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A-24

Dos comentários valiosos II - Sobre Portugal e a RDA

por A-24, em 28.11.14
Fernando Vieira, comentando esta notícia no Observador

Em finais da década de 80, antes da queda do muro, tive o privilégio de conviver, por motivo de trabalho, com um cidadão da então RDA (República Democrática da Alemanha), de seu nome Hans e de cujo sobrenome já não me lembro. A empresa para a qual eu trabalhava tinha adquirido algumas máquinas da RDA, e o Hans foi o técnico que veio para nos ajudar a instalar e colocar as referidas máquinas em funcionamento. É verdade, não se admirem, porque nessa época a RDA exportava máquinas para os países ocidentais, não só para a empresa que eu trabalhava, que era uma das maiores multinacionais do ramo no mundo e de origem francesa, mas também para muitas outras empresas.
Como eu era o responsável pela manutenção, e o único técnico da empresa em Portugal que falava inglês, era comigo que o Hans falava sobre quase todos os assuntos, não só de trabalho, mas também pessoais. Ele já tinha estado em outros países de quatro continentes. As despesas de alojamento e de alimentação do Hans eram por conta da empresa dele, e o transporte de ida e volta à nossa fábrica era por conta da nossa empresa. O Hans estava instalado numa pousada da região, que era a mais barata e nem sequer tinha restaurante. De manhã, alguém da nossa empresa passava na pousada para o trazer, e ao final da tarde levava-o de volta, não para a pousada, mas sim para o centro da cidade, porque ele queria passear e ver as montras das mais diversas lojas. Depois, ele seguia a pé para a pousada que ficava a 8 Km de distância do centro, para o merecido descanso.
A nossa empresa não tinha cantina, apenas um refeitório para quem levasse comida de casa, e o Hans ia almoçar lá, leite e pão sem mais nada, que ele mesmo levava. Um dia, ele ficou indisposto, quase desmaiou, e eu mesmo levei-o ao hospital local. Lá, fiquei a saber que ele estava com a pressão arterial demasiado baixa, e que, além de almoçar só pão e leite, raramente jantava. Porquê? Porque os dólares que a empresa dele lhe passara para o seu alojamento e alimentação, cujo valor não posso precisar agora, eram o valor máximo que alguma lei (estúpida) da RDA permitia, em função do número de dias que estaria fora do país dele. Esse valor mal dava para pagar a pousada barata. Falei com a direção da empresa e passei a levá-lo a almoçar comigo e a pagar-lhe também o jantar.
Entretanto, ele ia-me contando como vivia na RDA, com um salário muito melhor que o nosso (quase o triplo), com uma casa com aquecimento central muito mais barata do que seria possível em Portugal, com um carro mais barato do que os que se podiam comprar em Portugal, com vestuário e alimentação mais baratos do que em Portugal, etc. Mas, o carro por exemplo, ele teve que esperar 8 anos para o poder comprar, não por falta e dinheiro, e sim por causa da escassez de oferta. Os produtos alimentares eram em abundância, mas escassos em quantidade de géneros, por exemplo, não tinham bananas e outros frutos meridionais, etc. Com os produtos de vestuário passava-se o mesmo, eram quase todos iguais, não havia calças jeans por exemplo, quem as quisesse teria que as ir comprar na Hungria, que era o país do então Bloco de Leste que mais produtos ocidentais tinha, apesar de também haver restrições para comprar quantidades maiores.
Por isso o Hans gostava tanto de ver as montras cá, apesar de não poder comprar quase nada.
Quando lhe perguntei se ele gostaria de viver fora da RDA, ele respondeu-me que não, que lá era a terra dele, mas que gostaria muito que lá se pudesse viver como na Alemanha Federal ou na França. E gostaria de viver em Portugal? Perguntei. Portugal é muito bonito mas o vosso nível de vida é muito baixo, respondeu ele.
Estávamos em 1987. O sonho do Hans concretizou-se pouco depois. O meu não.

O muro da vergonha

por A-24, em 14.11.14
Via Malomil

     Conta Jorge Luis Borges que o homem que ordenou a edificação da Grande Muralha da China, o imperador Shih Huang Ti, foi o mesmo que determinou que fossem queimados todos os livros anteriores a ele. Nesses dois gestos, aparentemente tão distintos, revelava-se, afinal, um mesmo desígnio - fazer parar o tempo. Com a queima dos livros do passado pretendia o imperador nada menos do que a «abolição da História», nas sábias palavras de Borges. Com a construção da infinda muralha, procurava Shih Huang Ti proteger o seu império das acometidas dos bárbaros do Norte, acautelando o futuro daquelas terras. Para que a China, assim defendida tanto do seu passado como do seu futuro, permanecesse imutável por séculos e séculos. «Queimar livros e erigir fortificações é tarefa comum dos príncipes», diz Jorge Luis Borges. Simplesmente, Shi Huang Ti actuou a uma escala tão gigantesca que a muralha que mandou construir é alvo de um mito urbano, segundo o qual ela seria a única obra feita pelo Homem observável a partir do espaço. Novamente, a lição de Borges: «Cercar uma horta ou um jardim é comum; mas não, cercar um império».
         O Muro de Berlim não teve, por certo, a pretensão de cercar um império, pois é duvidoso que o bloco de Leste fosse um «império» (apesar da lição premonitória de Hélène Carrére d'Encausse no seu L'Empire Eclaté); e, mesmo que o fosse, não era propósito do Muro defender um espaço de proporções tão gigantescas como a China imperial. Desde logo, porque a estrutura da obra, circunscrita à antiga capital do Reich, não correspondia à dimensão colossal da linha divisória da «Cortina de Ferro», cuja existência Churchill denunciara ao mundo no seu célebre discurso de Fulton. «Como pode uma muralha proteger, se não é uma estrutura contínua?», perguntou Kafka na narrativa que dedicou à muralha chinesa. O Muro de Berlim não era, nunca esperou ser, a Muralha da China. Esta, aliás, nunca foi derrubada. Permanece firme e visível a partir do espaço, segundo dizem. Em contrapartida, o Muro foi destruído, pedra sobre pedra, numa noite de exaltação e júbilo, há precisamente 25 anos.   
      


Em todo o caso, há um traço comum a todos os muros que se erigem, na China, na Alemanha, no Médio Oriente ou na fronteira do sul dos Estados Unidos. Os muros visam criar uma barreira entre seres humanos. Comungam, no fim de contas, do eterno mas utópico ideal de fazer parar a História, que se desenvolve da acção e na interacção dos homens. Qualquer muro retira aos cidadãos aquilo que lhes é mais essencial: a liberdade de escolher. Sintomaticamente, esse é título do capítulo dedicado à queda do Muro de Berlim na volumosa História da Alemanha de Dennis Bark e David Gress. No caso do Muro, a tentativa de congelar a marcha irreversível do tempo, comprimindo a liberdade de escolha individual, é algo que ficou patente no modo como a RDA procurou que os seus cidadãos ignorassem o que sucedia «do lado de cá». Para que, «do lado de lá», intra muros, a vida decorresse sem sobressaltos. Para que os fiéis do socialismo - que, note-se, não hesitavam em espiar-se uns aos outros - acreditassem como Pangloss que viviam no melhor dos mundos possíveis. Esta é uma realidade que o filme Good Bye, Lenine! captou de forma admirável, narrando a história de uma mulher que alimentava a crença na utopia socialista e para quem a vida parara antes da queda do Muro, pelo que jamais se adaptaria à febril aceleração do tempo que os grandes eventos da História sempre provocam. Por muito que julguemos tratar-se de uma história de ficção, foi algo que, de uma forma ou doutra, afectou muitos alemães de Leste, sobretudo quando descobriram que a utopia que existia a Oeste também não era tão prometedora nem tão radiosa quanto julgavam.

Dos livros, as imagens que temos do Muro são, em larga medida, tributárias das novelas de John Le Carré e das trocas de espiões nas sombrias noites de neblina do Checkpoint Charlie. Agora, até por força da abertura de muitos arquivos, chegou o tempo de o Muro de Berlim se converter em objecto de investigação histórica. Sobre ele têm sido publicados diversos livros, podendo citar-se a obra The Wall. The people's history (2003), de Christopher Hilton (um autor especializado em biografias de campeões da Fórmula 1...). Mas, ao escolher o trabalho de Frederick Taylor, as Edições Tinta-da-China fizeram, como sempre, a melhor opção. É possível encontrar na literatura germânica estudos mais aprofundados, geralmente sobre pontos específicos (a edificação, a queda, o impacto nas relações Leste-Oeste, os efeitos da Ostpolitik). Não é fácil, porém, descobrir uma obra que, apesar da sua apreciável dimensão (o livro tem 581 páginas), consegue conquistar o leitor da primeira à última linha. Para isso contribuiu, por certo, a circunstância de o autor, Frederick Taylor, não ser um historiador profissional ou um académico, mas um argumentista que escreve romances e obras de ficção. O estilo com que este livro está escrito lembra, de facto, o argumento de um filme construído pari passu com o propósito de prender a atenção do espectador. Apesar de sóbria e contida, a prosa desvenda um autor que, sem sacrificar o rigor dos factos, alicerçados numa sólida investigação, pretende acima de tudo despertar a paixão compulsiva de quem o lê. Basta atentar nos títulos de cada capítulo: «Areia», «Sangue», «Arame», «Cimento» e «Dinheiro», a que se segue um posfácio desolador, expressivamente chamado «O Roubo da Esperança». Como basta atentar na primeira frase de um prefácio que, num registo cinematográfico, abre com o apelativo título «Bem-vindo ao Muro»: «Foi num fim-de-semana, em Agosto de 1961». No dia em que Berlim começou a ser cercada no âmbito da «Operação Rosa», um acto surpreendente que a todos apanhou desprevenidos, incluindo os comandantes americanos ou Willy Brandt. O pai de Frederick Taylor teve uma grave crise cardíaca, que o faria morrer um dia depois. Por isso, diz Taylor, sempre associou a edificação do Muro a um sentimento de corte, de perda, de ruptura - e é o ajuste de contas com essa memória traumática que se encontra na génese da sua investigação.  

 
  
         Este livro descreve com rigor e detalhe o percurso de Berlim, começando por tempos remotos, passando pelos alvores da Guerra Fria até aos tempos do bloqueio, quando os americanos organizaram a «Operação Vitualhas» e os britânicos a «Operação Berlinde». Sobre essa «pré-história» do Muro existe, aliás, um livro curioso, The Unheralded. Men and women of the Berlin blockade and airlift (2003) (bibliografia mais actualizada aqui). Como também começam a surgir, a ponto de se converterem numa «moda» historiográfica e editorial, inúmeros livros sobre os sofrimentos infligidos ao povo alemão no pós-2ª Guerra. A título de exemplo, e sem nos pronunciarmos sobre o seu conteúdo, pode citar-se o livro do pouco recomendável James Bacque, Outras Perdas(traduzido entre nós pelas Edições Asa) ou, mais recentemente, After the Reich. The brutal history of the Allied occupation, de Giles Mac Danogh (2007). Para quem quiser ter uma visão aproximada do que sucedeu pode ler o bem conhecido História Natural da Destruição, de Sebald, para o período da guerra, e, para o pós-guerra, os tumultuosos primeiros capítulos do notável 1945. The war that never ended, de Gregor Dallas. Mas não é disso que trata este volume, que, como se disse, começa na «pré-história» do Muro e termina com a sua derrocada. Taylor tem apenas um objecto de estudo, que se converte numa obsessão para o leitor: o Muro de Berlim. Ou apenas «o Muro», pois de tão conhecido não necessita de outros qualificativos.        



         Este livro de Frederick Taylor não traz propriamente novidades sensacionais sobre a história do Muro. O essencial dessa história, aliás, sempre foi conhecido. E, apesar de ter perscrutado meticulosamente os arquivos alemães, norte-americanos ou ingleses, Taylor não teve como objectivo fazer descobertas espectaculares - ou, se teve tal objectivo, não conseguiu alcançá-lo. Do mesmo passo, não enveredou por caminhos interpretativos, nem possuiu a pretensão de nos fornecer uma nova visão historiográfica sobre a edificação do Muro ou a sua queda. Até porque, desse ponto de vista, os factos são de tal forma evidentes, conhecidos e interpelantes que não suportam interpretações especialmente originais ou polémicas, se exceptuarmos o prodígio de imaginação e delírio que o Avante! nos ofereceu há poucos dias. Se o leitor quiser não mais do que uma descrição do essencial da história do Muro bastar-lhe-á consultar uma obra como The Berlin Wall. Division of a City, de Thomas Flemming, que em escassas sete dezenas de páginas contém uma narrativa factualmente correcta, desapaixonada e objectiva do que se passou, acompanhada de fotografias bem ilustrativas - a começar pela reprodução do documento de 12 de Agosto de 1961 através do qual um homem de 49 anos, praticamente desconhecido no Ocidente, determina o início da operação de clausura dos acessos da Porta de Brandenburgo pelas forças da Volkspolizei. Chamava-se Erich Honecker.


         Mas quem quiser conhecer realmente o que se passou terá de ir mais além, mergulhando nos meandros da Guerra Fria. E, nesse aspecto, dificilmente se poderá encontrar melhor meio de atravessar o Muro do que este livro de Frederick Taylor. Desde logo, porque Taylor se atém a factos, não buscando interpretá-los mas tão-só envolvê-los numa narrativa apetecível e cativante. Depois, porque Taylor não pretende fazer qualquer «percurso alternativo» nesta subida ao Muro de Berlim, como acontece, por exemplo, no citado livro de Hilton, que nos procura dar - e, nesse aspecto, de forma plenamente conseguida - uma outra visão dos acontecimentos, a visão dos que sofreram a amargura de conviver com uma realidade que os humilhava, de um lado e doutro do arame, da areia e do cimento. Muitos tentaram a sua sorte. Alguns conseguiram escapar com vida. Outros, não. Mais de 100 morreriam a tentar escapar. Taylor descreve de forma apaixonante as diversas tentativas de fuga que o Muro suscitou, de túneis a balões, entre outros engenhosos meios, ainda que nem sempre eficientes. Para aqueles que não fugiram, não foi fácil conviver com uma fronteira tão brutalmente visível.
         Se as muralhas da China ou de Adriano foram erigida para proteger impérios civilizados dos povos bárbaros do Norte, o Muro de Berlim não foi construído para evitar a invasão dos ocidentais. Foi edificado para evitar a hemorragia dos povos de Leste, ou seja, para proteger os alemães da RDA deles próprios. Os turistas do Ocidente - como aconteceu, de resto, a Frederick Taylor na sua juventude - podiam viajar até Berlim, ainda que com as restrições típicas de um regime totalitário. Entretanto, a Oeste, como bem nota Anne Applebaum na recensão deste livro que publicou no The Washington Post, estudantes radicais mostravam-se insatisfeitos com a opressão da sociedade de consumo capitalista, apesar de todos os habitantes da parte ocidental Berlim terem um estatuto privilegiado, estando isentos do serviço militar e recebendo vultuosos apoios públicos, por forma a garantir que também eles não partissem rumo a outras paragens. De um lado e doutro do Muro, ninguém estava satisfeito. Todos viviam, no fim de contas, naquilo que Taylor designa por «gaiola surrealista». É curioso notar como ambos os regimes, cada um à sua maneira e com as armas de que dispunha, procuraram fixar os seus cidadãos: a Leste, através de soldados e metralhadoras; a Oeste, por meio de subsídios do Estado e regalias sociais.



O Muro de Berlim surgiu de tal forma associado à Guerra Fria e ao regime comunista que a imagem que retemos da sua queda é também a que melhor exprime a derrocada daquele regime. Mas, é preciso dizê-lo, a edificação da muralha de Berlim não foi, ao contrário do que tantas vezes se julga, um gesto dramático que fez entrar o mundo num novo patamar de conflito entre as duas grandes potências. Nesse aspecto, a crise dos mísseis cubanos representou um risco infinitamente superior, até porque, segundo Taylor, homens como Kennedy, Macmillan ou de Gaulle não se opunham frontalmente à existência de duas Alemanhas. Perante os estragos que a Alemanha unida provocara em duas guerras mundiais, o Muro actuou até como elemento estabilizador do equilíbrio mundial - eis o único ponto em que Taylor se aventura por caminhos interpretativos não isentos de suscitar polémica e controvérsia. Mais do que o sintoma de um confronto, o Muro exprimia um acordo tácito de partilha do mundo em esferas de influência. Seja como for, a sua queda tornou-se um dos momentos mais emblemáticos da implosão do comunismo, como se naquelas paredes estivessem inscritos, além de milhares de graffitti, as marcas de uma ideologia que ainda atormenta o nosso tempo.

         Só poderemos compreender a gigantesca explosão de alegria a que assistimos em 1989 se conhecermos a amargura dos que em 1961 viram as suas vidas alteradas de forma tão violenta e radical. Sobretudo, tão repentina. O Muro caiu no mesmo lapso de tempo em que nasceu: um dia. Por muito que todos tenhamos sido berlinenses, parafraseando a famosa proclamação de Kennedy, só um alemão - ou, mais do um alemão, um habitante de Berlim - pode alcançar totalmente o que o Muro significou. A muralha edificada num tranquilo dia de Agosto de 1961 não dividiu dois Estados, não fracturou uma cidade nem sequer separou dois regimes ou sistemas políticos. O Muro apartou famílias, estilhaçou vidas, destruiu trajectórias pessoais, penetrou nos pormenores mais ínfimos do quotidiano de gerações inteiras. Foi símbolo da divisão de uma Alemanha que se cindiu até na forma como recordou os traumas de um passado recente, como podemos concluir da leitura da obra Divided Memory. The nazi past in the two Germanys, de Jeffrey Herf.
         Há quem sustente, numa interpretação original, que foi a divisão das Alemanhas, simbolizada no Muro, que permitiu o espectacular crescimento da RFA, o Wirtschaftswunder e a estabilidade dos tempos de Adenauer. A existência da RDA, entrincheirada por trás do Muro de Berlim, inviabilizara a formação de uma «grande Alemanha» de 80 milhões de pessoas, que a França, marcada por dois conflitos mundiais, jamais aceitaria como parceira num projecto de cooperação à escala europeia. Ao Muro de Berlim dever-se-ia, paradoxalmente, o nascimento da Comunidade Europeia. Para que uns se unissem, outros tinham de permanecer separados. Esta tese, proposta de modo algo impressionista por Paul Johnson no seu livro Modern Times, merece uma discussão que seria descabido travar neste breve apontamento. Felizmente, Frederick Taylor, como já se disse, não propõe «teses», descreve factos. Em todo o caso, a sua visão das coisas não parece andar muito longe da avançada por Paul Johnson. Pelo menos, no sentido em que, para Taylor, o Muro não revelou um confronto, antes selou o pacto da convivência possível nos tempos sombrios da Guerra Fria.
         A encerrar estas linhas, é devida uma palavra de saudação às Edições Tinta-da-China. E não apenas por terem decidido publicar uma obra desta envergadura num país que só agora começa despertar para os ensaios históricos de grande dimensão -trata-se de um gesto de coragem editorial, que se espera encontre eco junto do público leitor. É de saudar o excepcional apuro que sempre caracteriza os livros desta editora. Um grafismo de incomparável qualidade, uma tradução escorreita, uma revisão cuidada, capaz de espantar as mais tenazes gralhas, uma atenção a elementos tão importantes como o índice onomástico são alguns dos muitos méritos que converteram a Tinta-da-China num caso singular no panorama editorial português.
        
         Frederick Taylor, O Muro de Berlim. 13 de Agosto de 1961-9 de Novembro de 1989, Lisboa, Edições Tinta-da-China, 2007, 581pp.
         [texto originalmente publicado em 2008 na revista RI – Relações Internacionais, e disponível aqui]



Texto e fotografias de António Araújo

34 anos depois. Recordando um artigo de Baptista Bastos sobre a Alemanha dividida

por A-24, em 13.11.14

Alemanha: a estratégia de uma grande potência.

por A-24, em 13.11.14
Raquel Vaz-Pinto


No domingo comemorámos os vinte e cinco anos da queda do Muro de Berlim e por isso mesmo nada mais apropriado do que falarmos da Alemanha. Os campeões mundiais são de facto uma grande potência do futebol. Se olharmos «apenas» para os títulos da selecção alemã os números são impressionantes: 4 títulos mundiais e 3 títulos europeus. E perdemos a conta ao número de vezes que a equipa alemã chegou à final destes campeonatos. Ficaram célebres as palavras de Gary Lineker, jogador da selecção inglesa, sobre a equipa alemã: «O futebol é um jogo simples; 22 jogadores correm atrás da bola durante 90 minutos e no final a Alemanha acaba sempre por vencer.» A campanha brasileira foi plena de glória e a Alemanha justificou a sua vitória. Não só por ter imposto a pesada derrota aos anfitriões por 7 a 1 mas também pela forma como jogou desde o início (infelizmente para Portugal…).

Mas esta vitória começou a ser delineada em 2000 após uma campanha inglória no Europeu realizado em terras belgas e holandesas. A Alemanha ficou em último lugar no grupo A atrás de Portugal, Roménia e Inglaterra. Esta derrota foi fundamental e obrigou os jogadores, seleccionador e as estruturas federativas a repensarem o seu modelo de jogo em conjunto com os clubes alemães. Por outras palavras a Alemanha passou a ter uma estratégia sobre o que queria do seu futebol: jogadores com maior capacidade técnica, capazes de pensar tacticamente e formados «em casa». A criação de academias deu os seus frutos a nível dos clubes e também na selecção nacional. A capacidade financeira deste país bem como a alocação dos recursos humanos fez toda a diferença.

Para além deste esforço concertado a nível federativo temos que acrescentar a crescente competitividade da Bundesliga. A liga alemã é um exemplo de modernização de infraestruturas, segurança e bilhetes a preços muito acessíveis. Deste modo, o enorme entusiasmo pelo futebol é reflectido na presença de adeptos nos jogos. Os estádios estão sempre cheios e há quem afirme que é a Bundesliga a rainha das provas em matéria de público: em 2013/2014 a média foi de 42 609 adeptos nos estádios. Para termos uma ideia da força dos números temos ainda que olhar para os clubes individualmente. Na época actual e ao fim de onze jogos o clube que lidera em termos de público é o Borussia Dortmund. O estádio tem a capacidade máxima de acolher 80 720 adeptos e até agora a média é de … 80,340. Sim, eu repito: 80,340. Esta taxa de 99,5% é ainda mais surpreendente se tivermos em consideração que o Borussia Dortmund, apesar da campanha vitoriosa da Liga dos Campões, está em … 15º da Liga. Tem sido um começo muito difícil para aquela que é a segunda melhor equipa alemã nos últimos anos.

Em segundo lugar, temos o colosso do futebol alemão: o Bayern Munique. O líder do campeonato tem uma média de assistência de 99.8% com 71 000 lugares ocupados sendo a lotação máxima de 71,137. Ao longo destes onze jogos o Bayern ainda não perdeu e concedeu três empates. Do ponto de vista da história do futebol o Bayern tem um lugar privilegiado: 23 vezes campeão nacional e vencedor de 5 «ligas dos campeões». Paralelamente, o Bayern tem um enorme apoio da sua região, a Baviera, e tem efectuado uma gestão financeira muito criteriosa. Os resultados estão à vista e o Bayern é o quarto clube de futebol mais rico do mundo segundo a revista Forbes. Esta riqueza pode também ser constatada por um dos principais patrocinadores deste clube que também tem a sua sede em Munique: a Allianz. Esta relação é tão forte que o nome do estádio do Bayern é justamente Allianz Arena.

O poder financeiro do Bayern tem-lhe permitido efectuar algumas contratações importantes. Após dois anos notáveis com o treinador Jupp Heynckes o Bayern decidiu apostar em Pep Guardiola. Esta contratação diz muito da capacidade de atracção deste clube. Depois de quatro anos fabulosos à frente do Barça e de um ano de sabática Pep Guardiola optou por Munique. A sua primeira época a nível nacional foi extraordinária (dezanove pontos de diferença para o segundo classificado) embora tenha ficado aquém do esperado a nível europeu. E a derrota com o Real Madrid na meia-final foi muito dura. Mas este ano o Bayern parece-me mais consolidado e com um estilo de jogo mais solto. Eu diria que é um sério candidato a vencer a Liga dos Campeões. Claro que tudo pode acontecer como aliás o próprio Bayern bem sabe. Quem não se lembra da final de 1999? A equipa alemã a controlar o jogo e a vencer por uma bola a zero e nos minutos finais a equipa de Sir Alex Ferguson marca dois golos. Mais ainda, os golos foram apontados por dois jogadores, Teddy Sheringham e Ole Gunnar Solskjaer, que foram suplentes. Foi um fim de jogo absolutamente inesperado e que deixou a equipa alemã em estado de choque.

Paralelamente, a equipa bávara foi o «esqueleto» da selecção nacional alemã campeã no Brasil. Se olharmos para a equipa inicial que jogou a final contra a Argentina encontramos Manuel Neuer, Thomas Müller, Bastian Schweinsteiger, Jérôme Boateng,Toni Kroos (agora no Real Madrid) e o capitão Philipp Lahm (e claro Mario Götze que entrou e marcou o golo da vitória). A estes temos que juntar a qualidade de David Alaba, Arjen Robben, Franck Ribéry, Robert Lewandowski, Juan Bernat, Rafinha e Mehdi Benatia. Há ainda jogadores como Thiago Alcântara e Javi Martinez com lesões muito graves. E claro Xabi Alonso. É impressionante ver Xabi jogar no Bayern como se estivesse neste clube há anos. É de facto um grande jogador e dá ao meio-campo da equipa bávara uma excelente capacidade de recuperação e de compensação.
E há quem diga que a próxima grande contratação será Marco Reus … do rival Borussia Dortmund. Se assim for, será o terceiro jogador excepcional a sair de Dortmund para Munique depois de Mario Götze e Robert Lewandowski. Estas contratações têm levado a os dirigentes do Dortmund a declararem que o Bayern os está a tentar destruir. De certa forma, o Borussia é vítima do seu sucesso sendo quase impossível aos jogadores resistirem aos milhões «bávaros». Outro jogador de que se tem falado muito é o capitão do Borussia, Mats Hummels, um dos melhores centrais do mundo. Os clubes mais interessados são o Arsenal e o Man United e há quem aponte a sua saída em Janeiro.
A rivalidade entre Munique e Dortmund estende-se a outras cidades e regiões alemãs. Tal como no caso italiano a Alemanha foi unificada na segunda metade do século XIX e, por isso, há fortes identidades regionais que encontram no futebol uma manifestação particularmente poderosa. E o mesmo se pode dizer do orgulho na selecção – Die Mannschaft – enquanto expressão do nacionalismo alemão sobretudo no pós-Guerra Fria.
O futebol alemão é, hoje em dia, uma referência a nível de planeamento estratégico. Se olharmos para os candidatos a Bola de Ouro temos seis jogadores do Bayern, os alemães Mario Götze, Philipp Lahm, Thomas Müller, Manuel Neuer, Bastian Schweinsteiger e o holandês Arjen Robben. E apesar de Toni Kroos ser agora jogador do Real Madrid é justo dizermos que é um «produto» do Bayern onde chegou com 15 anos. A lista de dez candidatos para vencer o prémio de melhor treinador contém, para além do homem do Bayern de Munique, Pep Guardiola, dois alemães: Jürgen Klinsmann e Joachim Löw.
Quando pediram a Xabi Alonso que comparasse o Real Madrid ao Bayern de Munique a resposta foi curiosa. Para Xabi, «O Real Madrid é como o rock’n’roll, enquanto o Bayern de Munique funciona mais como o jazz». Porquê? Em Madrid, «tudo é mais rápido e mais directo. O Bayern é mais paciente, preciso e elaborado».

Quem diria?

Raquel Vaz-Pinto

25 anos da queda do muro: Dez filmes para recordar o Muro de Berlim (e a RDA)

por A-24, em 11.11.14
Observador

Logo que foi erguido, o Muro de Berlim tornou-se no símbolo mais tangível, concreto e sinistro da Guerra Fria e do totalitarismo comunista, dividindo uma cidade, famílias, amigos e amantes, e passando a representar a cisão do mundo em dois blocos ideológicos incompatíveis. No próprio dia em que começou a ser construído, a 13 de Agosto de 1963, havia um filme americano a ser rodado em Berlim, ‘Um, Dois, Três’, de Billy Wilder, e o cinema, com Hollywood logo à cabeça, rapidamente começou a produzir filmes ambientados na capital alemã dividida, que originaram um subgénero de espionagem. Mais tarde, o cinema alemão começaria também a filmar o Muro, e Berlim cortada ao meio, para reflectir sobre a sua identidade e o significado mais profundo da construção para os berlinenses e para a história da Alemanha. Eis 10 dos filmes mais emblemáticos sobre o Muro de Berlim, a Guerra Fria e também a vida nas duas Alemanhas durante esse período.

 1. ‘Um, Dois, Três’, de Billy Wilder (1963)
Esta comédia satírica de Billy Wilder estava a ser filmada em Berlim quando o Muro começou a ser erguido e a fronteira entre Berlim Ocidental e Berlim Leste foi fechada, obrigando a produção a mudar-se para Munique e recriar lá, parcialmente, a Porta de Brandenburgo. James Cagney interpreta um executivo da Coca-Cola que tem que impedir que a filha de um dos seus patrões se case com um jovem alemão comunista, que a quer levar para Moscovo.  O filme estraleja com gags do tempo da Guerra Fria, e se Wilder se farta de cravar bandarilhas no comunismo, também reserva algumas farpas para o capitalismo consumista, representado pela personagem de Cagney, numa das suas fabulosas interpretações a 200 a hora. O filme foi muito mal recebido pelos liberais mais esquerdistas de Hollywood, que à altura ainda tentavam pintar o comunismo com tintas suaves.


2. ‘O Espião que Veio do Frio’, de Martin Ritt (1965)
Adaptado de um dos melhores livros de John Le Carré por um dos autores do argumento de ‘007-Contra Goldfinger’, ‘O Espião que Veio do Frio’ é o melhor filme tirado de uma obra daquele, e calmamente, o melhor já rodado sobre a Guerra Fria e envolvendo o Muro de Berlim, com uma interpretação esmagadora de Richard Burton no papel de Alec Leamas, um agente inglês que simula passar para o lado comunista. Longe do maniqueísmo espectacular das histórias de James Bond, esta é uma visão amarga,  enviesada  e desencantadamente realista da Guerra Fria, da moralidade movediça do mundo da espionagem e do confronto entre as democracias ocidentais e o bloco de Leste. Le Carré, aliás David Cornwell, sabe bem do que fala, porque trabalhou para o MI6 e esteve colocado em Berlim nesta altura.

3. ‘O Meu Funeral em Berlim’, de Guy Hamilton (1966)
E depois de John Le Carré, o seu colega Len Deighton, num filme assinado por um realizador inglês que também fez filmes de 007. Michael Caine volta aqui a interpretar o papel de Harry Palmer, um antigo ladrão tornado agente secreto, criado por Deighton em ‘O Caso Ipcress’. Palmer é desta vez mandado para Berlim, para coordenar a fuga de um general comunista para o Ocidente, mas as coisas não correm tão bem como se poderia pensar. Para a pequena história dos filmes de Guerra Fria, fica o facto dos guardas russos do lado de Berlim Leste terem tentado impedir a rodagem das cenas em Checkpoint Charlie, usando espelhos para lançar a luz do sol sobre as câmaras da produção e encandear os actores e a equipa técnica.

4. ‘A Cortina Rasgada’, de Alfred Hitchcock (1966)
Hitchcock foi acusado de “anticomunismo primário” por alguma crítica de esquerda por ter rodado este filme de espionagem onde Paul Newman faz um cientista americano que finge fugir para a RDA, onde vai buscar uma fórmula secreta. O estúdio forçou Hitchcock a dar o papel principal a Newman em vez de Anthony Perkins, a escolha do realizador, e o papel feminino a Julie Andrews ao invés de Eva Marie Saint, e ‘Cortina Rasgada’ ficou também marcado por uma zanga entre o realizador e o compositor Bernard Herrmann, que marcou o fim da sua lendária parceria. Apesar de Hitchcock não ter gostado do resultado final, ‘Cortina Rasgada’ tem mesmo assim vários momentos fortíssimos de suspense e um punhado de cenas inspiradas.


5. ‘As Asas do Desejo’, de Wim Wenders (1987)
Realizado dois anos antes da queda do Muro de Berlim, este filme de Wim Wenders é o mais fantástico, poético e emocionalmente atmosférico ambientado na cidade dividida.  Bruno Ganz é Damiel, um dos dois anjos encarregues de percorrer Berlim Oeste, testemunhando a existência das pessoas, captando os seus sentimentos e tentando oferecer-lhes algum conforto.  Damiel perde as asas e torna-se de carne e osso para poder ter mais empatia com os humanos que observa e entendê-los, e trava amizade com um famoso actor americano (Peter Falk) que está em Berlim a fazer um filme policial passado na II Guerra Mundial. Único e belíssimo, com uma Berlim filmada (e sentida) por um cineasta alemão, e fotografada a preto e branco e a cores pelo grande Henri Alekan.


6. ‘The Legend of Rita’, de Volker Schlondorff  (2000)
Nunca estreado comercialmente em Portugal, ‘The Legend of Rita’ (‘Die Stille nach dem Schuss’, no título alemão original) conta a história de Rita Vogt (Bibiana Beglau), uma militante de extrema-esquerda alemã que odeia o sistema capitalista e acredita que é do outro lado do Muro que existe uma socidade verdadeiramente livre, justa e defensora dos trabalhadores e dos seus direitos. Depois de roubar um banco com outros camaradas, Rita foge para o outro lado e, com o beneplácito da Stasi, muda de identidade e instala-se na RDA. Mas o Muro de Berlim cai, a RDA desfaz-se e Rita tem que enfrentar as consequências do seu passado. ‘The Legend of Rita’ inspira-se na vida da militante anarquista Inge Viett, dissidente da Fracção do Exército Vermelho.


7. ‘The Tunnel’, de Roland Suso Richter (2001)
Também nunca exibido em Portugal, ‘The Tunnel’ (‘Der Tunnel’) baseia-se noutra história real, a de Hasso Herschel, um campeão de natação da Alemanha de Leste, que fugiu para o Ocidente em 1961, depois de ter estado preso por contestação ao regime comunista, e mais tarde, juntamente com uma série de amigos, organizou a fuga para Berlim Ocidental da irmã e da sua família, cavando um longo túnel. Além das incríveis dificuldades logísticas que a tarefa envolve, há também que temer as pessoas que, no lado de lá, podem denunciar os fugitivos às autoridades. Roland Suso Richter assinou uma fita tão realista quanto empolgante, que virou um clássico dos “filmes de fuga”.


8. ‘Adeus, Lenine!’, de Wolfgang Becker (2003)
Esta premiada e aclamadíssima comédia dramática de Wolfgang Becker é uma história de amor filial tendo como pano de fundo a queda do Muro de Berlim e o colapso do comunismo. A mãe de Alex (Daniel Bruhl), uma fervorosa e activa comunista , sofre um ataque de coração em 1989 e fica vários meses em coma. Quando acorda, o Muro caiu, e o filho, para a proteger do choque, faz tudo para que, no seu apartamento daquela que foi Berlim Leste, ela não se aperceba que a ideologia que defendia perdeu o combate, e o mundo onde vivia se desmoronou.  Grandes papéis do jovem Bruhl e de Katrin Sass na mãe, e muitas e boas piadas sobre a vida na antiga RDA, o choque da reunificação e a chegada do capitalismo consumista ao Leste.


9. ‘As Vidas dos Outros’, de Florian Henckel von Donnersmarck (2006)
Vencedor do Óscar de Melhor Filme Estrangeiro, ‘As Vidas dos Outros’ passa-se em 1984, quando um zeloso capitão da Stasi, Gerd Wiesler (Ulrich Muhe), é encarregue das escutas da casa onde habitam um famoso dramaturgo e a sua namorada, uma popular actriz. À medida que os vai escutando, Wiesler, que gosta e saboreia o que faz, sente-se cada vez mais fascinado pela vida íntima do casal. ‘As Vidas dos Outros’ é parte ‘thriller’ político, parte drama voyeurístico, parte retrato arrepiante de um estado policial onde a privacidade dos cidadãos não vale um tostão furado para o poder. O próprio Ulrich Muhe, que viveu no Leste, foi escutado pela polícia política da RDA e descobriu, depois da queda do Muro, que a mulher, também actriz, era informadora da Stasi.


10. ‘Bárbara’, de Christian Petzold  (2012)
Alemanha de Leste, 1980. Bárbara, uma médica que exerce clínica em Berlim Leste, candidata-se a um visto para sair do país e juntar-se ao homem que ama, que conseguiu instalar-se no outro lado do Muro.  Como castigo, é enviada para um hospital de uma vila no interior da RDA, ficando sob a vigilância da Stasi local. O namorado tenta organizar a sua fuga, e enquanto isso, Bárbara vai tentando ambientar-se à vida no campo, nunca sabendo quem entre os locais ou os colegas poderá ser um informador da polícia política. A excelente Nina Hoss, uma das maiores actrizes alemãs de hoje, interpreta o papel do título, num filme tão interessado na personalidade da sua heroína como no quotidiano vigiado da vida na RDA, e que tem um final surpreendente. Christian Petzold ganhou o Urso de Prata no Melhor Realizador no Festival de Berlim.

25 anos da quedo do muro: Alemanha oriental vendeu prisioneiros políticos ao ocidente

por A-24, em 10.11.14
DN


A braços com uma situação económica caótica, autoridades da RDA entregaram à RFA prisioneiros em troca de dinheiro, mas também café, cobre e petróleo, diz historiador.
A operação tinha um nome: haeftlingsfreikauf. A partir de 1964, a administração da República Democrática Alemã começou a trocar prisioneiros políticos, detidos quando tentavam desertar para o ocidente, por dinheiro e outros bens.
"Entre 1964 e 1989, cerca de 33.755 prisioneiros políticos e 250.000 seus familiares foram vendidos para a Alemanha Ocidental, por um valor total de 3,5 mil milhões de marcos", diz o historiador Andreas Apelt à BBC, no dia em que se assinalam os 25 anos da queda do Muro de Berlim.
Há também registo de negociações de presos por bens de primeira necessidade ou matérias primas, como café, cobre e petróleo.
Todas as negociações foram mantidas no mais absoluto secretismo: nem o regime comunista podia qualquer fraqueza a nível internacional; nem o governo democrático da República Federal Alemã queria fazer parecer que estava de alguma forma a financiar o estado totalitário vizinho.
Escreve a BBC que todos os movimentos foram feitos em ambiente de clandestinidade, em túneis de comboio desertos ou através de autocarros equipados com placas de matrícula rotativas, ao estilo dos filmes de espiões.

Filha de uma família vendida

Daniela Walther tinha 5 anos em 1961 quando foi detida, junto com a família, a tentar fugir de Berlim oriental. Hoje, conta à BBCporque a família decidiu arriscar a fuga: o pai, Karl-Heinz Prietz, que escrevia para uma revista de educação, tinha sabido junto de fontes das autoridades que a fronteira entre o leste e o oeste ia ser fechada.
"Ele sabia que eles iam construir o muro", conta Daniela. Lembra-se bem da noite em que tentaram passar a fronteira, numa zona menos vigiada: "O meu pai avançou e chamou a minha mãe, mas ela paralizou, não teve coragem. Lembro-me de estar junto dela, a ouvir o meu pai chamar".
A hesitação revelou-se fatal. Foram todos detidos. A mãe foi condenada a nove meses de prisão por cumplicidade na tentativa de atravessar a fronteira e Daniela Walther foi mandada para a cidade de Stockhausen, para viver com os avós. Aqui permaneceu até que a mãe foi libertada. Os avós pediam-lhe para ela dizer que era filha da tia, que vivia na Alemanha Ocidental. "Ser filha de alguém que tinha tentado passar a fronteira era pior do que ser filha de um assassino", afirma.
Quanto ao pai, estave oito anos preso - "Foi torturado. Ele nunca explicou os métodos que utilizaram, mas destruíram-lhe a saúde.Penso que não viu a luz do dia durante anos" - até que foi vendido.
Já em Berlim ocidental, Karl-Heinz Prietz conseguiu que se fizesse um negócio para reaver a família. "Penso que pagaram 100 mil marcos por nós", diz Daniela Walther. "Eu na altura não queria ir, queria ficar no leste com os meus avós, na o acordado era para a mulher e filha".
Daniela tinha então 13 anos - estávamos em 1969 - e teve pena de deixar os amigos e a vida que conhecia. "A minha amiga Gudrun veio despedir-se de mim. Tive muita pena de a abandonar. Ela disse que me viria visitar quando tivesse 60 anos, porque era autorizado sair da Alemanha Ocidental a partir dos 60 anos".

Rocktober Fest 2014: Imagens

por A-24, em 17.10.14


































A secessão de um país depende do tamanho do seu território?

por A-24, em 11.09.14
Instituto Ludwig Von Mises

De acordo com os números do World Bank Development Indicators (Indicadores de Desenvolvimento do Banco Mundial), dentre as 45 nações soberanas da Europa, os países pequenos são quase duas vezes mais ricos que os países grandes. A diferença da riqueza per capita entre os 10 maiores e os 10 menores é de 84% quando se considera toda a Europa, ou 79% quando se considera somente a Europa Ocidental.


Trata-se de uma diferença abismal. Para colocar um pouco de perspectiva, uma diferença de riqueza de 79% é a diferença entre a Rússia e a Dinamarca. Isso é impressionante quando se considera as similaridades históricas e culturais dentro da própria Europa Ocidental.

Mesmo entre as nações de mesmo idioma, as diferenças são gritantes: a Alemanha é mais pobre, em termos per capita, do que as pequenas nações que também falam alemão (Suíça, Áustria, Luxemburgo e Liechtenstein); a França é mais pobre, em termos per capita, do que as pequenas nações que falam francês (Bélgica, Andorra, Luxemburgo, Suíça novamente, e, é claro, Mônaco). Até mesmo a Irlanda, que foi durante séculos devastada pelos ingleses belicistas, é hoje mais rica do que seus senhores do Reino Unido, que possui um território 15 vezes maior.

O que é que a Alemanha tem?

por A-24, em 11.09.14
Miguel Sousa Tavares

Não é só no futebol que no fim ganham os alemães. É no futebol, no atletismo, no automobilismo, no andebol, na equitação, no ski. É no desporto, na música, na literatura, na arquitectura, na construção de carros, de electrodomésticos, de máquinas industriais, etc, etc. Podemos gostar ou não, podemos até desdenhar, mas a verdade é esta: no fim, ganham os alemães. E ganham, porquê? Porque trabalham mais, porque se focam nos objectivos, porque valorizam os resultados. Se alguém quiser entender por que razão a Alemanha está farta dos países do sul da Europa, ponha-se na pele de um alemão. E compare a selecção alemã, campeã do mundo, com, por exemplo, a portuguesa.



A selecção alemã que foi ao Brasil não tinha vedetas nem pequenas, nem médias, nem grandes. Não se davam ares de vedetas, nem fora nem dentro do campo. Umas vezes, esmagaram e fascinaram com o seu futebol de carrossel demolidor, outras vezes - como na final - correram, lutaram, sofreram, sangraram e, no fim, ganharam. Nenhum jogador quis dar nas vistas por outra razão que não fosse jogar futebol. Ali não havia ninguém com tatuagens, com penteados ridículos, com figurinos tipo Raúl Meireles, com brincos nas orelhas, com pose de deuses inacessíveis de auscultadores enfiados nos ouvidos, fingindo-se alheios a tudo o que os rodeava, como se fossem superiores à gente comum. Não, os alemães passaram pelo Brasil confraternizando, querendo ver e saber, curiosos e contentes por ali estarem - tão diferentes dos nossos heróis do mar, fechados para o mundo em hotéis-fortaleza, onde só entravam cabeleireiros, tatuadores e agentes. Os alemães não passaram as conferências de imprensa a debitar lugares comuns e frases feitas sem conteúdo, próprias de quem jamais foi visto com um livro, uma revista ou um jornal na mão e passa os tempos livres a debitar selfies e banalidades nas redes sociais, imaginando-se o contra do mundo. Os alemães mandaram ao Brasil uma verdadeira embaixada, para servir o futebol e honrar o seu país, enquanto nós mandámos um grupo de homens mimados e convencidos, comandados por dirigentes que não lhes souberam exigir que estivessem, em todos os aspectos, à altura da responsabilidade. Mas, como em tudo o resto que fazem, os alemães também mandaram um grupo de jogadores que se portaram como verdadeiros profissionais, que trabalharam e treinaram no duro, enquanto que nós mandámos uma excursão de rapazes que se convenceram que os penteados e as tatuagens, por si só, conseguem ganhar jogos ou então ficar na fotografia que parece bastar-lhes. Não é por acaso que o campeonato alemão tem estádios cheios e que o público dá por bem empregue o seu tempo e o seu dinheiro, enquanto que o principal do nosso campeonato é jogado em estádios vazios e vivido sobretudo nos programas televisivos dos dias seguintes, a discutir se foi bola na mão ou mão na bola ou se a entrada de uma equipa em campo 2 minutos e 45 segundos depois da hora marcada condicionou ou não decisivamente o resultado de outro jogo. Nós discutimos, eles jogam. Nós tatuamos, eles treinam. Nós penteamos, eles correm. Nós somos recebidos e pré-condecorados pelo Presidente antes de começar, eles são apoiados na bancada pela chanceler quando chegam à final. Nós somos heróis antes de partir, eles são vencedores depois de ganharem. Não é por acaso que, desde que me lembro e tanto quanto me lembro, só dois jogadores portugueses (Paulo Sousa e Petit) jogaram no campeonato alemão e só um jogador alemão jogou no campeonato português (Enke).
Não perguntem o que é que os alemães têm. É toda uma sociedade fundada no trabalho, no mérito, na responsabilidade, nos resultados. Goste-se ou não, isto não tem nada a ver com o fado. É outra cultura, é outra coisa.

E se fosse em Portugal? Que diriam os indignados?

por A-24, em 14.05.14
German City To Pay Alcoholics In Beer For Cleaning Streets
 
A city in western Germany is looking to motivate unemployed alcoholics and drug addicts spending time on the streets to get back into the workforce. How? By paying them with beer in exchange for their work.
Organized by the charity Addict Support Essen, the initiative is designed to encourage volunteers to clean garbage of Essen's streets and will provide its participants with beer, food, medical care and some pocket money. The program is slated to start a yearlong trial in mid-June, The Local reports.
"The aim of the program is not to supply people with beer," the charity clarified in a statement, per The Local. "For the participants it is about a meaningful daily structure, feeling useful and learning a new way to behave."
Essen’s initiative is inspired by a similar program already in place in Amsterdam in which alcoholics are paid for a day of clean-up work with five beers, lunch, some rolling tobacco and about $13, according to NBC's "Today" show.
Opinions on these programs are mixed. Some are skeptical about whether it’s ethical to supply alcoholics with beer, while others say the initiatives help them stay busy and learn control.