Na Coreia do Norte, onde "não há nada a invejar", seis milhões aguardam ajuda alimentar
por A-24, em 27.10.11
As águas dos poços estão contaminadas. Alguns campos podem estar verdes, mas sem bagos de arroz, que não chegaram a nascer. Só raramente se encontra carne ou peixe. Há hospitais sem ambulâncias, há camas com mais de um paciente. Ainda assim, no orfanato de Haeju, no Sul do país, 28 crianças sentam-se no chão para cantar: "Não temos nada a invejar."
A música faz parte de um hino à juche, a ideologia de independência e auto-subsistência da Coreia do Norte que contribuiu para o seu enclausuramento. Mas aquilo que testemunharam os jornalistas da AlertNet (a agência de notícias humanitária da Thomson Reuters Foundation) foi tudo menos a capacidade de o país responder às necessidades da sua população. E é o próprio Governo norte-coreano quem pede ajuda.
A verdade é que "a Coreia do Norte não conseguirá alimentar a sua população num futuro próximo", constatou na segunda-feira a chefe das operações humanitárias da ONU. Valerie Amos avisou a comunidade internacional que está na hora de pôr a política de lado e estender a mão a uma população que corre o risco de não resistir à fome.
"Não julgamos as pessoas [que precisam de ajuda] com base no ambiente político em que vivem", declarou em Seul, uma semana depois de ter visitado o país especificamente para avaliar a sua situação alimentar.
Pior que na Somália
Amos foi autorizada a ver tudo o que pediu para ver. Voltou da viagem de cinco dias com vários números: o país tem um "fosso alimentar" de um milhão de toneladas entre os 5,3 milhões de toneladas pedidas nos últimos anos. As estimativas da ONU referem que mais de seis milhões de norte-coreanos necessitam urgentemente de alimentos (na Somália são quatro milhões). Mas os apelos feitos pelo Programa Alimentar Mundial foram satisfeitos em apenas 30%, com a Rússia e a União Europeia a encabeçar a lista dos principais dadores. "Vi que aonde chegava [a ajuda] fazia uma grande diferença", adiantou.
Praticamente todos os anos, desde a grande fome da década de 1990, que terá morto cerca de um milhão de pessoas (numa população de 24 milhões), surgem notícias de carências alimentares agudas. A situação parece estar a agravar-se porque em 2008 os Estados Unidos e a Coreia do Sul suspenderam a ajuda alimentar: por um lado, devido à insistência de Pyongyang no programa nuclear, por outro, por falta de controlo na distribuição dos alimentos enviados.
Em Junho, um relatório do Congresso americano acrescentava que também a China tinha parado a ajuda. Acontece que estes três países (para além do Japão) contribuíam com mais de 80% da ajuda alimentar destinada à Coreia do Norte entre 1985 e 2009. Foi a redução do seu auxílio que gerou grande parte do défice de um milhão de toneladas.
Apesar dos tufões e das inundações, este não foi um ano particularmente mau para as colheitas - correu até ligeiramente melhor do que 2010 (razão pela qual o Programa Alimentar Mundial da ONU afirmou há um mês que a situação não era assim tão grave). Mas este ano simplesmente não aumentou o "fosso alimentar" referido por Amos. O regime é incapaz de alimentar sozinho a sua população, "mesmo nas melhores condições meteorológicas", cita a AFP.
O problema tornou-se crónico porque faltam terras aráveis, abundam sementes de má qualidade e a agricultura não está suficientemente mecanizada, explicou a responsável da ONU.
Entretanto, os efeitos de duas décadas de malnutrição não param de aumentar. "No Norte [do país], uma em cada duas crianças sofre de malnutrição crónica", adiantou Amos. "Uma enfermeira disse-me que o número de crianças malnutridas no hospital dela aumentou 50% desde o ano passado".
Arroz, couves e milho
No cenário geral, um terço das crianças com menos de cinco anos sofre de malnutrição crónica. A alimentação faz-se à base de arroz, couves, milho e pouco mais; a falta de proteínas e produtos ricos em nutrientes é gritante, com consequências físicas e intelectuais. Os norte-coreanos vivem em média menos 11 anos do que os seus vizinhos do Sul.
A verdade é que "a Coreia do Norte não conseguirá alimentar a sua população num futuro próximo", constatou na segunda-feira a chefe das operações humanitárias da ONU. Valerie Amos avisou a comunidade internacional que está na hora de pôr a política de lado e estender a mão a uma população que corre o risco de não resistir à fome.
"Não julgamos as pessoas [que precisam de ajuda] com base no ambiente político em que vivem", declarou em Seul, uma semana depois de ter visitado o país especificamente para avaliar a sua situação alimentar.
Pior que na Somália
Amos foi autorizada a ver tudo o que pediu para ver. Voltou da viagem de cinco dias com vários números: o país tem um "fosso alimentar" de um milhão de toneladas entre os 5,3 milhões de toneladas pedidas nos últimos anos. As estimativas da ONU referem que mais de seis milhões de norte-coreanos necessitam urgentemente de alimentos (na Somália são quatro milhões). Mas os apelos feitos pelo Programa Alimentar Mundial foram satisfeitos em apenas 30%, com a Rússia e a União Europeia a encabeçar a lista dos principais dadores. "Vi que aonde chegava [a ajuda] fazia uma grande diferença", adiantou.
Praticamente todos os anos, desde a grande fome da década de 1990, que terá morto cerca de um milhão de pessoas (numa população de 24 milhões), surgem notícias de carências alimentares agudas. A situação parece estar a agravar-se porque em 2008 os Estados Unidos e a Coreia do Sul suspenderam a ajuda alimentar: por um lado, devido à insistência de Pyongyang no programa nuclear, por outro, por falta de controlo na distribuição dos alimentos enviados.
Em Junho, um relatório do Congresso americano acrescentava que também a China tinha parado a ajuda. Acontece que estes três países (para além do Japão) contribuíam com mais de 80% da ajuda alimentar destinada à Coreia do Norte entre 1985 e 2009. Foi a redução do seu auxílio que gerou grande parte do défice de um milhão de toneladas.
Apesar dos tufões e das inundações, este não foi um ano particularmente mau para as colheitas - correu até ligeiramente melhor do que 2010 (razão pela qual o Programa Alimentar Mundial da ONU afirmou há um mês que a situação não era assim tão grave). Mas este ano simplesmente não aumentou o "fosso alimentar" referido por Amos. O regime é incapaz de alimentar sozinho a sua população, "mesmo nas melhores condições meteorológicas", cita a AFP.
O problema tornou-se crónico porque faltam terras aráveis, abundam sementes de má qualidade e a agricultura não está suficientemente mecanizada, explicou a responsável da ONU.
Entretanto, os efeitos de duas décadas de malnutrição não param de aumentar. "No Norte [do país], uma em cada duas crianças sofre de malnutrição crónica", adiantou Amos. "Uma enfermeira disse-me que o número de crianças malnutridas no hospital dela aumentou 50% desde o ano passado".
Arroz, couves e milho
No cenário geral, um terço das crianças com menos de cinco anos sofre de malnutrição crónica. A alimentação faz-se à base de arroz, couves, milho e pouco mais; a falta de proteínas e produtos ricos em nutrientes é gritante, com consequências físicas e intelectuais. Os norte-coreanos vivem em média menos 11 anos do que os seus vizinhos do Sul.
"Cada vez mais crianças vão para o hospital com doenças de pele ou outras relacionadas com malnutrição, e agora que o Inverno se aproxima as doenças respiratórias vão tornar-se mais frequentes", continua Amos. Muitas vezes não é no hospital que o problema é resolvido. Faltam medicamentos, meios "e os equipamentos estão completamente obsoletos".Alguns especialistas sustentam que o país sobreviveria melhor às intempéries se adoptasse mais políticas de mercado. Algumas trocas comerciais começaram a ser autorizadas, ou pelo menos toleradas, e várias famílias dependem agora das hortas cultivadas nos seus quintais e mesmo nas varandas, como testemunhou a AlertNet.
O regime tem seguido a orientação de "o Exército primeiro" e alguns críticos da ajuda alimentar acusam as autoridades de desviar o auxílio para os quartéis, ou armazená-lo para enfrentar o endurecimento das sanções, diz a Reuters. Mas, mesmo assim, a fome também chegou aos soldados. As fardas começam a ser mais pequenas, ou ficam largas; a altura mínima para ingressar na carreira militar teve de ser reduzida em dois centímetros.
O regime tem seguido a orientação de "o Exército primeiro" e alguns críticos da ajuda alimentar acusam as autoridades de desviar o auxílio para os quartéis, ou armazená-lo para enfrentar o endurecimento das sanções, diz a Reuters. Mas, mesmo assim, a fome também chegou aos soldados. As fardas começam a ser mais pequenas, ou ficam largas; a altura mínima para ingressar na carreira militar teve de ser reduzida em dois centímetros.