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A-24

O parque de campismo do CCCA ou uma favela portuguesa

por A-24, em 23.09.12

Uma reportagem muito interessante a vários títulos: Reportagem: o intruso da tenda 3009. Por Paulo Moura.
O parque de campismo do CCCA existe há 42 anos, e grande parte dos seus utentes está cá desde essa altura. É o caso das famílias Terras e Vargas. Já vão na terceira geração. Compraram tendas junto uns dos outros, e agora constituem um bairro. Os churrascos são feitos alternadamente em casa do casal Terras ou Vargas, ou dos filhos. Nenhum deles pensa alguma vez sair daqui. “Isto é um condomínio privado junto à praia”, explicou Jacinto Terras, de 80 anos. A mulher, Manuela, não gosta de praia, mas valoriza o convívio. São famílias que vivem juntas há décadas, como nas aldeias que já não existem. Todos se conhecem. Os mais velhos são compinchas da sueca ou do dominó, os jovens deram aqui os primeiros passos, brincam na rua, começam a namorar.Jacinto Terras e o filho, João, tiveram uma vez uma conversa. “Se nos saísse o Euromilhões, abandonávamos o parque?” Concluíram que não.
É notório que a maioria da população do CCCA pertence à classe média baixa. É barato. Um alvéolo aqui custa, hoje, entre três mil e cinco mil euros. Mais o aluguer do terreno, que ronda os 50 euros por mês. O problema é que não se consegue comprar não se sendo sócio do CCCA. Mesmo para estes é difícil, porque o espaço não se multiplica, como eles.
Quando alguém pretende desistir do seu alvéolo, pode pôr o material à venda. Mas o comprador não fi ca com direito ao terreno, que é colocado numa espécie de concurso, no qual o critério de preferência é a antiguidade do sócio. Ou o grau de amizade com os directores, dizem as más línguas.
Quem pretende comprar é colocado numa lista de espera. Quando surgem as oportunidades, o primeiro da lista pode optar. Se não lhe agradar a unidade à venda, por estar por exemplo num aglomerado irrespirável, pode declinar. Tem um ano para escolher, após o que perde o direito.
São regras complicadas, que permitem muitas discussões e confl itos. David Carneiro, de 35 anos, e Cristina Dias, de 32, com uma filha de quatro meses, compraram agora um bonito alvéolo, depois de anos a “viver” no dos pais dele. Aproveitei para perguntar a Cristina como poderia eu comprar também um alvéolo.
“Isso não é possível”, disse ela. “Nós só conseguimos porque o David é da direcção e amigo de pessoas…”
David corrigiu logo: “Estou em lista de espera há dois anos. Aliás, inscrevi-me para que não dissessem que foi por cunha.”
A pressão para comprar os espaços é tão grande que a direcção não consegue fazer o que devia: dar baixa dos alvéolos que vão sendo abandonados, para fazer diminuir a densidade de tendas no parque.