Mutilação genital feminina: a dignidade cortada
por A-24, em 24.02.13
Devido à fraca qualidade do autor do costume, a gerência de "A Tempo e a Desmodo" abriu uma nova secção: "os convidados". A convidada desta semana é Mónica Ferro, professora universitária e deputada do PSD.
Às vezes não é preciso martelar os números para que eles falem: entre 100 e 140 milhões de meninas, raparigas e mulheres são todos os anos vítimas silenciadas de Mutilação Genital Feminina (MGF). São vítimas de procedimentos que envolvem a remoção parcial ou total dos genitais femininos externos ou que provocam lesões nos genitais femininos por razões não médicas. Não há qualquer razão religiosa, cultural, de saúde ou de outra índole que justifique uma intervenção deste tipo, uma intervenção que rouba dignidade às meninas e mulheres, que lhes provoca um sofrimento inenarrável, provoca problemas de saúde, de fertilidade, complicações por altura do parto, lhes reforça a vulnerabilidade ao VIH/SIDA, rouba o prazer sexual, quando não provoca mesmo a morte.
A MGF é uma forma de violência de género. Se homens e mulheres sofrem violências diferentes, esta é uma forma de violência específica contra meninas, raparigas e mulheres. Uma discriminação e forma de submissão aos padrões de poder masculino mesmo quando perpetrada por mulheres, pois estas são apenas as mãos e o veículo de perpetuação de uma prática. O mito mentiroso de que se trata de uma escolha das mulheres, que reproduziriam assim nas suas filhas os rituais a que elas próprias foram submetidas, cai por terra na palavra escolha. Não há escolha: estas mulheres não sabem que há escolha. Não sabem que podem não ser mutiladas, que há mulheres não são cortadas ou como algumas preferem dizer "circuncidadas". Além de que há quem ainda considere que certos lugares, práticas e ocasiões estão vedadas a mulheres que não sejam puras, advogando a MGF como o ato de purificação. E o ciclo mentiroso fecha-se sobre elas.
Também não há uma causa religiosa para a MGF, pois há relatos da prática em períodos anteriores ao Judaísmo, Cristianismo e Islão; assim como não há qualquer referência à sua obrigatoriedade em qualquer um dos textos religiosos fundadores. Nem por acaso, no dia 6 de Fevereiro, a Guiné Bissau deu um passo de gigante para a erradicação desta prática nefasta quando 200 líderes islâmicos guineenses pronunciaram, no parlamento nacional, uma fatwa proibindo esta prática que vitima mais de 50% das raparigas e mulheres do país.
A retórica de uma certa excecionalidade cultural, por certo por pura ignorância acerca dos resultados do crime, recorda-me sempre uma indignação de Mary Robinson que dizia que era no mínimo estranho que o argumento da exceção cultural surgisse sempre na boca dos perpetradores e nunca das suas vítimas.
Todas as mulheres em todas as latitudes, de todas as classes e origens têm direito ao mesmo nível de proteção e de realização de todos os seus direitos humanos. Têm direito à dignidade sem ser cortada.
Mónica Ferro, professora universitária e deputada do PSD.