Holanda: Os imigrantes integrados nas redes turcas
por A-24, em 28.05.13
No final de abril, surgiram notícias sobre um escândalo envolvendo búlgaros que reivindicavam apoios sociais holandeses, apesar de não viverem na Holanda. Mas serão esses emigrantes pobres apenas vítimas de grupos criminosos turcos organizados, residentes na Holanda?
Mitko Dimitrov Iliev pediu o seu primeiro passaporte aos 50 anos. É um homem pequeno com dentes tortos e um ar tímido. A sua casa em Ivanski, uma aldeia no nordeste da Bulgária, está em mau estado, mas é espaçosa. A estante alberga pouco mais do que um acordeão. Utilizou-o no ano passado para tentar ganhar algum dinheiro, tocando na cidade holandesa de Groningen.
Foi aí abordado por um grupo de turcos, quando tocava na rua. Ofereceram-se para o ajudar a inscrever-se junto das autoridades municipais. “Um dos turcos fazia a tradução, por isso não percebia nada do que diziam entre eles.” O turco em questão prometeu-lhe um novo telemóvel e disse: “Vamos lá dar início a um negócio.” Fez Mitko, que é analfabeto, assinar uma resma de documentos. Mitko afasta o polegar do indicador uns 15 centímetros. Era a espessura da resma.
Pedidos de subsídios fraudulentos
Os turcos desempenham um papel preponderante na organização de pedidos de subsídios fraudulentos na Holanda, operando a partir do país, mas também da Alemanha, Bélgica e Bulgária. Para não falar da exploração de búlgaros analfabetos. A Bulgária tem uma grande comunidade de língua turca. É composta por pessoas de etnia turca e cigana, que começaram a considerar-se turcos depois de 1989. O facto de comungarem da mesma língua e religião permitiu-lhes criar facilmente amizades nas grandes comunidades turcas da Europa Ocidental.
Mitko recebeu €200, mas nunca viu o rasto do prometido telemóvel. Contudo, algumas semanas mais tarde, o seu telemóvel antigo começou a tocar sem parar. Era invariavelmente um holandês, que ele não conseguia entender. Ao fim de algum tempo, percebeu que devia ser um funcionário do banco. Mitko acha que era do banco holandês que tem um leão cor de laranja no logótipo, porque viu o símbolo num cartão multibanco.
O banco continuou a ligar. Mitko começou então a desconfiar de que tinha um negócio e dívidas consideráveis na Holanda. Era uma coisa que já tinha acontecido a várias pessoas suas conhecidas. Não faz ideia dos montantes envolvidos, visto que o único pedaço de papel que tem consigo é o comprovativo da sua inscrição nos serviços municipais. Há poucos dias, Mitko resolveu desligar o telefone e meter-se num minibus de regresso à Bulgária. “Estou com medo que me venham penhorar a casa ou prender-me por um delito que não cometi.”
Saídas constantes de minibus da Bulgária
Ivanski é apenas uma de muitas aldeias búlgaras de onde partem constantemente minibus para a Holanda. Num levantamento de apenas uma noite na capital do distrito, Shumen, obtivemos uma lista de sete locais de partida, num raio de 30 quilómetros. Na maioria dessas aldeias, há um ou dois homens que asseguram os contactos e organizam o transporte.
“A invasão dos sistemas sociais do Ocidente por minorias búlgaras, ciganos e turcos, está já lamentavelmente institucionalizada e profissionalizada”, diz Krastyo Petkov, professor de Sociologia da Universidade de Economia Nacional e Internacional de Sófia. O professor Petkov especializou-se em migração económica para a União Europeia e tem realizado trabalho de campo na Bélgica.
Segundo ele, redes informais com laços familiares no sentido mais amplo do termo têm vindo a tornar-se mais estáveis e cada vez mais subtis com o passar dos anos. Um delegado do Ministério Público búlgaro envolvido no caso holandês, põe a questão da seguinte forma: “Surpreende-me que ainda não tenhamos recebido nenhuma queixa da Alemanha. A Finlândia deportou três aviões apinhados de gente há cerca de um ano. Deram-lhes presentes e um aviso sério para não voltarem.” Sorri. “As pessoas que viajam para as nações mais ricas da Europa agem desta maneira. Quando pretendem realmente trabalhar, vão para Espanha ou Grécia.”
As redes desenvolvem-se em três níveis. Os “peões”, que são responsáveis por recrutar pessoas na Bulgária, têm geralmente alguns estudos e falam melhor línguas do que o cidadão médio. Estabelecem contacto com as pessoas encarregues de organizar alojamento e registos no país de destino. Acima deles, há os “chefões”, pessoas que garantem proteção. Sabem como resolver problemas com a polícia e a lei, e têm os contactos certos para serem bem sucedidos.
Turismo social
O professor Petkov baseia parcialmente as suas conclusões em entrevistas realizadas com ciganos em Bruxelas. “A Bélgica está a braços com o mesmo problema de ‘turismo social’ da Holanda”, defende. Uma das razões para uma grande parte dos ciganos da Bulgária ter optado, nas últimas duas décadas, por converter-se ao Islão e falar turco é isso dar-lhes maior acesso às comunidades turcas. “Essas comunidades ajudam-nos a arranjar residência, mas não a integrá-los.”
Na prática, a primeira e a segunda geração de turcos tornam-se patrões e empregadores dos búlgaros recém-chegados. As mesmas redes que organizam o “turismo social” estão também muitas vezes envolvidas em prostituição e tráfico de seres humanos para trabalhos ilegais mal pagos, através de subcontratantes no setor agrícola. “Exploram-nos.”
Gancho e Veneta Todorov, de Salmanovo, uma aldeia com 900 pessoas e seis orquestras, regressaram de Zwolle há poucas semanas. Veneta vende jornais de rua em frente ao supermercado Jumbo, e Gancho no Aldi. Têm tulipas no jardim em frente da sua vivenda, e servem amendoins de uma filial holandesa da cadeia Aldi, sentados à sombra das parreiras.
Quando vão trabalhar para a Holanda, os seus três filhos ficam ali com os avós. Alugam um quarto a uma africana, em Zwolle, por €5 a noite. “Os espaços apertados põem-me doido”, lastima-se Gancho. Está evidentemente feliz por voltar ao seu jardim, que alberga também um grande galinheiro. O facto de os búlgaros necessitarem de um visto de trabalho na Holanda e na Bélgica torna-os particularmente vulneráveis. “Os turcos prometem pão, mas só nos dão migalhas. São mentirosos, mas, se alguém reclama, ameaçam denunciá-lo à polícia.”
Os Todorov estão ansiosos pelo próximo ano, quando os búlgaros vão deixar de precisar de autorizações de trabalho. “Vou, finalmente, poder aceitar os empregos que me têm sido oferecidos”, diz Gancho. “Por exemplo, nos correios, no setor agrícola ou num matadouro de aves. Hoje, somos pouco mais que mendigos.”
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