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A-24

Referendo Escocês: Lições para a União Europeia

por A-24, em 06.10.14
A Batalha


Nos últimos anos a União Europeia tem vivido uma crise existencial e de identidade. À medida que a crise financeira estado-unidense se espalhou atingindo não só o sistema financeiro europeu mas também, inevitavelmente, as esferas pública e privada da economia de determinados Estados-Membros, assistimos a um acentuar da lógica intergovernamental na governação europeia. Este facto deve-se, em grande medida, a uma perda pronunciada de confiança entre os países pertencentes à União Europeia, o que levou a que os mesmos abdicassem (temporariamente?) do método comunitário de integração, conduzido pela Comissão Europeia. Um dos exemplos desta circunstância é a celebração de acordos entre os Estados Membros, à luz do direito internacional, mas à margem do direito da União apesar de compatíveis com os seus princípios, como o Tratado sobre Estabilidade, Coordenação e Governação na União Económica e Monetária (vulgo Tratado Orçamental).
Por outro lado, é interessante verificar que, ao mesmo tempo que a globalização é uma certeza, surgem variadíssimos exemplos de manifestações de vontade separatistas e/ou isolacionistas. Efectivamente, nos dias de hoje empresários de todos os países concorrem entre si por uma maior quota de mercado internacional, por forma a colocar os seus produtos no estrangeiro. Porém, os espíritos nacionalistas em certas regiões agitam-se, particularmente na Europa – vejam-se os casos da Catalunha, do País Basco, do norte italiano e da Escócia – os quais terão razões que a própria razão desconhece, ou seja, haverá uma componente avassaladoramente emocional e não racional.
O exemplo mais recente destes nacionalismos emergentes verificou-se com o referendo ocorrido na Escócia, em que o povo escocês foi chamado a decidir se se pretendia tornar independente do Reino Unido. O “Não” acabou por vencer e a secessão não aconteceu. Porém, este acontecimento acarretará necessárias consequências para a estrutura constitucional dos quatro países integrantes do reino de sua Majestade. De facto, a campanha que antecedeu o acto eleitoral originou um invulgar consenso entre os partidos Conservador, Liberal e Trabalhista em torno da necessidade de reorganização, reequilibrando a distribuição de poderes entre Londres e as restantes capitais. Por fim, a frase “I beg you to stay”, proferida por David Cameron, leva a concluir que porventura o centro necessite mais da periferia do que o inverso.
A questão a colocar é a de saber em que medida é possível retirar destes acontecimentos político e democrático algumas lições para o futuro da integração europeia. De facto, parece paradoxal que em Bruxelas se pretenda avançar para uma maior integração vertical (no sentido institucional), no preciso momento em que tantas tensões nacionalistas existem e se têm tornado explícitas. Deste modo, é preciso ter em atenção que o referendo escocês colocou em evidência a verdadeira essência de uma Federação: a necessidade do respeito pelas idiossincrasias, pela diferença e pelas particulares necessidades de cada Estado-Federado. Só desta forma se explica que os três partidos políticos supracitados se tenham comprometido a efectuar uma revisão dos poderes detidos centralmente, por forma a que se realize uma descentralização efectiva, devolvendo atribuições aos parlamentos de cada Estado-Nação que compõe o Reino Unido.
Assim, esta é a verdadeira lição que o referendo na Escócia aporta para a integração europeia. Apesar dos aspectos sócio-económicos positivos que militam a favor da pertença de um país à União Europeia em geral, bem como à zona euro em particular, e de se tentar prosseguir uma maior integração entre os países em benefício, desde logo, do comércio intra-europeu, é necessário assegurar um equilíbrio na distribuição de poderes que seja capaz de assegurar que os desejos e anseios específicos de cada população sejam atendidos.
Ao contrário do que tem sido referido na comunicação social, este referendo não terá sido um aviso à União Europeia, no sentido de esta não prosseguir com o processo de integração vertical de competências constitucionais. Na verdade, ambas as realidades são perfeitamente compagináveis e coabitáveis, porquanto o Federalismo é o sistema de organização política em melhores condições de assegurar a eficácia do princípio da subsidiariedade e a representatividade dos Estados mais pequenos.