Onde começa Portugal? Relato sobre Valença e Tui, cidades-irmãs
por A-24, em 05.05.12
Má escolha. Ou talvez não... Mas como começar uma viagem de mil quilómetros, por Portugal, num local onde não se sabe onde Portugal começa? Essa é a primeira surpresa. Com as mudanças cíclicas das marés, todos os anos a linha de fronteira muda, no rio Minho. No final da primavera, as marinhas de Portugal e de Espanha fazem as suas medições, chegam a acordo, e traçam a nova fronteira... fluvial - que nem sempre está a meio do rio. Depois, os autarcas de Valença e de Tui, cidades fronteiriças, dão o seu agrément. É apenas uma chinesice? Não é bem... Então e se descobrissem petróleo no leito do rio? A quem pertenceria? Talvez este ano a Portugal e, no próximo, a nuestros hermanos...
Esta bem poderia ser a história mais pitoresca das cidades irmãs do Minho e da Galiza. Mas Jorge Mendes, 47 anos, presidente da Câmara de Valença, eleito pelo PSD (roubou a a autarquia ao PS, em 2009) e Moisés Rodriguez, 41 anos, alcaide eleito pelo PP, têm muito mais para contar. Colegas, correligionários políticos e amigos, começaram por plantar um bosque comum (de um lado e do outro do rio, evidentemente). Foi um primeiro passo, depois de Jorge Mendes, em 2009, ter endereçado um convite pessoal e inédito ao seu homólogo de Tui para comparecer na tomada de posse. Antecessor de Moisés Rodriguez (que foi eleito no ano passado), António Fernandez Rocha tinha juntado o seu nome ao de Jorge Mendes na placa comemorativa dos 125 anos da ponte internacional rodo-ferroviária que liga as duas cidades. Uma ponte de ferro forjado, parte integrante do caminho de Santiago (20 mil peregrinos por ano, de dezenas de nacionalidades) e elo de ligação à Via Romana XIX. Nos seus pilares ocos guardavam-se, de um lado e do outro, potentes cargas de dinamite, capazes de deitar abaixo a estrutura, em caso de guerra ou iminente invasão. Águas passadas do rio Minho.
Hoje, a guerra é outra, e trava-se contra a crise. Há muito desemprego?, perguntamos. Jorge e Moisés olham um para o outro. O autarca português confessa, como se estivesse envergonhado: "Não posso dizer isto muito alto, mas nós aqui quase não temos desemprego..." Empresas como a norte-americana Borgwarner, líder mundial de sistemas para turbos, e que tem em Valença uma pujante unidade, a fábrica portuguesa do grupo espanhol Antolin (componentes de automóvel) ou a Maribérica (preparação de produtos de pesca e aquicultura) dão pleno emprego à população de Valença e Tui. Resta-nos bater na madeira - e é o que fazemos.
Avenida comum
Os dois autarcas trepam, do lado galego, um periclitante andaime das obras que decorrem para reforço da velha ponte, não muito distante da nova, por onde passa a autoestrada. Queremos uma foto junto dos carris, os primeiros a serem construídos numa ligação ferroviária Portugal-Espanha (Porto-Vigo) - e uma linha cuja continuidade está agora em risco, senão para as mercadorias, pelo menos para os passageiros. A ordem que ouvimos vem da boca de um engenheiro português: "Não podem passar aí!" Viramo-nos para o interior de Tui, e Moisés mostra-nos a placa com o nome Avenida Portugal. A mesma que começa em Valença com o nome Avenida de Espanha. Do lado português há agências de 15 bancos diferentes, que fazem de Valença a maior praça financeira do Alto Minho e que recolhem as poupanças dos dois lados da fronteira. Do lado galego, o Café Lisboa, a Casa Viana do Castelo e o supermercado Porto. Num mundo galaico - português, tudo nos une e nem a língua nos separa: "Os minhotos falam quase como nós. Mais para sul, é que a pronúncia fica mais cerrada e temos mais dificuldade", admite Moisés Rodriguez. Na magnífica Catedral de Tui, acolhem-se as relíquias do galego tudense São Telmo, padroeiro da cidade. Do lado português, comemoram-se os 850 anos da morte de São Teotónio, primeiro santo português. Os dois foram amigos de infância e brincaram nas ruas de ambos os burgos. Porque não ficamos surpreendidos?
Nas muralhas da grande fortaleza de Valença - que ainda acolhe o bonito centro histórico local, com um comércio tão vivo que a cidade se autointitula "capital do comércio tradicional", os canhões continuam apontados para Tui. Mas as mesmas muralhas que nos separaram podem agora unir-nos, numa candidatura a Património Mundial. Quem diria que um símbolo de guerra iria beneficiar o "inimigo"?
A cereja no topo do bolo de tanta cooperação e amizade bem poderia ser a "cavalgada" anual, uma espécie de corso de ano novo, que começa na Avenida de Espanha, nas barbas do forte, e termina no final da Avenida de Portugal, no centro histórico de Tui. Ou o processo de geminação em curso (Valença já é geminada com a capital da Irlanda do Norte, Belfast). Ou o facto de ambos os autarcas terem estado numa representação conjunta, nas feiras de turismo Fitur, em Madrid, ou BTL, em Lisboa. Ou a tradicional festa de homenagem a José Afonso, no 1.° de Maio, em Valença, num concerto muito badalado em ambas as cidades. Ou a semana de atividades desportivas com os alunos das escolas dos dois municípios. Ou o seminário sobre cooperação, em Tui, com a presença de Augusto Mateus, coordenador do Plano Estratégico para o Alto Minho e em que dez presidentes de Câmara minhotos deverão estar presentes. Mas há uma última surpresa reservada: Jorge Mendes e Moisés Rodriguez estão quase de malas aviadas para apresentarem, em Bruxelas, a sua candidatura ao projeto Eurocidade, que agrega cidades fronteiriças numa única entidade urbana e cultural. Tui e Valença continuarão autónomas, mas as sinergias, o espaço urbano e os programas de desenvolvimento serão comuns.
Depois disso, quem quererá saber em que ponto do rio passa a linha da fronteira?
Visão