“Portugal, Grécia e Irlanda podem não estar no euro daqui a cinco anos"
por A-24, em 25.11.10
O agudizar da crise da dívida soberana europeia poderá não deixar outro caminho que não uma restruturação da união monetária. “Daqui a cinco anos, podemos ter uma composição diferente da zona euro. Grécia, Portugal e Irlanda poderão não pertencer ao euro”, afirmou ontem Keith Wade, economista-chefe da Schroders, uma das maiores gestoras de activos financeiros do mundo. “A questão não é a Grécia entrar em incumprimento, mas sim Portugal, Espanha e Irlanda. Se a Irlanda pedir ajuda, a seguir será Portugal.”
Segundo o analista, os países periféricos da zona euro estão numa encruzilhada difícil de ultrapassar. Presos ao euro e sem flexibilidade monetária que lhes permita aumentar a competitividade da economia, será muito complicado resolverem os seus desequilíbrios orçamentais e regressarem a crescimentos económicos sólidos. “Com o euro, estes países deixaram de ter vantagens competitivas. Com o fim do boom do consumo, tornou-se difícil crescer”, explicou durante uma conferência internacional da Schroders, em Londres. “Como é que o Reino Unido se aproximou da competitividade alemã? Desvalorizando a libra.” Uma opção que não está disponível para os países da zona euro.
Keith Wade referiu que a tarefa que a Alemanha está a exigir a estes países é praticamente impossível de concretizar sem uma desvalorização monetária. “Mesmo depois dos pacotes de ajuda, o crescimento destes países não será suficiente. Quando a Grécia regressar ao mercado, por exemplo, deverá pagar taxas de juro próximas de 10%. Com uma dívida de 150% do PIB e um crescimento económico muito baixo, é matematicamente impossível pagar esses 10%”. Na prática, e para Wade, existem dois cenários possíveis: ou estas economias continuam a ser altamente apoiadas durante bastante tempo ou têm de sair da zona euro para resolverem os seus problemas.
Outros oradores referiram a rigidez monetária dos países periféricos da zona euro não só como o problema central a abordar daqui para a frente, mas como principal responsável pelo actual impasse. Alan Brown, chief investment officer, também concorda que é provável que se assista a uma alteração dos membros da zona euro, admitindo mesmo o fim da união monetária. “Não é assim tão raro. Desde a Segunda Guerra Mundial já foram extintas 69 uniões monetárias”, diz, embora faça questão de acrescentar que “enquanto continuar a existir vontade política, o euro continuará a existir”. O problema, segundo o economista, é que estão a ser pedidas correcções orçamentais gigantescas aos países com problemas de dívida que, segundo o próprio, poderão durar uma década. Um cenário que poderá enfraquecer a vontade política de manter a união monetária. “Temo que Portugal também tenha de passar por esse processo. Parece-me certo a seguir à Irlanda”, adiantou ao i, no final da sua intervenção.
Lógica de matilha? Nos últimos meses tem sido questionado se existem realmente razões para a subida asfixiante das taxas de juro, tendo sido referido por alguns economistas que se trata de uma onda especulativa de investidores que estão a ganhar muito dinheiro com a crise. Massimo Tosato, vice-presidente da Schroders, admite que alguns investidores têm lucrado, mas não aceita que seja esse o problema. “Fazemos dinheiro onde vemos que é possível. A especulação não é o problema. O problema são os desequilíbrios orçamentais. Simplesmente há quem esteja a aproveitar isso para fazer dinheiro”, afirmou ao i, à margem da conferência.
Recuperação e guerra de divisas Os cortes radicais nas taxas de juro e a inundação do mercado com liquidez podem ter prevenido uma recessão mais profunda, mas não deram origem a uma recuperação sólida como se chegou a esperar. Actualmente, com os estados a cortarem no investimento e as famílias mais avessas a gastar, de onde virá o crescimento? Para Keith Wade, terão de ser as empresas a puxar pela economia. E têm condições para o fazer. O economista-chefe da Schroders referiu que os lucros das empresas têm disparado, principalmente devido a um pico de rentabilidade, sustentado nos ajustes de custos que a crise obrigou a fazer, nomeadamente com pessoal. “Esperamos que as empresas voltem a contratar. É um processo que já está a acontecer.”
Durante a sua intervenção, o economista adiantou que não espera uma subida das taxas de juro nos EUA e na zona euro durante 2011, nem que se confirme um cenário de nova recessão. No entanto, expressou bastantes dúvidas em relação à estratégia do governo norte-americano de injectar uma nova enorme quantidade de liquidez no mercado, que terá como consequência a desvalorização do dólar, beneficiando as exportações dos EUA. Uma intenção que a administração Obama tem negado. “É uma treta quando dizem que não é para o dólar. É para o dólar. Se os EUA desvalorizarem a moeda, será muito difícil para a China manter o yuan subvalorizado. Se não o deixarem valorizar, terão problemas de inflação e criação de bolhas. Parece-me que assistiremos a uma valorização progressiva [da moeda chinesa].” Público