Ser uma pedra no sapato do conformismo
por A-24, em 08.01.13
Li ontem este artigo do Público, que dá conta de dois colégios da Cooperativa Fomento. Um deles ensina apenas rapazes - o Colégio Planalto - e o outro apenas raparigas - o Colégio Mira Rio.
O artigo debruça-se essencialmente sobre o ensino diferenciado. Isto é, o ensino em que existe segregação de sexos. Rapazes para um lado; raparigas para outro.
Não é razão para espanto. Para já, o fenómeno do ensino diferenciado não é novo: até há alguns anos era a regra. Depois, a cooperativa de ensino Fomento tem ligações públicas e notórias com o Opus Dei que, como também é público e notório, se pauta - e é preciso dizê-lo - com toda a liberdade e legitimidade, pela atribuição de papéis muito distintos a cada um dos sexos.
Mas mesmo sendo estes factos inegáveis, é fácil vermos comentários à partilha do artigo no Facebook e nos comentários ao próprio artigo no site do Público, a agitação própria de quem se sente incomodado pelo facto do mundo - aproveitando as sugestões religiosas - não ser concebido à imagem e semelhança da sua cabeça, quase fazendo crer que ensinar num colégio apenas um dos sexos seja algo tão vil e terceiro-mundista como a destilação de bagaço à margem da lei ou um outro qualquer crime a que as autoridades fechem os olhos.
É fácil ver referências a séculos passados. Pululam as alusões ao poder maléfico e omnipresente da Igreja. São muitas as vezes em que se invocam os fascismos, em que se fala no retrocesso à ditadura, a antes do Ano da Graça de 1974. Como se a Liberdade que Abril nos deu fosse negada pela livre escolha do ensino que quisermos para os nossos filhos e que os nossos filhos quiserem para eles próprios.
E, claro está, nenhuma discussão do género estaria completa sem uma generosa pitada do adjectivo "salazarento".
De repente, parece que atingimos o pináculo do progresso e que as escolas e o ensino mistos são uma verdade inegável, imutável, divinamente decretada. Parece que o ensino sexualmente segregado é algo do passado, quando pode muito bem ser algo do futuro. Parece, até, no caso, que tudo isto tem as mãos da Igreja e que não existem escolas diferenciadas que não de matriz católica, cristã, religiosa, enfim.
De repente, graças à maioria dos comentadores, damo-nos conta de que há um conjunto de pessoas (as que leccionam em escolas só para rapazes) que fazem um conluio com outro conjunto de pessoas (as que leccionam em escolas só para raparigas) para que seja proibida a mistura de sexos nas escolas do nosso país inteiro.
Que fique bem claro: o ensino diferenciado apresenta bastantes vantagens. Não estudei nenhuma delas, mas arrisco-me a dizer que senti muitas ou todas. Bem como as desvantagens que existirão certamente. Nem por isso, numa sociedade que se quer livre de preconceitos, se pretende impor um sistema de ensino por ser o melhor. O melhor sistema de ensino é aquele que nós escolhermos.
Paradoxalmente, são aqueles que mais advogam essa sociedade livre de preconceitos que querem impor um preconceito generalizado para com aqueles que escolhem e beneficiam de uma educação diferenciada.
Não há que ter medo. Passei quatro (muito bons) anos sem raparigas nas salas de aula e posso garantir pessoalmente que, até ao momento, ainda não experienciei quaisquer sintomas de preconceitos machistas, zelotismo religioso ou misoginia. Nem tão pouco tiques de fascismo ou salazarite aguda.