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A-24

Os Condes D’Abranhos

por A-24, em 13.04.12
Só quem nunca leu Eça de Queirós pode abster-se de admirar a actualidade da sua obra. A política, essa constante galinha de ovos de ouro de um bando de provincianos de pendor intelectual duvidoso, está patente, em aberto ou nas entrelinhas, por todo o seu trabalho e as semelhanças, nos vícios e nas manhas, são inúmeras. O Conde D’Abranhos constitui o exemplo perfeito do desanque intelectual com que o romancista presenteou a classe política portuguesa. Acompanha a história de um idiota que por via de heranças e arranjinhos chega ao topo da hierarquia, mexendo os cordelinhos aqui e além, cacicando em prol do seu património, alavancando-se no jornalismo para singrar, espancando e bajulando governos e políticos como lhe convém, cambiando de opinião em função das marés e, finalmente, recebendo o direito de sentar o físico possante nas cadeiras da casa da democracia. Permitam-me, portanto, que vos cite umas passagens que expõe muito bem como os políticos, especialmente dentro dos partidos, encaram estas coisas da democracia. Não tendo comigo o livro – deixei-o por terras lusas, dando prioridade aos “virgens” na minha mala – fiz questão de citar de PDF. Perdoai-me portanto os puristas se me saír torta a brincadeira:
O Conde d’Abranhos, com a sua alta intuição, sentiu que se estava preparando uma nova política, que, condizendo com o seu temperamento, seria o elemento natural em que a sua fortuna medraria como num terreno propício. Ele bem sabia que o governo nada perdia do seu poder discricionário – mas que apenas o disfarçava. Em vez de bater uma forte patada no país, clamando com força: – Para aqui! Eu quero! – os governos democráticos conseguem tudo, com mais segurança própria e toda a admiração da plebe, curvando a espinha e dizendocom doçura: – Por aqui, se fazem favor! Acreditem que é o bom caminho!
Tomemos um exemplo: o eleitor que não quer votar com o Governo. Ei-lo, aí, junto da urna da oposição, com o seu voto hostil na mão, inchado do seu direito. Se, para o obrigar a votar com o Governo o empurrarem às coronhadas e às cacetadas, o homem volta-se, puxa de uma pistola – e aí temos a guerra civil. Para que esta brutalidade obsoleta? Não o espanquem, mas, pelo contrário, acompanhem-no ao café ou à taberna, conforme estejamos no campo ou na cidade, paguem-lhe bebidas generosamente, perguntem-lhe pelos pequerruchos, metamlhe uma placa de cinco tos-tões na mão e levem-no pelo braço, de cigarro na boca, trauteando o Hino, até junto da urna do Governo, vaso do Poder, taça da Felicidade! Tal é a tradição humana, doce, civilizada, hábil, que faz com que se possa tiranizar um País, com o aplauso do cidadão e em nome da Liberdade.
Quantas vezes me disse o Conde ser este o segredo das Democracias Constitucionais: «Eu, que sou governo, fraco mas hábil, dou aparentemente a Soberania ao povo, que é forte e simples. Mas, como a falta de educação o mantém na imbecilidade, e o adormecimento da consciência o amolece na indiferença, faço-o exercer essa soberania em meu proveito… E quanto ao seu proveito… adeus, ó compadre!
Ponho-lhe na mão uma espada; e ele, baboso, diz: eu sou a Força! Coloco-lhe no regaço uma bolsa, e ele, inchado, afirma: eu sou a Fazenda! Ponho-lhe diante do nariz um livro, e ele exclama, de papo: eu sou a Lei! Idiota! Não vê que por trás dele, sou eu, astuto manejador de títeres, quem move os cordéis que prendem a Espada, a Bolsa e o Livro!»
E cá está esta ex libris da ironia e do sarcasmo, dedicada aos jornalistas ( e aos bloggers, tivesse sido escrito hoje) feitos políticos, não por grande mérito seu, mas por uma reconhecida capacidade de “falar bem” sem dizer nada:
Os fundadores da Bandeira, moços ambiciosos que rondavam em torno das repartições do Estado, tinham encontrado um patrono num homem político, alta figura de relevo na história Constitucional, o conselheiro Gama Torres. A protecção que dispensava porém à Bandeira este homem notável, era, como dizia finamente o Conde – platónica, toda platónica! Não lhe dava dinheiro, porque, chefe de família, entendia, e muito bem, que a política não deve sorver fortunas, mas, pelo contrário, produzi-las. Não dava tão pouco ideias, porque, apesar da sua alta ilustração, que o torna um dos nossos grandes contemporâneos, a sua prudência, a sua reserva eram tais, que raras vezes se lhe tinha ouvido uma opinião nítida.
 Sabia-se que aquela fronte um pouco calva, de entradas largas, estava recheada de ideias; somente conservava-as como um tesouro escondido. Era, por assim dizer, um avaro intelectual. As suas ideias eram para si; no silêncio do seu gabinete, agitava-as como o velho Grandet agitava o seu ouro, regalando-se do seu brilho e da sua sonoridade. Mas se alguém entrava de repente, aferrolhava tudo à pressa no cofre do cérebro, e a sua larga testa, de entradas altas, não oferecia mais que uma fachada impenetrável e monumental, que impressionava a todos e não aproveitava a ninguém.
Por fim, faço questão de, nestes tempos de nojo geral – palavra simples mas adequada – perante o brilhantismo em meia luz da política governamental e dos seus ilustres ministérios, aqui fica uma das frases mais citadas do livro:
“E imenso como torpeza; mas nós aplaudimos, porque um ministério que assim procede, inspira, ipso facto, um nojo genérico. Este governo não há-de cair – porque não é um edifício. Tem que sair com benzina, – porque é uma nódoa!”

Ricardo Lima, in "O Insurgente"