O Zé não poupa
por A-24, em 24.04.13
Tenho falado neste blog várias vezes sobre o problema da escassez de capital em Portugal e os efeitos dessa escassez no produto, no nível salarial e no desemprego (principalmente desemprego qualificado). Esta escassez de capital resultou, da acumulação de dívida e de má alocação de capital. O estado, como todos sabemos, acumulou uma dívida brutal, e é um dos principais responsáveis pela actual escassez de capital no país. Mas não foi só o estado que acumulou uma grande dívida. Como a esquerda não se cansa de recordar, também os privados acumularam bastante dívida. Muita dessa dívida acumulada está relacionada com a compra de habitação própria. A entrada no euro influenciou este comportamente, mas não só. Para entendermos melhor as motivações dos agentes no mercado, imaginemos o caso do Zé que considera comprar uma casa.
O Zé tem a sorte de ter um emprego. Ele calculou que, com algum sacrifício, consegue poupar 400 € por mês. Ele viu uma casa que lhe agrada e que não é muito cara: apenas 80 mil euros. Com estes dados tentou entender as suas opções. A primeira opção é pedir um empréstimo ao banco e pagar 400 € por mês. Assumindo uma taxa de juro de 5%, e 400€ de mensalidade, o Zé calculou que demoraria 35 anos a pagar a casa.
No final do empréstimo, teria pago mais de 80 mil euros só em juros. Esta opção exigirá ao Zé trinta e cinco anos de sacríficios mensais, pagando ao fim daquele tempo mais em juros do que o preço da casa. Depois disto, ele considera a opção de poupar até ter dinheiro para comprar a casa sem qualquer empréstimo. Assumindo os mesmos 5% de juro nas suas aplicações (imaginemos que o Zé compra obrigações do Banco) e 400€ mensais poupados, ele calculou que demoraria 12 anos a poupar o valor da casa.
Neste caso, apenas teria que fazer sacrifícios no orçamento mensal durante 12 anos mas, por outro lado, também teria que esperar 12 anos até poder comprar a casa. O Zé está indeciso: valerá a pena passar mais 23 anos a fazer sacrifícios para poder comprar já a casa?
É aqui que o Zé se lembra do Estado. Alguém lhe diz que o Estado lhe garante um abatimento fiscal no valor de 10% dos juros pagos. Uma excelente ajuda: feitas as contas o Zé, com a mesma taxa de juro e a mesma mensalidade, apenas precisa de 30 anos para pagar a casa.
Por outro lado, o Zé lembra-se que ao poupar se tornará beneficiário de rendimentos de capital pagando um imposto de 30% sobre os rendimentos. Isto atrasa-lo-ia um ano: em vez de 12 anos, teria que esperar 13 anos até poupar o valor da casa.
Se pedir um empréstimo, o Zé é, aos olhos do estado, um pobre explorado pela banca, merecedor de benesses fiscais que o ajudem a ultrapassar as dificuldades. Se o empréstimo correr para o torto ainda pode beneficiar de algumas benesses da justiça. A justiça social assim o impõe. Já se poupar para comprar a casa, o mesmo Zé passa ao papel de rico capitalista a viver à custa dos retornos de capital.em nome da mesma justiça social, o Zé agora tem que pagar impostos sobre esses retornos. Com algum azar, se a coisa der para o torto ainda se arrisca a que ao fim de 10 anos os euros poupados se tornem em Chicos. E ninguém terá pena dele, afinal, se ele tem 60 mil euros no banco só pode ser rico, e é obrigação dos ricos contribuir para o bem comum.
O Zé, que antes estava indeciso, acabou de decidir: irá pedir um empréstimo. Acumular capital em Portugal é uma actividade de alto risco.
Carlos Guimarães Pinto