O Reino Desunido
por A-24, em 17.09.14
Ainda bem que não posso votar. Um lado, um grande lado, da minha família é escocesa, e faz-me impressão que de repente possa pertencer a um novo estado.
Na semana passada, sugeri que, aos olhos do resto do mundo, Portugal não tem muito mais existência do que a de um destino de férias. Esta semana, acontece o referendo da independência da Escócia, e é possível que o Reino Unido deixe de existir — e não apenas metaforicamente.
No corrente Reino Unido, as relações entre os países individuais que o compõem são de facto complicadas… Os ingleses e os galeses odeiam-se uns aos outros. Os ingleses e os irlandeses do Norte suspeitam uns dos outros. Os galeses, os irlandeses do Norte e os escoceses (e por vezes, a gente da Cornualha, que também aspira à independência) sentem-se irmanados na luta contra o grande opressor inglês: os Celtas contra os “Normandos”… Esta semana, é a relação entre os escoceses e os ingleses que vai mesmo vai ser testada.
No corrente Reino Unido, a maior parte das pessoas que tem sangue escocês está sempre disposta a contar ao resto do mundo que tem sangue escocês. Ser escocês é fixe, é ter genes de guerreiro, pertencer às antigas tribos selvagens, forte e sem medo, o corajoso “underdog”. Coisas boas saíram da Escócia ao longo dos anos; o telefone, a televisão… o “teacake” de Tunnocks (é como uma bomboca, nojenta e doce — mas adoro-os). Nem preciso de mencionar Irn Bru (pode googlar) e whisky. A Escócia é atrevida, divertida e forte. É altamente refinada mas também rebarbativa. A Escócia é severa, cinzenta e escura, mas ao mesmo tempo consegue ver a piada das coisas.
Os ingleses gozam com os escoceses por serem preguiçosos, beberem e fumarem demasiado, só comerem fritos e morrerem de ataques cardíacos aos 27 anos, ou por serem presbiterianos velhos e rabugentos, contrários a tudo que é bom. No entanto, têm de admitir que adoram os escoceses, e desejariam ser tão resistentes e adorados como eles. Por isso, nas últimas semanas, os ingleses entraram em pânico, ao perceberem que podem mesmo perder a Escócia. Londres deixou tudo suspenso e correu a implorar aos escoceses que fiquem.
Do outro lado, os escoceses que têm sangue inglês nunca o declaram. Para eles, os ingleses são convencidos, arrogantes, fracos, pomposos — totós carecas que não sabem que o que têm é bom. Para os escoceses, os ingleses não são divertidos e queixam-se, em vez de fazer o que os escoceses fariam: continuarem a fazer o que tem de ser feito, mesmo à chuva e sem botas. Quanto mais do sul da Inglaterra é um inglês, pior é para os escoceses.
Os escoceses não confiam nada nos ingleses e, historicamente, têm razão. Nos últimos séculos, a Escócia foi muito mal tratada por Londres, embora eu não creia que Escócia tenha sido tratada de maneira pior do que o norte da Inglaterra ou outras regiões suficientemente remotas para Londres não lhes ligar nenhuma. Os londrinos, tal como os lisboetas, esquecem-se facilmente de que o país, e as vezes o mundo inteiro, não roda à volta deles.
O desprezo pelos ingleses na Escócia é forte, e é bem capaz de afectar o voto. Se o resultado for Sim, haverá pânico (nos dois lados), mas haverá optimismo (nos escoceses). Há tanta incógnitas por decifrar (a moeda e a filiação na UE; quanto petróleo ainda resta no Mar do Norte?; haverá passaportes novos e visas para os totós ingleses?), que será uma época difícil mas emocionante, essa de descobrir como vai ser um novo país.
Se o voto for Não, haverá amuos e discussões mas, acho eu, um grande sentido de alívio, especialmente no “País Ainda Chamado O Reino Unido da Grã-Bretanha e Irlanda do Norte, Graças a Deus”.
Ainda bem que não posso votar. Um lado, um grande lado, da minha família é escocesa, e faz-me impressão que de repente possa pertencer a um novo estado. A minha cabeça está interessada em ver como uma Escócia independente podia funcionar, embora me pareça arriscado, mas o meu coração não quer ver um Reino Desunido.
A Escócia é um dos bens maiores do Reino Unido, e não estou a falar do petróleo.