Quando eu ainda era um mero aluno de faculdade vivendo em Montreal, o Quebec já estava pleiteando sua secessão do Canadá. Foi uma época intelectualmente empolgante, especialmente para um americano como eu, que sabe que, caso o mesmo debate ocorresse nos EUA, as ferrovias que vão para o estado secessionista seriam destruídas e sua população seria esfaimada.
Agora que a Escócia está planejando fazer o mesmo, seria legal açular novamente as controvérsias, só que em termos puramente econômicos.
Em 1995, a pergunta era se Quebec deveria se separar da Confederação Canadense. As emoções falaram mais alto. Um dos líderes secessionistas argumentou, imprudentemente, que a vitória do "Sim" faria com que todos os demais eleitores canadenses se sentissem como "lagostas jogadas na água fervente". Açulando ainda mais os nervos estavam os federalistas alertando sobre um iminente caos econômico, político e monetário em caso de secessão. No final, o voto foi incrivelmente apertado: 49,4% votaram pela secessão; 50,6% votaram pelo não.
Com a Escócia indo às urnas semana que vem para decidir se irá ou não se separar do Reino Unido, o tom da campanha, novamente, é de paixão e emoção. E os secessionistas, novamente, já estão se aproximando do valor mágico dos 50%. Mas isso ainda não é o suficiente para abrir aquela garrafa de malte: até o momento, as casas de aposta em Londres ainda estão pagando 4 para 1 contra a vitória dos secessionistas. (O que significa que, se você apostar uma libra na vitória da secessão, você ganhará 4 libras caso sua aposta seja a vencedora).
Mas, ainda assim, a secessão permanece uma possibilidade real.
Um dos principais debates é sobre se a Escócia é pequena demais ou insignificante demais para se tornar independente. Durante o referendo de Quebec ocorreu um debate praticamente idêntico, com os secessionistas argumentando que o Quebec possuía uma população maior que a da Suíça e um território maior que o da França, ao passo que os federalistas preferiam comparar Quebec aos EUA ou ao "resto do Canadá" para mostrar sua insignificância.
Em uma curiosa coincidência, a Escócia de 2014 e o Quebec de 1994 têm praticamente a mesma população: entre 5 e 6 milhões de pessoas. Isso é praticamente o mesmo que a Dinamarca ou a Noruega, e meio milhão a mais que a Irlanda. Mesmo em termos territoriais, a Escócia se impõe: praticamente o mesmo tamanho da Holanda e da Irlanda, e três vezes maior que a Jamaica. O fato de Irlanda, Noruega, Holanda e Jamaica serem considerados países de tamanho sustentável é apenas mais um ponto em prol dos separatistas.
Portanto, ser pequeno é possível. Agora, é uma boa ideia?
A resposta, talvez um tanto surpreendente, é um retumbante "sim!". Ao menos estatisticamente. Por quê? De acordo com os números do World Bank Development Indicators (Indicadores de Desenvolvimento do Banco Mundial), dentre as 45 nações soberanas da Europa, os países pequenos são quase duas vezes mais ricos que os países grandes. A diferença da riqueza per capita entre os 10 maiores e os 10 menores é de 84% quando se considera toda a Europa, ou 79% quando se considera somente a Europa Ocidental.
Trata-se de uma diferença abismal. Para colocar um pouco de perspectiva, uma diferença de riqueza de 79% é a diferença entre a Rússia e a Dinamarca. Isso é impressionante quando se considera as similaridades históricas e culturais dentro da própria Europa Ocidental.
Mesmo entre as nações de mesmo idioma, as diferenças são gritantes: a Alemanha é mais pobre, em termos per capita, do que as pequenas nações que também falam alemão (Suíça, Áustria, Luxemburgo e Liechtenstein); a França é mais pobre, em termos per capita, do que as pequenas nações que falam francês (Bélgica, Andorra, Luxemburgo, Suíça novamente, e, é claro, Mônaco). Até mesmo a Irlanda, que foi durante séculos devastada pelos ingleses belicistas, é hoje mais rica do que seus senhores do Reino Unido, que possui um território 15 vezes maior.
Por que isso ocorre? Há duas razões. A primeira é que os governos de países menores tendem a ser mais suscetíveis às demandas de sua população e mais intimidados por ameaças de emigração. Quanto menor o país, mais forte tende a ser a reação da população a políticas insensatas, e consequentemente mais sensatas tendem a ser as políticas adotadas por seus governos. Ideias ruins tendem a ser corrigidas mais precocemente.
Governos pequenos possuem vários concorrentes geograficamente próximos. Se um governo passar a tributar e a regulamentar mais do que seus concorrentes, a população emigrará, e o país sofrerá uma fuga de capital e mão-de-obra. O governo ficará sem recursos e será forçado a revogar suas políticas confiscatórias. Quanto menor o país, maior a pressão para que ele adote um genuíno livre comércio e maior será a oposição a medidas protecionistas.
Toda e qualquer interferência governamental sobre o comércio exterior leva a um empobrecimento relativo, tanto no país quanto no exterior. Porém, quanto menor um território e seu mercado interno, mais dramático será esse efeito. Se os EUA adotarem um protecionismo mais forte, o padrão de vida médio dos americanos cairá, mas ninguém passará fome. Já se uma pequena cidade, como Mônaco, fizesse o mesmo, haveria uma quase que imediata inanição generalizada.
Imagine uma casa de família como sendo a menor unidade secessionista concebível. Ao praticar um livre comércio irrestrito, até mesmo o menor dos territórios pode se integrar completamente ao mercado mundial e desfrutar todas as vantagens oferecidas pela divisão do trabalho. Com efeito, seus proprietários podem se tornar os mais ricos da terra.
Por outro lado, se a mesma família decidir se abster de todo o comércio inter-territorial, o resultado será a pobreza abjeta ou até mesmo a morte. Consequentemente, quanto menor for o território e seu mercado interno, maior a probabilidade de sua adesão ao livre comércio.
Caso Mao Tsé-Tung fosse o prefeito de uma pequena cidade em vez de chefe de um país de quase um bilhão de pessoas (à época), suas ideias insanas não teriam chacinado milhões de pessoas.
A segunda é que países pequenos não têm dinheiro para desperdiçar em ideias megalômanas. Coisas como guerra ao terror, guerra às drogas, invadir outros países, mandar tropas para outros países, ou espalhar bases militares ao redor do mundo não estão na agenda desses países. Uma Escócia independente, ou o Quebec, não irão invadir o Iraque. É necessário um país grande para se fazer coisas realmente insanas.
É claro que há outras questões mais prementes a serem consideradas pelos escoceses, de impostos e subsídios a empresas ameaçando ir para a Inglaterra em caso de secessão. Além de, é claro, as profundas questões histórico-culturais da região.
Ainda assim, como economistas, o que podemos dizer é que a Escócia é grande o suficiente para "sobreviver" por conta própria; e, com efeito, é bem provável que ela se torne mais rica após a secessão. É melhor se tornar pequena e rica como a Irlanda do que continuar grande e pobre (sempre em termos per capita) como o Reino Unido.
In Canada today, helping Muslim girls is “racist.” Edmonton Transit last year caved in to Islamic supremacist demands and took down bus ads sponsored by my organization, the American Freedom Defense Initiative (AFDI), offering help to Muslim girls who were living in fear of honor killing. But we are fighting back. We’ve initiated a court action to defend free speech – which is supposed to be protected by the Canadian Charter of Rights and Freedoms.
Nowadays it seems increasingly in both the U.S. and Canada that free speech is only allowed to those whose positions are popular. But the whole purpose of free speech, the foundation of any free society, is to protect people who tell unpopular but necessary truths. If any group has the power to censor messages it doesn’t like, society is no longer free.
The Canadian media certainly hate our message of hope and freedom. The media in Canada called our ads “dishonorable,” “controversial,” and, above all, “racist.” It’s “dishonorable” and “controversial” and “racist” to save lives? Under the Sharia, yes, it is. And so in Edmonton, Sikh Councillor Amarjeet Sohi, who should know better than to carry water for the Islamic supremacists who oppressed his people for centuries, ordered officials to take down our ads immediately. They complied – even though vicious blood libels against Israel are just fine and have run on transit systems across Canada.
Apparently Muslims complained about our ads. Why? Is this how the Canadian Muslim community responds to the desperate circumstances of Muslim girls living in devout Muslim homes? They deny, obfuscate, and dissemble. The Muslim community protects the idea of honor in Islam, while smearing and libeling as “racists” the truth tellers coming to the aid of these girls.
Honor killing is a grim reality that is largely ignored, and girls are suffering as a result. In Canada in 2007, 16-year-old Aqsa Parvez was strangled to death by her father and brother for refusing to wear hijab. And two years later, Mohammad Shafia murdered his first wife and three daughters in an another honor killing. Our ad depicted “Muslim Girls Honor Killed By Their Families,” with photos of Aqsa and six other honor killing victims. It read: “Is your family threatening you? Is there a fatwa on your head? We can help: go to FightforFreedom.us.” (Source)
Uma adolescente de 15 anos enforcou-se depois de ter sido alvo de bullying na internet durante anos, num caso que está a chocar o Canadá. Ativistas Anonymous identificaram dois possíveis agressores.
"Não tenho ninguém. Preciso de alguém. O meu nome é Amanda Todd." No dia 10 de outubro, uma adolescente de 15 anos enforcou-se em casa, em Vancouver, no Canadá, depois de muitos anos de tormento. Foi a própria a revelar a sua história trágica, que chocou o país, num vídeo publicado no YouTube há um mês.
Quando tinha 12 anos, Amanda Todd costumava conferenciar com os amigos da escola através da webcam que tinha no quarto. Um dia, desafiada por um utilizador anónimo, mostrou o peito, mas arrependeu-se rapidamente. A partir daí, nunca mais teve sossego.
O homem começou a importuná-la e, após as recusas de Amanda de aceder aos seus pedidos, ameaçou contar tudo aos amigos da adolescente. Cerca de um ano depois do primeiro incidente, o perseguidor encontrou os amigos de Amanda no Facebook e adicionou-os a um grupo com a fotografia dela sem camisola.
Tentativas de suicídio
A adolescente canadiana entrou em depressão e recorreu a ajuda psicológica, mas tentou matar-se em duas ocasiões, de acordo com o que conta no vídeo publicado no YouTube, no qual explica, em nove minutos dramáticos, o inferno por que passou, recorrendo a cartões com frases escritas.
"Perdi o respeito de todos e os amigos", lê-se no vídeo de Amanda, cuja mudança de escola e de cidade também não melhorou a situação. Os novos colegas acabaram por descobrir tudo e Amanda voltou a ser humilhada.
Mais tarde, surgiu o boato de que a adolescente estaria interessada no namorado de uma colega, pelo que um grupo de jovens apanhou-a desprevenida à entrada da escola e agrediu-a violentamente. O pai foi buscá-la, "escondida numa valeta", e Amanda só "queria morrer". Quando chegou a casa, bebeu um frasco de lixívia. "Matou-me por dentro, pensei mesmo que ia morrer", explica no vídeo, mas acabou por ser transportada para o hospital, onde lhe fizeram uma lavagem ao estômago.
Mesmo assim, o bullying através das redes sociais nunca cessou. "Mandavam-me fotografias de líxivias e de valetas. Disseram-me 'espero que experimentes outra lixívia da próxima vez'". Amanda voltou a tentar matar-se, com uma overdose de comprimidos, mas não foi bem sucedida. Até ao passado dia 10, quando foi encontrada enforcada em casa.
Anonymous identifica agressor
O caso chocou o Canadá, inundando os meios de comunicação social, e chegou ao Parlamento, onde foram debatidas penalizações para o bullying cibernético, na última semana.
Na segunda-feira, o grupo de hackers ativistas, Anonymous, publicou um vídeo em que revelava a identidade do suposto bully de Amanda, com a morada do homem. Os defensores da adolescente apressaram a criar grupos online em que aconselhavam o suposto bully a "dormir com um olho aberto".
Contudo, a polícia local conclui que o homem em questão não se tratava do bully, apesar de ter admitido que tinha trocado mensagens com Amanda e com outras adolescentes - e está a ser acusado de ter abusado sexualmente de uma jovem com menos de 16 anos.
Entretanto, o grupo Anonymous voltou à carga, dizendo que o bully é, afinal, um homem que mora nos EUA, acusação que já está a ser investigada pelas autoridades. O grupo disse que "não se importava" de se ter enganado na primeira identificação, porque se tratava, de qualquer forma, de "um pedófilo", cita o jornal "The Star", de Toronto.
A família de Amanda Todd têm mantido o silêncio, mas a polícia revelou que os familiares estão "chocados" com a situação. Esta semana foi realizada uma vigília de adolescentes em Port Coquitlam, a cidade natal da adolescente, para recordar a memória da vítima. "Não tenho ninguém. Preciso de alguém. O meu nome é Amanda Todd."
A vitória do partido independentista no Quebeque ameaça recolocar de novo na agenda a questão da independência da única província francófona do Canadá, como os confrontos de ontem indiciam. A verificar-se, será em grande parte devida ao célebre discurso do General De Gaulle, Presidente da França, que em 24 de Julho de 1967, ao terminar uma visita oficial ao Canadá, pronunciou no Hotel de Ville de Montreal as palavras que ainda hoje ressoam como o melhor slogan independentista do Quebeque: "Vive Montréal! Vive le Québec! Vive le Québec libre". Que diferença entre estas declarações incendiárias e o actual politicamente correcto que os governantes de hoje constantemente exibem.
Quem ia pescar bacalhau sofria e chorava, mas só para dentro, que chorar para fora era feio Por Jorge Marmelo Após 11 anos de proibição, os arrastões portugueses vão poder voltar a pescar bacalhau na Terra Nova, o lugar mítico onde nasceu uma das mais arreigadas tradições gastronómicas nacionais. Enquanto o peixe não chega, fomos ouvir as histórias de quem já por lá andou a pescar e sofrer Quando, em 1943, fez a primeira campanha do bacalhau na Terra Nova, João Laruncho de São Marcos, o capitão São Marcos, com 90 anos feitos no mês passado, liderava um comboio de embarcações no qual seguiam vários lugres navegando à vela e dois barcos a motor, o São Ruy e o Santa Maria Madalena. Era segundo piloto numa embarcação com 125 homens, o São Ruy, e sentiu-se "chocado" por, em pleno século XX, se andar "ainda a pescar daquela maneira, sem nenhuma evolução". "Os pescadores dormiam três horas e passavam 20 no mar, ao frio. Primeiro as mãos calejavam e depois gretavam e ganhavam pus por todos os lados. Mas tinham de continuar a trabalhar. Aquilo nem era considerado doença, era trabalho. Lavavam as mãos com água oxigenada e continuavam", conta. O capitão São Marcos já tinha andado no Mediterrâneo, onde viu de perto a metralha do mundo em guerra, mas, nas paragens geladas do mar canadiano, reinava uma paz relativa. "Em Génova passei um mau bocado, mas na Terra Nova nunca houve confusão, apareciam era muitos destroços de navios afundados", recorda. Dentro dos homens, porém, a batalha naval estava apenas a começar. Esperava-os a dureza das condições de pesca, os frequentes ciclones, as tempestades que "custavam a gramar". "Mas nunca pedi nada a deus. Não acredito. Habituei-me, isso sim, a chorar só para dentro. Os homens choravam com o sofrimento, mas só para dentro, que chorar para fora era feio." João Laruncho de São Marcos só fez duas viagens nas embarcações tradicionais da pesca do bacalhau e, depois, passou para os arrastões que começavam a tomar conta da frota portuguesa e que alteraram radicalmente as condições da pesca do bacalhau, tornando as "companhas" mais rápidas e um pouco menos duras, já não muito diferentes daquelas que experimentarão aqueles que agora, em 2010, regressarão à Terra Nova e aos míticos campos de gelo onde se forjaram uma das mais arreigadas tradições gastronómicas nacionais e também uma das mais notáveis gestas marítimas deste país de marinheiros. Aos 49 anos, porém, o capitão São Marcos abandonou o mar e dedicou-se à pesca a partir da terra, planeando e negociando. "Nunca mais entrei a bordo de um navio e não tenho saudades. Quem tem saudades de coisas más é louco ou masoquista", sentencia. "A aventura em terra é muito mais fértil do que no mar. No mar não há nada, é tudo plano e deserto." Não há, pois, nenhuma nostalgia nas palavras do capitão São Marcos. Pedimos-lhe que nos conte histórias. As mãos tremem-lhe, da idade, traindo a firmeza e juventude que mantém no olhar. "Histórias... A vida é uma história pegada. Quando se tem muitos episódios desses, quando as histórias são contínuas, esquecem-se. Só recordamos quando são acidentais", desculpa-se. "Leia o meu livro", diz a cada passo. "Mas não são histórias do mar, são histórias de uma relação com o mar", conclui. "Leia." Abrimos, pois, Memórias de Um Pescador ao acaso. Da primeira viagem no São Ruy conta, por exemplo, como informou um pescador da mensagem recebida, via rádio, da mulher e da filha, dizendo "estarem todos bem e saudosos", ao que o homem reagiu baixando a cabeça e dizendo: "Essas putas, mãe e filha, andam por lá a pôr-me os cornos e eu por aqui a parti-los contra os vaus e as tábuas da pana." "E foi assim que a minha alma e espírito se endureceram, já que o muito trabalho e a falta de dormir fizeram o mesmo ao físico", conclui. O cheiro do sangue
Vitorino Paulo Ramalheira é ilhavense como São Marcos e como a maioria dos capitães da pesca do bacalhau. A Avenida Mário Sacramento, em Ílhavo, ainda é conhecida como "a avenida dos capitães", embora actualmente só lá more João São Marcos, uma espécie de patriarca dos velhos lobos do mar do Norte. "Os outros já morreram todos", diz. Os pescadores eram sobretudo poveiros, das Caxinas, ou nazarenos. "O Vitorino, para mim, foi sempre um menino", diz o capitão São Marcos. Um menino com 80 anos de idade e que chega ao Museu Marítimo de Ílhavo com um sobretudo e um boné que faz lembrar o do capitão Haddock das aventuras de Tintim, mas com o mesmo olhar vivo de São Marcos. Vitorino Paulo Ramalheira, o capitão Vitorino, também não tem saudades do mar. "Agora só se fosse para ir ver e comer aqueles petiscos", diz. Mas dificilmente podia ser mais diferente do capitão São Marcos. Recorda os "momentos muito amargos", passados "com o coração nas mãos", os naufrágios, os contratempos e as emoções, a "vida áspera e cheia de perigos", mas também os "momentos muito agradáveis" vividos nas campanhas às águas geladas da mítica ilha canadiana.
O capitão Vitorino foi pela primeira vez à Terra Nova em 1951, como terceiro piloto do Gil Eanes, o navio-hospital que apoiava a frota bacalhoeira portuguesa. Para além da assistência médica propriamente dita, o antigo navio alemão - nacionalizado no fim da Primeira Guerra Mundial e que hoje está em Viana do Castelo, transformado em museu flutuante -, levava mantimentos, combustível, sal e água doce para abastecer a frota. "Saía daqui um mês depois e levava encomendas para os barcos, batatas e isco congelado, e também dava assistência religiosa. Tinha um capelão a bordo para dizer a missa e dar apoio moral aos doentes", recorda.
Filho de pescadores, Vitorino Ramalheira foi aconselhado pelo pai a manter-se afastado da pesca do bacalhau. "Nunca gostei de pescar, mas sim de andar à procura de peixe", diz, depois de contar a estranha atracção que a pesca do bacalhau exerceu sobre ele: "Um dia, no Gil Eanes, desci a bordo de um barco onde estavam a fazer a escala do peixe. O cheiro a sangue era indescritível. Aquilo entusiasmou-me."
Em 1952 embarcou como piloto no Elisabeth porque queria casar-se e se ganhava mais no bacalhau - "E nunca mais saí." Comandou depois várias escunas, com as suas quatro velas, muito elegantes, "como gaivotas". Em 1960 tornou-se capitão do Aviz e, cinco anos depois, viu-o arder como uma tocha nos mares da Terra Nova. "Havia muitas gambiarras para se poder pescar à noite e, sendo um barco de madeira, impregnado de óleos, pouco mais havia a fazer do que deixar arder. Felizmente era Setembro, não estava muito frio, o tempo estava bom, e não se perdeu ninguém", conta.
Não havia, nesses barcos, instrumentos que ajudassem a encontrar os cardumes de bacalhau e o sucesso da campanha dependia quase exclusivamente da intuição do comandante, da sorte e de alguma estratégia. O capitão Vitorino reunia todas e demonstrou-o logo na primeira viagem: "Os barcos à nossa volta estavam a fazer 30 ou 40 quintais [1800 ou 2400 quilos], eu fiz logo 180, o que é uma pesca magnífica. Disse, no rádio, que tinha feito 120, mas um tio meu que lá andava repreendeu-me e disse-me que, assim, os outros barcos iam todos pôr-se à minha volta."
Noutra ocasião, decidiu ir mais cedo ao porto de North Sydney abastecer-se da cavala que servia de isco. Seguiu logo para a Gronelândia e já tinha pescado à farta quando os outros barcos lá chegaram. "Era uma luta terrível. A competição entre os barcos eram acérrima", conta. "Quando não encontrávamos peixe, os pescadores até nos chamavam nomes." Amarrados ao leme
O capitão Vitorino é um excelente contador de histórias. Era possível ficar a ouvi-lo um dia inteiro a contar como se amarravam ao leme nos dias de tempestade, como só no fim dos momentos "mais aflitivos" se pensava no que acabara de acontecer e sobre o "muro de temperatura" que enfrentavam quando passavam a divisória das correntes marítimas na orla dos grandes bancos. "De repente, a temperatura baixa dos 20 para os 5 graus e formam-se grandes nevoeiros. Para os pescadores, o nevoeiro era terrível e o capitão ficava preocupado. Não se via nada."
Nesses barcos tradicionais, o capitão escolhia o sítio onde se ia pescar e, pelas 5h30, eram lançados ao mar barcos mais pequenos, os dóris, os quais se afastavam um pouco, até três milhas de distância, e a partir dos quais os pescadores lançavam 20 linhas com 50 braças de comprimento. Em cada braça (1850 metros) de linha havia um anzol com isco. Os bacalhaus vinham, mordiam e iam ficando presos. Quando a faina corria de feição, era preciso puxar 50 bacalhaus de cada vez. "Era difícil e exaustivo. Era preciso uma força fantástica." A única ajuda que tinham era a dos "comunistas", o redfish, que se enche de ar quando vem à tona e fica a boiar, tornando as linhas um pouco mais leves. Nessa altura, conta o capitão Vitorino, os pescadores deitavam fora o redfish. Mais tarde haviam de voltar à Terra Nova apenas para pescar esta espécie alternativa.
Com o nevoeiro, o trabalho da pesca fazia-se sem ver nada à volta, apenas com o auxílio de uma agulha de marear, que indicava a direcção do navio-mãe, mas que não contabilizava o vento e as correntes. Os mais novos, "os verdes", tinham de ir na companhia dos "maduros", uma vez que, recolhidos os aparelhos, os pescadores tinham de achar o caminho de regresso às cegas. Alguns não voltavam. "Era um método obsoleto, mas que tinha virtudes. Não para os pescadores, que tinham uma vida muito dura, mas para os peixes. Aquele método não prejudicava os fundos e o isco escolhia o peixe. Os maiores chegavam primeiro ao isco e os mais pequenos ficavam para poderem crescer e serem pescados depois." Mais tarde, com os arrastões, o bacalhau foi desaparecendo dos bancos, o que motivou a proibição de pescar naquelas águas, só agora levantada, ao fim de mais de dez anos. Com o método tradicional, não faltava peixe na Terra Nova. O capitão Vitorino conta que, no Creoula, o pai chegou a ver entrar 640 quintais de bacalhau num dia. Cada quintal são 60 quilos. É fazer as contas.
E havia ainda, claro, os icebergues e os campos de gelo que, num navio de madeira, "corta como facas". Certa vez, a sul do cabo Farewell, a bordo do Condestável, o vento puxava para um lado, a água para o outro. Havia ondas altas e, a todo o momento, podia aparecer um bloco de gelo soprado pelo vento. "Foram horas bastante amargas", mas o capitão Vitorino nunca colidiu nas 19 "companhas" que fez. "Nunca me arrependi. Depois das campanhas ficava-se cinco meses em casa e acabava-se por esquecer os bocados maus", garante.
A tempestade perfeita
José Pequeno, 53 anos, fez a primeira viagem para a Terra Nova em 1979, com 23 anos, numa altura em que o bacalhau começava a escassear e a mão-de-obra também. Até ao fim da Guerra Colonial, eram ainda muitos os que aproveitavam a legislação que permitia escapar à luta em África, substituindo o calor das savanas pelo frio da Terra Nova. Em 1979, porém, já não havia colónias para defender ou evitar. Substituíam-se os barcos de arrasto lateral pelos de arrasto de popa. "A pesca à linha estava a desaparecer", confirma Pequeno. Os barcos de madeira também. E o bacalhau que chegava à mesa dos portugueses vinha cada vez mais dos mares da Noruega. A frota começava a ser reconvertida para outras espécies, o redfish e a palmeta, passando a congelar-se o peixe, em vez de o salgar. O baptismo do capitão Pequeno nos mares gelados do Canadá foi, de resto, para pescar redfish. A campanha durou dois meses. Nada a ver com a pesca de antigamente, pois. Mas foi, ainda assim, "muito marcante", assegura. A viagem no Nossa Senhora da Vitória estava a parecer fácil, mas o regresso foi atribulado. Perto dos Açores, José Pequeno percebeu, enfim, o que era o mau tempo no mar. "O navio fez de submarino, esteve debaixo de água por causa do peso." E a tripulação, de nazarenos e poveiros, rendeu-se à fé. "Vi homens de barba rija ajoelhados a rezar", conta. Em 1982, o capitão deixou o Santa Joana a arder na Terra Nova, perto do cabo Flemish, depois de um incêndio ter atingido a casa das máquinas. "Estivemos quatro horas nas balsas, à espera que chegasse ajuda. Dois moços estavam quase em hipotermia quando chegaram o Santa Cristina e o Senhora dos Mareantes. Estava 1 ou 2 graus, mas, com o vento, aquilo torna-se agreste." Também em 1982, o capitão José Pequeno esteve perto do olho da tempestade perfeita que inspirou o filme The Perfect Storm, com George Clooney, Mark Wahlberg e Diane Lane. "Fomos para sul, para fugir, mas ainda apanhámos uma pequena amostra." Noutra ocasião, o Nossa Senhora da Vitória esteve uma semana sob mau tempo, uma vaga partiu os vidros todos e arrancou uma balsa, e o barco, sem força para resistir, foi arrastado pelas correntes quase até aos EUA. "Demorámos oito dias para regressar ao pesqueiro e, pelo caminho, encontrámos a balsa que tínhamos perdido", conta José Pequeno. Entre avarias, balizas partidas, lemes e hélices danificados, temperaturas que perto do Labrador chegam aos 25 graus negativos e movimentos furtivos do gelo, o capitão garante que o mar "também tem coisas boas" e que é "entusiasmante", apesar do Natal sempre passado fora de casa, porque é preciso chegar à Terra Nova no dia 1 de Janeiro, quando começam algumas quotas de pesca. "Fazemos como se estivéssemos em família. Pára tudo às seis da tarde, até às seis da manhã do dia 25." Vão pescar bacalhau e comem bacalhau. "Somos portugueses acima de tudo. Comemos bacalhau pelo menos uma vez por semana quando estamos a bordo. Com grão, é sagrado", sorri. Aos 53 anos, o capitão José Pequeno conta andar mais dois anos no mar. "Não auguro grande futuro para isto", diz, sublinhando as dificuldades da pesca nos mares da Terra Nova. "Há alturas em que nem se consegue abrir os olhos com o frio. Os redeiros, quando é preciso reparar as redes, só conseguem estar lá fora cinco ou dez minutos e têm de fugir para dentro. Quando se leva um pato, com uma vaga, é preciso ir logo mudar de roupa, senão aquilo congela tudo. Noutras ocasiões, as redes ficam congeladas e, para recolhê-las, é preciso ir lá com a mangueira do vapor." Depois, diz, "também há histórias muito bonitas, em terra". "Mas essas não se podem contar. Talvez um dia, nas minhas memórias."
Uma mulher a bordo
História curiosa é aquela que conta Manuel Gonçalves Afonso, o chefe Afonso, que passou 23 anos no porão do Santo André, o arrastão que a Câmara de Ílhavo transformou em barco-museu e que o capitão São Marcos chegou a comandar. No início dos anos 80, recorda, o navio teve um piloto do sexo feminino, uma rapariga de Oeiras, destemida, que entrava nas lanchas e trabalhava juntamente com os pescadores da Terra Nova. "O comportamento dos homens era completamente diferente, não se ouvia uma asneira. Aquilo era uma santidade", recorda. Um dia, porém, a regra teve a sua excepção. A tripulação desembarcou em Saint Jones, onde o Santo André fora reabastecer, e "um daqueles indivíduos para quem é sempre tudo muito fácil armou-se em engraçadinho". "Mas ela não deu hipóteses. Sabia fazer-se respeitar." O chefe Afonso era responsável pelas máquinas do barco e conta como, às vezes, os pescadores iam para o porão aquecer-se um pouco. "Se lá fora estavam 30 graus negativos, cá dentro estavam 7 ou 8."
Encontrámo-lo no Santo André, onde o chefe Afonso está evidentemente em casa. Debita continuamente dados sobre o arrastão lateral. O nome dos motores, um Werkspoor holandês de 1700 cavalos, sobrealimentado, 265 rotações e passo variável, e um Lister Blackstone para o guincho das redes ("não há melhor do que isto"), as 400 toneladas de combustível com que o barco seguia para a Terra Nova, consumindo seis mil litros por dia, as 200 toneladas da aguada, as 600 toneladas de bacalhau que podiam ser transportadas no porão de salga... "Este é que era bacalhau bom, amanhado, salgado e prensadinho", comenta. "Agora o bacalhau é todo congelado e só é salgado quando chega a terra", lamenta. A primeira viagem de Manuel Afonso para a Terra Nova foi em 1958. Tinha um trabalho diferente dos restantes: oito horas de serviço na casa das máquinas, excepto quando havia uma avaria e era preciso desmontar tudo e reparar. "Trabalha-se até acabar, 30 e tal horas seguidas sem comer", conta. Nas águas frias onde o bacalhau habita, as condições são difíceis também para quem tem de tratar das máquinas. O gelo "enfarinhado" tapa os ralos de aspiração de água para a refrigeração dos motores e, por isso, "não havia mãos a medir". "Tínhamos de desentupir tudo de dez em dez minutos." Os cabos das antenas congelavam e caíam. As placas de gelo sacrificavam as hélices e provocavam fugas de óleo. A água doce congelava nos reservatórios e era preciso racioná-la. "Só se podia tomar um banho por semana." Nos momentos piores, era preciso colocar bojões nas torneiras, para que não pudessem abrir-se. "Depois vieram os vaporizadores que dessalinizam a água do mar e mudou tudo", conta. Lá fora, às vezes, levantavam-se grandes tempestades com ventos gelados de 200 quilómetros por hora e vagas que entravam no barco e encharcavam também a casa das máquinas. "Andava tudo aos trambolhões." Entre 1965 e 1990, o chefe Afonso assistiu "quase todos os dias" a histórias que talvez valesse a pena contar - se fosse capaz de recordá-las. Mas lembra-se, isso sim, que as condições de trabalho na Terra Nova eram extremamente difíceis, ao ponto de alguém que saísse para a ponte ficar com as barbas congeladas. "Era tudo gelo, mas é no gelo que está o bacalhau. Muita gente come o bacalhau e não sabe o sacrifício que é pescá-lo", remata. "Agora há quem lá vá só para comprar [aos armazéns] e trazer, sem pescar nada."