O pesadelo espanhol
por A-24, em 06.05.13
Olhemos para Espanha, nosso principal parceiro económico: como vão ali as coisas? Piores que nunca: 6.202.700 desempregados, segundo as estatísticas oficiais referentes ao primeiro trimestre de 2013 - isto é, 27% da população activa.
Seis em cada dez jovens não encontram trabalho: há hoje 2,8 milhões de espanhóis com menos de 30 anos sem emprego - números correspondentes a 57% do total. Em cinco comunidades autónomas, duas das quais fronteiras com Portugal, a taxa de desemprego ultrapassa 30%: Andaluzia com 36,87%, Extremadura com 35,56%, Canárias com 34,27%, Castela-La Mancha com 31,51% e Múrcia com 30,37%.
Há na Andaluzia já mais desempregados do que em toda a Grécia. A nível provincial, o recorde vai para Cádis, também na Andaluzia: 42% de desempregados.
Desde que começou a crise, em Agosto de 2007, o flagelo do desemprego passou a atingir mais 4.410.800 pessoas, o equivalente à população somada da Extremadura, Baleares, Aragão e Astúrias, e foram destruídos quase 3,2 milhões de postos de trabalho só no sector privado. Desde que o anterior primeiro-ministro, Zapatero, deu lugar a Mariano Rajoy desapareceram 1.117.800 - à média de 2579 por dia e 107 por hora. E o Governo já admite que a situação não será invertida durante a actual legislatura, iniciada em Dezembro de 2011.
Restam hoje apenas 16,6 milhões de empregos, enquanto no terceiro trimestre de 2007 havia 20,5 milhões. E, dos que restam, há muitos precários: 15% dos espanhóis ainda empregados recebem à hora. A noção de precariedade dos postos de trabalho consolida-se a cada dia que passa, multiplicando los lunes al sol, título de um perturbante filme de 2002, espantosamente visionário.
Outro registo muito preocupante: a soma dos desempregados e pensionistas (15 milhões) está extremamente próxima do número daqueles que ainda têm emprego (16,2 milhões). Nunca esta diferença foi tão reduzida.
Pior: existem 1,9 milhões de lares espanhóis em que todos os seus membros estão sem trabalho remunerado.
Pior ainda: nos últimos seis meses deixaram de existir 80.200 lares - algo nunca antes registado nesta escala. "A crise tem reagrupado as famílias", noticia o diário El Mundo, que tinha uma manchete bem expressiva na sua edição de ontem: "O recorde da vergonha".
São números aterradores, espelho fiel de uma receita que falhou. Prossegui-la é desembocar no desastre: comoSantiago González escreve na sua coluna de hoje, também no El Mundo, Hitler chegou ao poder precisamente quando a Alemanha acabara de ultrapassar a cifra dos seis milhões de desempregados.
Manter esta receita é fomentar a revolta daqueles que, sem nada, estão dispostos a tudo. Atribuir-lhe a caução de instituições como a União Europeia e o Banco Central Europeu é implodir o projecto europeu, condenando-o a um irremediável fracasso - e fazer a Europa recuar 80 anos. À década de 30, precisamente. Lembrem-se do que ocorreu em Espanha nesse período de má memória: uma guerra civil com um saldo sangrento de mais de 600 mil mortos. O franquismo acabou por conduzir ao pleno emprego, mas à custa da asfixia de todas as liberdades essenciais e de movimentações maciças de espanhóis para os destinos da emigração, com destaque para a França, a Alemanha e a América Latina.
Jean-Claude Juncker bem avisou, recentemente: os piores fantasmas da História podem sempre voltar.
Imagem: fotograma do filme Segundas-Feiras ao Sol (2002), de Fernando León de Aranoa, com Javier Bardem e Luis Tosar