Os malucos do Facebook
por A-24, em 14.12.12
Completaram-se 20 anos desde o envio da primeira mensagem por telemóvel. Já não me lembrava, mas houve um tempo em que vivíamos descansados, sem o risco de que alguém suficientemente descarado para se julgar nosso amigalhaço e insuficientemente amigalhaço para ligar ou aparecer cá em casa perturbasse o nosso descanso com disparates.
Sob diversos pontos de vista, as populares SMS, inglês para short message service, português para Sintoma de Maluquice Social, representam a materialização do disparate. São desagradáveis ou, na melhor das hipóteses, inúteis (nunca, nunca, nunca recebi uma SMS a informar-me de que era o feliz beneficiado de uma vasta herança). São indelicadas (irrompem a horas inconvenientes, leia--se todas). São tão ortograficamente irreverentes que roçam o incompreensível (quando, por exemplo e sem pontuação, rezam "logo vais jantar" estão a fazer uma pergunta, a dar uma ordem ou a prever o futuro?). E são um mistério na medida em que substituem a conversa propriamente dita entre pessoas que não conversam de todo.
Vantagens das SMS? Ocorre-me uma: apesar de tudo, são preferíveis às formas comunicacionais que se lhes seguiram e começam a atenuar o respectivo uso. Ao que consta, 2012 foi o primeiro ano em que diminuiu a quantidade de SMS enviadas, em parte graças aos modos alternativos de as trocar, em parte graças às chamadas "redes sociais". Comparadas com os tiques destas, as patetices das SMS deixarão saudades. O Facebook, de longe o instrumento favorito da maioria, ultrapassou o estatuto de coisinha irritante para se tornar numa espécie de celebração da toleima.
Como se não bastasse a tendência da coisa para a camaradagem postiça, dos "amigos" imaginários ao imaginário consolo dos "likes" (e a omissão dos "dislikes"), a coisa também tende para fomentar alucinações, uma dimensão alternativa que só existe nas cabeças dos utilizadores. Um exemplo recente prende-se com a reacção a certas declarações da presidente do Banco Alimentar (BA), que no Facebook geraram fúrias épicas e, nos casos terminais, o boicote aos donativos para a instituição.
Já é digno de pena o estado mental de sujeitos que, em prol dos pobres, apelam a que se mantenham os pobres à míngua. A sorte é que os estados de alma do Facebook não se repercutem no mundo a sério, onde os turbilhões emocionais de alienados dão em nada: a recente recolha de alimentos do BA atingiu os máximos de sempre, o que não sendo um bom indicativo da prosperidade do País é um indicativo razoável da sanidade da maioria dos seus habitantes. Conforme a ausência de consequências práticas do boicote virtual ao Pingo Doce já demonstrara, a histeria acumulada na internet esgota-se na internet. Resta apurar se o Facebook criou multidões de histéricos ou se apenas lhes concedeu abrigo e voz. Em qualquer das hipóteses, a indiferença é um prémio justo.