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A-24

"Os pontos do vigário"

por A-24, em 02.01.13

Alberto Gonçalves no DN.

Foi com algum atraso que soube da vigília em prol da Praça da Alegria. Em países menos exóticos, organizam-se vigílias pelas vítimas de massacres ou calamidades naturais no Terceiro Mundo. Aqui, o sentimento converge quase inteirinho para os conteúdos da RTP. Antes, houve o pesar face ao extermínio do Câmara Clara. Agora, temos a mágoa suscitada pelo êxodo do referido programa de variedades, forçado a mudar-se do Porto rumo à malévola capital. De tragédia humana em tragédia humana, os defensores do “serviço público” não se limitam a exigi-lo: reivindicam uma geografia específica para cada produto.
Espantosamente ou se calhar nem por isso, a vigília em questão juntou, segundo as notícias, diversas, e supostas, celebridades. Todas inconsoláveis, claro. O bispo emérito de Setúbal, Manuel Martins, confessou “sentir uma raiva muito grande”, aliás o seu estado natural, e acusou o Governo de “esvaziar a voz do povo”. Um cozinheiro aparentemente famoso, Hélio Loureiro, assegurou que “deslocalizar um programa que representa uma grande fatia dos nossos emigrantes é perder um pouco da nossa cultura”. Emocionado, rezam os relatos, o apresentador da Praça da Alegria, Jorge Gabriel, lembrou os “milhares de idosos solitários que nos assumem como a sua única família”.
Perceberam? Eu também não. Se um programa passa a ser realizado em Lisboa por troca com o “Porto” (na verdade, Vila Nova de Gaia), o povo perde o pio? Os emigrantes são incapazes de sintonizar emissões lisboetas? Só existem idosos acima do Douro? E, aproveito para sugerir, não se convoca uma vigília pelos velhinhos cuja família se resume a uma sucessão hertziana de “rubricas” de aconselhamento (digamos), conversa fiada e as cruéis cantorias do padre Borga ou similares? Como já aconteceu com boa parte da nossa classe política, o alegado Norte continua a exportar porcarias para o Terreiro do Paço e, misteriosamente, não festeja a proeza.
Eu, que sou do Norte a sério (na perspectiva de um transmontano, o Monte da Virgem situa-se praticamente na Mauritânia), não me ofendo nada com a transferência daPraça da Alegria e a supressão da RTP Porto. Embora reconheça que a perfeição implicaria o fim da RTP em geral. É possível que alguns ainda a chorassem. Mas ninguém ficaria a rir-se – excepto os contribuintes.