música um hino político. Os Xutos e as bandas rock têm uma intervenção social e não uma intervenção política. A música, apesar de ter sido escrita durante o período de governação de José Sócrates, não é uma arma apontada a Sócrates. Aliás, entendo a música como um pedido de ajuda a quem nos está a governar, e não o atirar uma pedra a quem nos governa. Nessa altura calhou a Sócrates, se fosse noutra altura a letra teria o mesmo sentido. Hoje teria o mesmo sentido para o primeiro-ministro ou para outra pessoa qualquer que nos governa.
Poderia ser dedicada a Miguel Relvas?
(Risos) Nunca quisemos dar a nenhuma das nossas letras uma conotação política. Cada um de nós tem as suas convicções políticas, mas em conjunto trabalhamos numa base social. E muitas das nossas letras têm esse alerta social. É o caso, por exemplo, do desemprego.
Qual é a música que gostas mais de tocar ao vivo?
É muito difícil dizer, porque há músicas que fazem muito sentido tocar ao vivo, mas depois ou cansam ou tornam-se menos apetitosas. Quanto a mim, o “Remar remar” é uma espécie de bandeira de luta por tudo o que passámos. A música foi lançada numa altura em que não tínhamos editora nem tínhamos espectáculos. O grande trunfo que os Xutos & Pontapés têm para conseguirem uma tão longa vida é terem sabido aguentar muito bem os tempos difíceis e os tempos mais complicados que atravessámos ao longo destes 33 anos. O “Remar remar” é o sinónimo muito grande dessa vontade de continuar a remar contra a maré.
Ainda te lembras do Rock Rendez Vous?
Lembro. Lembro muito bem.
Que recordações tens?
Para mim era a minha casa de fim-de- -semana. Antes de ir para qualquer sítio passava sempre pelo Rock Rendez Vous, independentemente da banda que tocasse. Foi um clube que iniciou o boom do rock português. Não tenho dúvida nenhuma de que o impulso que as bandas em Portugal ganharam se deveu à existência deste espaço. Os Xutos & Pontapés foram a banda que mais tocou e que mais gente trouxe a esse espaço. Fomos a única banda que gravou lá um álbum.
Qual foi o momento mais alto da tua carreira?
Um deles foi tocar com os Rolling Stones, que é a minha banda de referência. Foi o Keith Richards que quase me meteu uma guitarra na mão e me influenciou a ser guitarrista. Pisar um palco com os Rolling Stones foi extremamente emocionante. Pode não ter sido o momento mais alto da carreira dos Xutos, mas foi talvez o mais emocionante para mim enquanto músico.
Quando é que decidiste tornar-te músico profissional?
É difícil em Portugal tomar a decisão de que vamos ser músicos profissionais, pelo menos na área de música moderna e de pop/rock. Quando comecei a tocar guitarra – e já comecei tarde, por volta dos 20 anos –, achei que a música faria sentido na minha vida. Ouvi sempre muita música, ainda hoje continuo a ouvir, continuo ansioso por tentar descobrir coisas novas, e isso deu-me sempre uma motivação muito grande para estar em cima do palco. Os Xutos & Pontapés, antes de terem os “Contentores” e a “Minha casinha”, tiveram sete anos a dar concertos. Foi uma coisa que se foi enraizando dentro de mim a partir do momento em que comecei a tocar.
Nunca pensaste seguir outra profissão?
Iria sempre fazer qualquer coisa ligada à música. Comecei por ser jornalista no “Diário de Lisboa” sobre música, ainda escrevi algumas crónicas. Fiz também alguns programas de rádio como colaborador.
Por iniciares a carreira aos 20 anos, os teus pais não criticaram a tua decisão?
Somos sete irmãos e, felizmente, os meus pais sempre abriram as portas para seguirmos aquilo que o nosso coração mandava. Claro que ficaram preocupados, principalmente o meu pai, pois a minha mãe, pelo menos, sempre se mostrou mais aberta e achava que tinha uma veia artística bastante forte. Sempre acreditaram em mim e deram-me alento para continuar e para acreditar que os Xutos poderiam fazer sentido na minha vida.
Por falar em passado, viveste os primeiros anos de vida em Timor. Como foi a vinda para Portugal?
Os meus pais já faleceram. O meu pai era militar e acompanhei-o para Timor e para a Guiné, são os dois sítios onde me lembro de ter estado; já as minhas irmãs mais velhas nasceram em Moçambique. Fui para Timor muito novo, com três ou quatro anos e, por isso, não me lembro do passado anterior. O que fez com que chegasse a Hong Kong e tivesse a noção, pela primeira vez, de que existia uma cidade com arranha-céus e luz eléctrica. Não tinha noção do que era e foi uma descoberta brutal, por ver que afinal havia outra coisa. Na altura, não havia televisão em Timor e havia histórias de que havia outro mundo além daquele, mas não fazia ideia do que era.
Foi então uma boa surpresa?
Foi uma óptima surpresa. A partir daí, tornei-me bastante curioso e, quando cheguei a Lisboa, andava a absorver tudo o que era novo. Lembro-me da primeira vez que vi um autocarro, nunca tinha visto nenhum na vida e achei fascinante.
Por o teu pai ser militar tiveste uma infância ou uma adolescência mais rígida?
Não. Houve um equilíbrio extraordinário em termos de educação entre o meu pai e a minha mãe. O meu pai era uma pessoa extremamente culta e introduziu-nos muitos apetites por cultura. Comecei a ouvir discos com o meu pai e ele punha-me a tentar descobrir os vários instrumentos musicais. Esse legado devo-o a ele.
Viveste parte da tua vida nos Olivais…
Quando fui para lá viver, os Olivais eram um bairro de subúrbio. Lembro-me de quando fui para lá viver e queríamos ir ao Martim Moniz, tínhamos de fazer um planeamento, um preparativo, como se fosse uma missão arriscada.
Quais são os teus projectos futuros?
Neste momento tenho trabalho com os Xutos, não só a dar concertos como também a trabalhar em material novo. Contamos lançar um novo álbum de originais no próximo ano ou no ano seguinte, conforme estiver pronto o material. Tenho ainda uma banda paralela, “Os Ladrões do Tempo”, o que me dá muito gozo e vamos tocar no dia 30 de Agosto no Ritz Club. Já temos, pelo menos, metade do disco gravado e em princípio iremos lançá-lo no início do próximo ano.
Está previsto o regresso do Palma’s Gang?
Não está previsto. Infelizmente e naturalmente, fomo-nos afastando. Houve uma tentativa de junção no primeiro Super Bock, quando actuámos no festival. Mas cada um tem as suas vidas e eu vivo grande parte da minha vida no Porto, e isso também me afasta um bocadinho de poder estar presente em outros sítios. Simplesmente, o facto de poder tocar músicas do Palma foi para mim um prazer enorme. Conseguimos gravar um disco no Johnny Guitar, fomos a única banda a gravar um disco nesse espaço, foi óptimo, e acho que ficou um bom registo do melhor momento do Palma´s Gang.
Por falar em Johnny Guitar, tens saudades desses tempos?
Não, o Johnny Guitar foi tão bem vivido que só tenho boas memórias desse tempo. Foi um bar extraordinário que acompanhei, a que me dediquei de corpo e alma, e fez todo o sentido na altura. Já várias vezes me propuseram abrir um outro Johnny Guitar e isso nem sequer me passa pela cabeça. As coisas têm sentido em determinadas alturas da vida, a vida tem de ser jogada para a frente, não se pode estar a viver de memórias passadas. Ajudámos muitas bandas, conheci muita gente e saímos todos de cabeça levantada em relação ao que se passou naquele clube de Santos. Hoje em dia existem outros clubes a fazer muito pelas bandas portuguesas, como o Music Box, o Santiago Alquimista e o Ritz Club.
Falámos só em futuros projectos profissionais e em termos pessoais. A ideia de quereres ser pai ainda se mantém?
Sim, tenho muitos sobrinhos, e isso também me deu apetite para ser pai. Mas pode ser que ser em breve consiga ter uma criança. Não é uma prioridade exagerada, mas quando se encontra o amor da nossa vida temos a necessidade de construir alguma coisa mais sólida.
Já agora como vês a actual crise?
O problema não é o país, é o mundo. Não há um interesse muito visível, de quem possa resolver a crise, de a querer resolver. Assistimos a guerras entre o euro e o dólar, a interesses americanos a chocar com os chineses, e nós estamos no meio. São interesses mundiais e Portugal sofre com isso. A austeridade portuguesa é imposta pela troika. Para mim não é este o melhor caminho a seguir e fico chocado quando, no meio de uma crise como esta, ouvimos falar em desfalques e não aparecem culpados.
Passos Coelho é a melhor pessoa para governar o país?
Os políticos deixam muito a desejar. Conheci pessoalmente Passos Coelho e foi uma pessoa de que gostei, mas também tinha tido esperança em José Sócrates e o país caminhou por onde caminhou. Podem ter boas intenções, não duvido, mas ficam envolvidos numa teia de que não conseguem sair. Não é o primeiro-ministro que consegue mandar, há muita coisa à volta que manda e de forma muito mais forte do que qualquer decisão tomada por um primeiro-ministro.

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