O país onde a violação de uma mulher é higiene pública
por A-24, em 18.12.13
É por estas e por outras que o relativismo tem pernas curtas. Em dezembro de 2012, uma jovem de 23 anos foi violada num autocarro de Nova Deli por um grupo de indivíduos, mas grande parte da sociedade culpou a vítima e não os agressores. Um dos gurus barbudos do hinduísmo, Asaram Bapu, afirmou que a vítima procedera mal ao ter resistido às investidas. Então, não queres um gang-rape, ó beleza? Segundo Bapu, ela devia ter implorado por misericórdia através da invocação do termo 'bhaya' (qualquer coisa como 'mano'). Dessa forma, garante Bapu, os violadores tê-la-iam deixado em paz. Ó galdéria, se me tratares por 'irmão', nós deixamos o nosso plano de violação e vamos à nossa vida como se nada fosse, está bem? A rapariga morreu duas semanas depois no hospital.
Felizmente, as mulheres indianas não aceitam a tese do "isto é a cultura deles". A violência do caso furou pela primeira vez o véu da negação ou da indiferença em relação a este problema endémico. Surgiu na sociedade indiana uma onda de manifestações nunca antes vista contra a normalidade das violações, contra o machismo dos costumes e das leis. Ainda antes do julgamento dos violadores, o quadro legal foi alterado. O estupro deixou a brandura jurídica e entrou no terreno mortal: 20 anos de pena mínima, pena de morte para os casos que provoquem a morte ou o estado vegetativo da vítima. Em setembro, no julgamento mais famoso da história indiana, o tribunal condenou à morte quatro dos agressores. Em paralelo, o número de denúncias aumentou. O caso do autocarro quebrou mesmo a capa da vergonha de muitas mulheres. Em 2012, a polícia de Nova Deli registou 706 denúncias de estupro; entre janeiro e outubro de 2013, o número já estava em 1330. Idem para os casos de abuso sexual: 727 em 2012, 2844 entre janeiro e outubro deste ano.
Mas será que este novo quadro legal resolve o problema? Não. Como dizem os grupos de mulheres indianas, o problema é cultural, está integrado na cultura masculina do país, uma cultura que diz "a culpa é dela" porque tinha um decote às 10 da noite, "estava mesmo a pedi-las". Boa parte da rapaziada indiana não vê a violação colectiva de uma rapariga como um crime ou como um acto imoral, mas sim como uma celebração da masculinidade e, acima de tudo, como uma punição da emancipação feminina. Ó beleza, então andas sozinha por aí, a trabalhar e a ir ao cinema? Ele, o violador, não se sente culpado, é apenas um membro da equipa dos bons costumes; ainda por cima, a culpa fica convenientemente diluída no colectivo do gang-rape. A coragem colectiva é sempre uma tapeçaria de cobardias individuais, não é verdade? E, por falar em cobardia, convém registar que o tal guru foi preso em novembro. A polícia diz que Asaram Bapu violou uma rapariga de 16 anos num comício religioso. Saliente-se que este homem é famoso devido à defesa de uma "vida pia" e afastada dos "prazeres carnais".