O dia em que os alemães derrubaram o Muro
por A-24, em 09.11.10
Alemanha: Há 20 anos foi abolida a barreira que desde 1961 separava um país e dois sistemas
O bloco de Leste, um império regido pela batuta da União Soviética, entrou em reforma acelerada em 1994, graças à ‘perestroika’ de Mikhail Gorbachev. Mas o regime comunista da Alemanha Democrática (RDA) resistia e adiava a mudança. O então presidente da RDA, Erich Honecker, sentenciou mesmo, no início de 1989, que o Muro, a que muitos chamavam o ‘da vergonha’, continuaria a existir dentro de cem anos. A 18 de Outubro, antes de os acontecimentos revelarem a dimensão do seu engano, o Politbüro (Comité Central) do Partido Socialista da RDA, premiou a sua obstinação, com o beneplácito de Moscovo, forçando-o a demitir-se.
Outras cabeça rolaram, e seriam os novos líderes do país, a quem cabia planear uma reforma suave, a ver-se confrontados com a crescente revolta popular. Egon Krenz, sucessor de Honecker, e Günter Schabowski, membro do Politbüro e porta-voz do governo, são nomes cruciais do ‘canto de cisne’ da Alemanha de Leste.
A gigantesca manifestação que reuniu mais de um milhão de pessoas a 4 de Novembro, na Alexanderplatz, a reclamar eleições livres, foi o derradeiro prenúncio do que estava para acontecer. O Politbüro planeava a abertura de fronteiras para o Natal, mas a pressão social forçou uma antecipação. Na reunião decisiva, a 9 de Novembro, Krenz fez aprovar um despacho para acelerar o processo, e foi entregue a Schabowski o comunicado que daria conta da abertura de passagens para o Ocidente.
A medida devia entrar em vigor no dia seguinte, mas Schabowski, numa conferência de imprensa transmitida em directo, leu o comunicado e, por engano, declarou que as restrições de viagem para o Ocidente ficavam abolidas de imediato.
O anúncio criou um silêncio de incredulidade. Mas pouco depois milhares de alemães de Leste precipitaram-se para a rua e correram para os postos de controlo. Apanhados de surpresa, os guardas não reagiram, e o resto, como é hábito dizer-se, é História. As fotografias de uma mole compacta de pessoas eufóricas penduradas no topo do muro que, durante 28 anos, dividiu uma cidade e dois blocos políticos, são a imagem do fim de uma era.
O anúncio criou um silêncio de incredulidade. Mas pouco depois milhares de alemães de Leste precipitaram-se para a rua e correram para os postos de controlo. Apanhados de surpresa, os guardas não reagiram, e o resto, como é hábito dizer-se, é História. As fotografias de uma mole compacta de pessoas eufóricas penduradas no topo do muro que, durante 28 anos, dividiu uma cidade e dois blocos políticos, são a imagem do fim de uma era.
A 3 de Outubro de 1990, Helmut Kohl, chanceler da Alemanha Ocidental, fechou definitivamente o capítulo aberto um ano antes. Formalizou a reunificação alemã e tornou-se o primeiro líder da Alemanha unida desde a derrota de Adolf Hitler.
FRASES
'Os trabalhadores empregam todas as suas forças a construir casas. Ninguém tem intenção de erguer um muro', W. Ulbricht Pres. da RDA - 1961
'Não tenhais medo. [...] Mudai a face desta terra', Papa João Paulo II - 1979
'Dentro de cem anos o Muro continuará a existir', Erich Honecker, Presidente da RDA - 1989
'Não estou a tentar acelerar as coisas, mas há uma força que nos conduz', Helmut Kohl, Chanceler alemão - 1990
REUNIFICAÇÃO, ENTRE O SONHO E A REALIDADE
O chanceler Helmut Kohl ficou na História como o arquitecto da reunificação alemã, mas para muitos alemães o país continua dividido. Vinte anos após a queda do Muro, persistem muros mentais e diferenças de facto. A mais visível é a diferença económica. Em 20 anos, cerca de 1,5 mil milhões de euros foram transferidos para ajudar o Leste. Apesar disso, o nível de vida dos ‘Ossis’ (alemães de Leste) é ainda bem inferior e serão precisos muitos anos para o equiparar ao dos ‘Wessis’. Não é de estranhar, pois, que um em cada dez alemães de Leste deseje o regresso ao passado.
MUROS QUE DIVIDEM O MUNDO
1 - Berlim: Erguido em 1961, dividiu Berlim e a Alemanha durante 28 anos. Simbolizou a cisão entre Europa ocidental e bloco comunista.
2- Índia: Barreira com quase 500 km divide Caxemira. Junto ao Bangladesh, nova barreira em construção. Terminada, terá 4000 km.
3 - Rio de Janeiro: No início do ano o Brasil começou a erguer muros de betão, com três metros de altura, para isolar 11 favelas da cidade.
4 - Bagdad: EUA ergueram em 2007 um muro de 5 km de extensão e 3,6 metros de altura a separar um bairro sunita dos bairros xiitas vizinhos.
5 - EUA: Ao longo dos 3000 km de fronteira entre EUA e México foram erguidas barreiras numa extensão de quase 560 km.
6 - Israel: Em 2002 inicia-se a construção, na Cisjordânia, de um muro de cinco metros de altura para isolar Israel de povoações palestinianas.
7 - Marrocos Enclaves espanhóis de Ceuta e Melilla estão protegidos com valas, arame farpado e barreiras com sensores de movimento.
8 - Coreia: Criada em 1953, a Zona Desmilitarizada tem 4 km de largura. Tem muros com 250 km de extensão nos dois lados da fronteira.
9 - Chipre: A Linha Verde divide áreas turca e grega. Foi estabelecida nos anos 60 sob supervisão da ONU e tem 180 km de extensão.
10 - Ulster: Barreiras de paz erguidas nos anos 70 para controlar violência entre católicos e protestantes 40 muros persistem em Belfast.
MILHARES EM BERLIM NA FESTA DA LIBERDADE
Os 20 anos da queda do Muro de Berlim serão assinalados hoje na capital alemã com a Festa da Liberdade, um conjunto de actos festivos que arrancam com um concerto dirigido pelo maestro Daniel Barenboim e culminam no derrube de um dominó gigante. Cerca de mil peças de dominó, com dois metros e meio de altura, foram montadas nas linhas antes ocupadas pela barreira que separou os alemães durante 28 anos. A sua queda decorre num espaço entre o Reichstag, sede do Parlamento alemão, a Potsdamer Platz e a Porta de Brandemburgo.
Personalidades políticas de todo Mundo marcam presença, entre elas a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton, o presidente da Comissão Europeia, José Manuel Durão Barroso, e o primeiro-ministro português, José Sócrates.
CRONOLOGIA DE UMA CIDADE DIVIDIDA
1945 - Maio: Fim da II Guerra Mundial. Berlim dividida entre o sector soviético, a Leste, e os sectores americano, francês e britânico, a Oeste.
1948/49 -Tropas soviéticas bloqueiam Berlim Ocidental. Ponte aérea aliada durou 15 meses.
1949 - A 23 de Maio nasce a RFA. A 7 de Outubro é fundada a RDA.
1953 - Revolta dos operários de Berlim Oriental contra as deficientes condições de trabalho é reprimida pelo Exército Vermelho.
1961 - 13 Agosto: É encerrada a fronteira entre Berlim Oriental e Berlim Ocidental. O Muro começa a ser construído.
1963 - Presidente norte-americano John F. Kennedy visita Berlim Ocidental e profere a célebre frase 'Eu sou um berlinense.'
1973 - As duas Alemanhas estabelecem relações diplomáticas.
1987 - Ronald Reagan visita Berlim Ocidental e exorta o líder soviético Mikhail Gorbachov a derrubar o Muro.
1989 - Setembro: A Hungria abre a fronteira com a Áustria, permitindo a saída de milhares de alemães orientais para o Ocidente.
Outubro: Gorbachov visita Berlim Oriental e pede às autoridades da RDA para não travarem as reformas.
4 Novembro: Um milhão de pessoas participa numa manifestação pró-democracia em Berlim Oriental. Governo demite-se 3 dias depois.
9 Novembro: RDA anuncia inesperadamente a abertura das fronteiras. No meio dos festejos, o Muro começa a ser derrubado.