O problema da esquerda
por A-24, em 10.06.13
O principal problema da esquerda é um problema teórico. O proletariado desapareceu e acabou por se tornar numa pequena-burguesia, sem aspirações subversivas mas com aspirações de estatuto e consumo, enquanto a grande massa dos trabalhadores desceu a uma categoria heterogénea e confusa, mais parecida com os "miseráveis" de Vítor Hugo ou com os sans-culottes da Revolução Francesa do que com o apoio certo e seguro que em Paris como em St. Petersburgo levou ao poder a classe média. Por outro lado, os capitalistas também já não aparecem à vista do público e são hoje uma entidade obscura e vaga que a esquerda trata por "banca usurária", "especuladores", "casino" financeiro e epítetos desta natureza sem utilidade prática ou significação precisa. Do patrão que estava ali, como em Soeiro Pereira Gomes, com o seu charuto e o seu automóvel, o "explorador" emigrou para uma nuvem, às vezes longínqua, às vezes próxima, nunca exactamente identificável.
A esquerda precisa de um programa e de objectivos. Mas, pela maneira como ela própria fala, esse programa e a imensidão de objectivos que dele derivam, que servem talvez para criticar parcialmente o passado, não servem para guia de acção. Nem manifestações, nem greves, nem uma ou várias greves gerais garantem a mudança do Governo ou do regime político e nenhuma delas contribui para o fim da miséria, que de ano em ano cresce. Ainda por cima, excepto o ocasional maluquinho, pensa seriamente em autarcia ou em desenvolvimento endógeno. Numa palavra, a esquerda depende do capital e, sobretudo, do capital estrangeiro, que desconfia dela e não porá cá dentro um único vintém, se não o obrigarem a essa absurda operação. Sem diabo e sem um salvador, a esquerda voltará pouco a pouco ao século XIX, onde verdadeiramente pertence.
Não por acaso o Papa Francisco se chamou Francisco - queria chamar a si os "pobrezinhos" - e não por acaso ressuscitou o diabo, por quem a Igreja se desinteressara, e que em 2013 ele recomeçou a perseguir a golpes de exorcismos. A esquerda portuguesa não tem na sua velha tradição esta arma terrível. Mas tem, em contrapartida, a arma (um pouco heterodoxa, admito) da revolução mundial: primeiro, na Europa; a seguir na América, e, lá para o fim, na Ásia. A duração do projecto permite indefinidamente a esperança e, enquanto espera, à esquerda cá do sítio com certeza que não faltará uma longa série de querelas para se ocupar. E se divertir. (ver Público)
Vasco Pulido Valente