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A-24

Imagine Lisboa só com hotéis

por A-24, em 24.11.14
Lucy Pepper

Imagine o que será Lisboa daqui a 15 anos.
Na Baixa inteira, não haverá mais do que hotéis e apartamentos de luxo. Lojas e restaurantes de cadeias grandes e franchisings de comida de plástico irão, a pouco e pouco, substituir as lojas que agora gozam de rendas controladas no rés-do-chão. O néon será a nova cor. Alfama, Castelo, Intendente, Santa Catarina e Bairro Alto vão estar cheios de “hostels” e apartamentos, enquanto os residentes actuais morrem ou mudam-se, e os prédios abandonados serão dados a novas vidas turísticas.
As ruas e as passadeiras no centro da cidade, hoje horrivelmente estragadas, serão reconstruídas e as obras à volta do Carmo acabadas (após a “Grande Subida” da Taxa Turística em 2019, a €20 a noitada). Com o novo clima sub-tropical, a Baixa sofrerá inundações 4 ou 5 vezes por ano, mas o dilúvio urbano será “rebranded” como “um fenómeno fabuloso”, para atrair ainda mais turistas. A menos, claro está, que um investidor chinês tenha comprado a rede de esgotos à câmara municipal e descubra que, de facto, existe uma coisa chamada “limpar os esgotos”.

As linhas abandonadas do eléctrico — que, misteriosamente, ninguém removeu em 30 anos — serão reutilizados para um novo sistema de eléctricos turísticos, mascarados como eléctricos antigos, mas sem tectos e com Wifi e guias áudio. Hão de ser conduzidos por robôs vestidos de condutores dos anos 1930, e terão prioridade absoluta na estrada.
Se os Vistos Gold não tiverem sido proibidos nessa altura (por causa das inevitáveis “irregularidades alegadas” … ó, isso não era previsível, pois não?), a Avenida da Liberdade terá ainda mais lojas de luxo  e residentes extremamente ricos, e será reclassificada só para peões, menos as duas ruas de cada lado, que serão para o uso exclusivo dos carros exclusivos dos residentes exclusivos. Uma grande loja com vários departamentos, tipo “Harrods”, ocupará um palácio antigo no Restauradores, para atrair turistas que miram nas montras coisas que não podem comprar.
Um teleférico ligará o Castelo de S. Jorge à colina do Carmo, e o Elevador de Santa Justa há-de parecer pequeno e triste por comparação com a torre deslumbrante que surgirá de dentro do centro de visitantes  da “Experiência 1974”, construído dentro da sede da GNR no Largo do Carmo.
O centro da cidade tornar-se-á cada vez mais uma máquina de imprimir dinheiro. Haverá mais uns milhares de empregos nas indústrias de restauração e hotelaria e turismo, e os sortudos proprietários de imobiliário do centro da cidade ficarão ricos sem terem de se mexer.
E depois, um dia, todos vão descobrir que afinal esta explosão de turismo é apenas uma moda passageira, um “boom” ocasional, e haverá um “bust”.

Lisboa não é Paris, Roma, Londres, Madrid, Tóquio nem Nova Iorque. Essas capitais, muito maiores, têm outras vidas para viverem além do turismo. Se os turistas deixassem de as visitar amanhã, notariam a diferença, mas continuariam a viver e a prosperar.

No entanto, Lisboa parece estar a dirigir todas as suas energias só para turismo. O problema é que Lisboa é capaz de se matar nesse processo. É que a cidade não tem o tamanho suficiente. Se todos se concentrarem demasiado nos turistas durante demasiado tempo, ao fim restará pouca outra vida em Lisboa. E quando os turistas deixarem de a visitar em números vastos, Lisboa enfrentará mais uma crise. O centro da cidade ter-se-á tornado uma casca vazia, sem alma, com os pastéis de nata no lugar do “tumbleweed” que rolava nas ruas das cidades abandonadas dos Westerns. Toda a vida genuína terá sido empurrada outra vez para os subúrbios, depois de ter começado a voltar recentemente ao centro.
Muito dependerá dos homens com dinheiro. Terão eles a imaginação suficiente para não tornarem o próximo prédio abandonado em mais um hotel? Perguntar-se-ão eles se não seria uma boa ideia oferecer tal prédio a gente com ainda mais imaginação de que eles, para fazerem coisas maravilhosas e coisas importantes, de modo a que a cidade adquira algo mais importante do que mais um hotel de luxo para visitantes chineses ou mais uma cadeia de hamburguerias ou mais um café dedicado aos pastéis de nata — algo que possa alimentar a gente e a alma de Lisboa? Talvez até servisse para sustentar a indústria de turismo durante muito mais tempo. Nunca se sabe.