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A-24

Inconstitucionalíssima mente

por A-24, em 14.05.13

Janeiro de 2007: «O constitucionalista Jorge Miranda defendeu que, se o 'sim' vencer no referendo de 11 de Fevereiro, uma futura lei permitindo o aborto a pedido da mulher até às dez semanas violará a Constituição da República.»

Setembro de 2007: «Jorge Miranda considera que Simplex é inconstitucional ao prejudicar os notários.»

Outubro de 2007: «Um parecer de Jorge Miranda confirma as inconstitucionalidades do novo Estatuto do Jornalista.»

Novembro de 2008: «O constitucionalista Jorge Miranda critica a deliberação da Assembleia Regional da Madeira de suspender o mandato do deputado do Partido da Nova Democracia, José Manuel Coelho, por ser 'ilegal' e 'inconstitucional'.»

Março de 2010: «O constitucionalista Jorge Miranda reiterou que o casamento entre pessoas do mesmo sexo é inconstitucional.»

Março de 2010: «O constitucionalista Jorge Miranda não tem dúvidas sobre a inconstitucionalidade da norma aprovada pelos congressistas do PSD, que limita a liberdade de expressão dos militantes.»

Julho de 2010: «O constitucionalista Jorge Miranda considera que a exclusão da expressão ‘justa causa’ nos despedimentos ameaça os limites materiais da Constituição.»

Dezembro de 2010: «O constitucionalista Jorge Miranda considerou "manifestamente inconstitucional" a decisão do Governo Regional dos Açores em compensar os funcionários públicos dos cortes salariais, argumentando que viola os princípios constitucionais "fundamentais" da igualdade e solidariedade.»

Outubro de 2011: «O constitucionalista Jorge Miranda questiona como é que foi possível o memorando de entendimento com a 'troika', que, na sua visão, desrespeita a Constituição.»

Dezembro de 2011: «Jorge Miranda diz que, se o aumento das taxas moderadoras na saúde for superior à inflação, é inconstitucional.»

Dezembro de 2011: «O constitucionalista Jorge Miranda mostra-se preocupado com a proposta do Governo para a instalação de câmaras de videovigilância, alertando que pode ser inconstitucional.»

Abril de 2012: «O constitucionalista Jorge Miranda defende que os cursos da Faculdade de Economia da Universidade Nova de Lisboa leccionados em inglês são inconstitucionais.»

Junho de 2012: «Jorge Miranda aponta inconstitucionalidade na reforma de freguesias sem consulta ao município de Loures. O constitucionalista defende que a criação da freguesia do Parque das Nações, em Lisboa, com território de Loures, prevista na reforma administrativa de freguesias, viola a Constituição por não ter existido consulta ao município de Loures nem às freguesias de Moscavide e de Sacavém.»

Julho de 2012: «"Gostava que a extinção do Dia da Restauração fosse considerada inconstitucional. Porque tem uma relação directa com a independência nacional, que é um limite material da Constituição", afirmou Jorge Miranda.»

Agosto de 2012: «O pai da Constituição diz que a concessão da RTP a privados é inconstitucional.»

Outubro de 2012: «O constitucionalista Jorge Miranda defendeu que a redução dos escalões do IRS, prevista no Orçamento de Estado para 2013, viola a Constituição.»

Novembro de 2012: «O constitucionalista Jorge Miranda considera "manifestamente inconstitucional" a possibilidade de taxar o acesso ao ensino secundário.»

Maio de 2013: «Diminuição retroactiva de pensões é manifestamente inconstitucional», diz Jorge Miranda.

Questiono-me: será que para Jorge Miranda tudo é inconstitucional - do aborto aos cursos da Faculdade de Economia da Universidade Nova, do casamento homossexual à junta de freguesia do Parque das Nações?
Será que, no limite, até os doutos palpites do eminente constitucionalista poderão estar feridos de inconstitucionalidade?
Não terão sido "manifestamente inconstitucionais" as revisões que expurgaram da nossa Magna Carta princípios tão inspiradores, como os do artigo 1º original, que apontava para a construção em Portugal de uma"sociedade sem classes" ou os do artigo 10º concebido pela Assembleia Constituinte, segundo o qual "o desenvolvimento do processo revolucionário impõe, no plano económico, a apropriação colectiva dos principais meios de produção"?

Arrepio-me de indecisão: será que eu próprio, ao escrever estas linhas, estarei a ultrapassar alguma norma contida na nossa lei fundamental, incorrendo em flagrante, manifesta e imperdoável inconstitucionalidade?

Delito de Opinião by Pedro Correia, Texto reeditado, com actualização