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A-24

Paraísos fiscais

por A-24, em 02.06.13
"Só as três dependências da coroa britânica [Caimão, as Ilhas Virgens Britânicas [BVI] e as Bermudas] providenciaram $332,5 biliões de financiamento para a City, a maioria não taxado".

"É uma surpresa para a maioria das pessoas que o mais importante player do sistema global de offshores (livre de impostos e taxas) não seja a Suíça, nem as Ilhas Caimão, mas sim a Grã-Bretanha, situada no centro de uma rede de paraísos fiscais britânicos interligados entre si, a lembrar os últimos resquícios do império.”
O parágrafo consta de um trabalho da revista norte-americana Vanity Fair, publicado na última edição de Abril, com o sugestivo título: A Tale of two Londons [uma brincadeira à volta do conto (1859) de Charles Dickens, a Tale of Two Cities].
Depois de, na terça-feira, a organização internacional não-governamental (ONG) Oxfam ter estimado em 14 biliões de euros (18,5 triliões de dólares) o dinheiro ocultado em paraísos fiscais espalhados pelo mundo, ficou hoje a saber-se que há 12 offshores, conectados com Portugal, associados a 22 proprietários ou gestores (quatro portugueses) domiciliados em Lisboa, Porto, Estoril, Tavira e Almancil.
Ficou hoje a saber-se que há 12 offshores, conectados com Portugal, associados a 22 proprietários ou gestores (quatro portugueses) domiciliados em Lisboa, Porto, Estoril, Tavira e Almancil.
A informação é hoje revelada pelo Expresso, em parceria com o Offshore Leaks, e consta de uma mega investigação a paraísos fiscais. A Offshore Leaks analisou 2,5 milhões de documentos secretos, relacionados com 120 mil companhias e 170 países.
As notícias mais recentes ajudam a levantar a cortina opaca que protege as grandes fortunas que “fogem” ao pagamento de impostos e surgem numa altura em que, em Bruxelas, os chefes de Estado e de governo europeus reuniram para adoptarem medidas de reforço da luta contra a evasão e a fraude fiscal.
A Oxfam prevê que dois terços [9,5 biliões de euros] da verba “ocultada” em paraísos fiscais (um total de 14 biliões de euros), estejam em “territórios” offshore da União Europeia (UE). E que os Estados tenham perdido de receita fiscal cerca de 120 mil milhões de euros: o que equivale “a duas vezes o necessário para que cada pessoa no mundo em pobreza extrema viva acima do limiar de 1,25 dólares por dia”.
Apesar das expectativas abertas com o anúncio de que os europeus iam reunir para discutir os temas offshore, os resultados do encontro de quarta-feira, 22 de Maio, não foram animadores. Bruxelas atrasou para Dezembro a decisão sobre a generalização da troca de dados financeiros no espaço europeu.
Ao contrário da França, que tem defendido medidas europeias contra a evasão fiscal, a Áustria e o Luxemburgo (com fiscalidades e regras de reporte de excepção) fazem depender o seu aval a uma maior transparência nas transacções financeiras, ao reforço da legislação na Suíça, no Mónaco, em Andorra, em San Marino e no Liechtenstein, territórios europeus, mas que não integram a UE.
A Alemanha, sede do segundo maior centro financeiro da Europa, também olha para as intenções de Holande com desconfiança.
Desta vez, e apesar de Londres surgir, habitualmente, como a face visível da resistência ao aumento da regulação financeira (bancos, operações financeiras e offshores), as posições britânicas não apareceram destacadas na comunicação social. Mas o trabalho da Vanity Fair, que se estende por sete páginas, não deixa dúvidas de que qualquer mudança à actual “arquitectura” da city londrina (uma metrópole offshore) tenderá sempre a ser vista como uma ameaça à “competitividade” da sua indústria financeira.
O título escolhido pela revista para ilustrar o mapa que acompanha o artigo de Nicholas (Nick) Shaxson (autor de outra investigação sobre o tema: Where the Money Lives) é elucidativo: “O Sol nunca se deita para o império britânico de offshores e paraísos fiscais.”
"A situação dúbia, meio dentro, meio fora (colónias sem o ser), assegura um fundo de legalidade e de distância que permite à Grã-Bretanha dizer “que nada pode fazer” quando um escândalo rebenta.” Esclarecedor, portanto.
“Um círculo interior formado por dependências da coroa britânica – Jersey, Guernsey, Ilhas de Man. Um pouco mais longe estão os 14 territórios espalhados pelo mundo, metade são paraísos fiscais, incluindo, por exemplo, gigantes offshores como as Ilhas Caimão, as Ilhas Virgens Britânicas (BVI) e as Bermudas. Ainda mais longe numerosos países da Commonwealth britânica e antigas colónias como Hong Kong, com fundas e antigas ligações a Londres, continuam a alimentar grandes fluxos financeiros questionáveis e sujos para dentro da City”, lê-se na Vanity Fair. "A situação dúbia, meio dentro, meio fora (colónias sem o ser), assegura um fundo de legalidade e de distância que permite à Grã-Bretanha dizer “que nada pode fazer” quando um escândalo rebenta.” Esclarecedor, portanto. 

Ainda assim a revista norte-americana faz menção ao que já se sabe: as enormes dificuldades em obter números sobre a circulação do dinheiro pelos paraísos fiscais, o que justifica que os valores divulgados pelas diferentes instituições nem sempre coincidam. Mas há pelo menos uma certeza: uma parte significativa das grandes fortunas mundiais, das empresas e dos fundos de investimento internacionais controlados a partir das metrópoles financeiras acabam sediados em paraísos fiscais.
Territórios opacos onde o sigilo bancário e a complexidade das estruturas societárias dificultam a identificação dos “offshore” e dos seus beneficiários efectivos, assim como das verbas que por ali circulam. 
Depois de ressalvar que “a informação é pouca”, Nick Shaxson garante que no fim do primeiro semestre de 2009, “só as três dependências da coroa britânica [Caimão, as Ilhas Virgens Britânicas (BVI) e as Bermudas] providenciaram $332,5 biliões de financiamento para a City, a maior parte é dinheiro estrangeiro não taxado”.
“Quem realmente vive no One Hyde Park [Londres], o edifício residencial mais caro do mundo? A maior parte dos proprietários das habitações é gente que se esconde atrás de offshores, de paraísos fiscais, o que nos dá o retrato dos novos super-ricos.”
“Estas questões estão de tal modo fora de controlo que, em 2001, até a Autoridade Fiscal britânica vendeu 600 edifícios a uma companhia, a Mapeley Steps, registada no paraíso fiscal das Bermudas para evitar o pagamento de taxas.”
Nick Shaxson "arranca" o artigo da Vanity Fair sem deixar dúvidas: “Quem realmente vive no One Hyde Park [Londres], o edifício residencial mais caro do mundo? A maior parte dos proprietários das habitações é gente que se esconde atrás de offshores, de paraísos fiscais, o que nos dá o retrato dos novos super-ricos.”
O construtor do One Hyde Park, Nick Candy, explicou que Londres “é a cidade no topo do mundo e o melhor paraíso fiscal para alguns”, enquanto Mark Holling, co-autor do livro Londongrad, de 2009, que fala da invasão russa, preferiu evidenciar: “ Eles [russos] vêem a capital/city como a mais segura, justa e honesta para parquear o seu dinheiro e a justiça britânica nunca os extradita”, nem “a polícia os investiga”, apesar de “se desconhecer a origem do seu dinheiro”, resultante das “privatizações pós-soviéticas corruptas”
A grande dimensão dos negócios/transacções em paraísos fiscais sob administração britânica tem gerado contestação e constitui uma dor de cabeça para o governo de David Cameron. Recentemente, num contexto em que se pede austeridade aos consumidores britânicos, o parceiro de coligação de Cameron, Lord Oakeshott, do partido Liberal-Democrata, avisou: “[as triangulações entre offshores] É uma mancha na face da Grã-Bretanha. Como pode Cameron pedir seriamente ao G8 para reforçar as receitas fiscais se depois deixar as ilhas [paraísos fiscais britânicos] usarem a lei para absorver milhões em dinheiro sujo?”
A acção da ex-primeira-ministra britânica, Margaret Thatcher, não foi esquecida por Shaxson: “As reformas financeiras [de Thatcher], nomeadamente, o Big Bang [desregulamentação], de 1986, fizeram disparar o número de banqueiros na city o que expandiu as operações financeiras” e atraiu investimento estrangeiro. Mas não só. A menor regulação e a maior competição, traços distintivos da city londrina thatcherista, não resultaram em maior transparência e qualidade nas operações financeiras e estiveram na origem da crise anglo-saxónica de 2007/2008.
Hoje, sugerem-se grandes mudanças e prometem-se "grandes batalhas" para meter a capital britânica na ordem. Mas será que a intenção de Oakeshott de colocar um fim na circulação de dinheiro sujo na City acabará algum um dia por sair da gaveta?