O fim do Bloco de Esquerda
por A-24, em 18.07.14
É difícil perceber por que motivo o Bloco de Esquerda continua a ostentar este nome tão cheio de presunção. Porque, como hoje é evidente aos olhos de todos, o BE é tudo menos um bloco. Com dissidências contínuas, pela esquerda e pela direita, este movimento que chegou há 15 anos à política portuguesa com a pretensão de unir a esquerda está a atingir resultados opostos. Em vez de unir, divide. Em vez de congregar, separa.
Nada mais errado. Os sinais de desagregação do pseudo-bloco já vinham de longe. E tinham tudo a ver com a sua desorientação estratégica. O BE está para a política portuguesa como a selecção brasileira comandada por Scolari esteve neste Mundial de futebol. Sem unidade, sem coesão, sem prioridades definidas, transformando cada malogro táctico numa nova oportunidade desperdiçada para congregar o que resta das hostes, numa reafirmação dos velhos princípios da esquerda mais sectária: somos poucos mas bons, só faz falta quem está.
Sai agora Ana Drago, que foi uma das melhores deputadas da Assembleia da República nascidas após o 25 de Abril. Como anteriormente saíram fundadores, militantes, aderentes ou notáveis simpatizantes como Miguel Vale de Almeida, José Sá Fernandes, Joana Amaral Dias, Rui Tavares, Gil Garcia, Daniel Oliveira e tantos outros.
Estarão todos eles errados ou, pelo contrário, o erro reside na prática política cada vez mais intolerante e cada vez mais fechada do antigo Bloco?
Acompanhei, como jornalista, os primeiros passos do BE. Percebi, logo em 1999, que estava ali um movimento importante a que convinha dar a devida atenção. Escrevi muitos artigos sobre o proto-partido fundado por Francisco Louçã, Miguel Portas, Fernando Rosas e Luís Fazenda. Não tive dúvida de que faria movimentar a esquerda portuguesa situada à esquerda do PS numa altura em que, em matéria de costumes, o PCP ainda vogava no período do paleolítico.
Por tudo isto, a minha desilusão foi ainda maior ao perceber, antes da maior parte dos observadores, que o BE estava a ser canibalizado pelos comunistas, que pretendem transformá-lo numa segunda versão dos ridículos 'Verdes', revista e aumentada. Várias vezes alertei, aqui e noutros locais, contra o clamoroso erro estratégico dos bloquistas ao transformarem-se numa cópia do PCP, esgotando-se numa força de protesto inconsequente e transformando o PS no inimigo principal. Esquecendo que, entre o original e a cópia, a comparação é sempre desfavorável a esta.
Permitam-me que relembre aqui alguns textos que fui publicando no DELITO sobre o agora impropriamente chamado Bloco de Esquerda:
20 de Fevereiro de 2009: «Assumirão PCP e BE o ónus do regresso da direita ao poder? Será para isso que um número crescente de portugueses manifesta a intenção de votar nestes dois partidos?»
27 de Abril de 2011: «A última coisa de que o sistema português precisa é de um segundo partido comunista, apenas um pouco mais citadino e com vestuário de marca.»
22 de Junho de 2011: «O Bloco não pode cometer o erro dos partidos tradicionais, que se fecham sobre si mesmos nos momentos do desaire. O aparelho bloquista, numa reacção instintiva, recusa debater com a profundidade que a situação exige a derrocada eleitoral do dia 5. Mas há um problema de fundo que o BE tem de resolver: ou se contenta em ser uma cópia do PCP, o que o condena à extinção a curto prazo, ou se assume como parceiro de soluções governativas à esquerda, o que implica fatalmente um diálogo com o PS.»
8 de Outubro de 2013: «O BE só revelará utilidade, à esquerda, se tiver ambições de governo. Ou seja, se estiver receptivo a uma futura coligação com o PS, único partido português com hipótese de constituir alternativa à actual maioria governamental. Se imitam os Verdes alemães na liderança bicéfala, por maioria de razão também devem imitá-los nesta matéria: os ecologistas atingiram a maioridade política em Berlim ao aceitarem coligar-se em 1998 com o chanceler social-democrata Gerhard Schroeder.»
Reitero tudo quanto escrevi. Não satisfeito, devo confessar, pelo facto de o tempo me ter dado razão. Porque considero hoje, como sempre considerei, que o sistema político português sofre de uma grave assimetria: só é possível formar maiorias governativas à direita. A esquerda, que tem o PS como partido maioritário, continua a viver neste dilema: ou se alia à direita ou jamais voltará a ser governo.
Por culpa de quem?
Dela própria. Do seu vazio estratégico. Dos monumentais egos dos seus próceres. Do seu incurável sectarismo.