Flandres-Valência, o novo destino da Ford
por A-24, em 28.10.12
O encerramento da fábrica em Genk anunciado pela construtora americana choca a Bélgica. Mas em Espanha, para onde a produção vai ser transferida, regozijam-se da diferença de competitividade entre os dois países.
A fábrica da Ford em Genk fechará em 2014. O anúncio feito a 24 de outubro provocou uma vaga de indignação na imprensa flamenga [no dia 25, a Ford anunciou também o encerramento de duas fábricas e a supressão de 1400 empregos em Inglaterra]. Uma vez que são mais de dez mil empregos, incluindo a própria fábrica e os seus subcontratantes, que se encontram ameaçados. No Gazet van Antwerpen, Paul Geudens crítica a falta de humanidade revelada pela construtora automóvel americana:
Grosseira. Insensível. Cínica. Cobarde. Rude. Não podemos utilizar outras palavras para qualificar a atitude da direção europeia da Ford. Esta nem sequer teve a coragem de se deslocar para declarar a sentença de morte. É um insulto sem precedentes.
O editorialista, que relembra que, no mês anterior, a direção tinha assinado um contrato para a fabricação de três novos modelos, incentiva os sindicatos e os governos belgas a
iniciar um processo jurídico, […] uma rutura de promessa não deve permanecer impune. […] As dezenas de milhões de euros em subsídios que a Ford recebeu indevidamente deveriam ser reembolsados. Seriam muito mais úteis aqui [na Bélgica] para a reconversão do que nas fábricas na Espanha ou na Alemanha.
No Standaard, o chefe de redação Bart Sturtewagen admite que a forma como a Ford está a agir é “repugnante”, mas apela aos belgas que “arregacem as mangas” e parem de procurar culpados:
Valerá a pena desperdiçar esta crise com debates estéreis que não salvarão nem criarão qualquer emprego? Gastamos constantemente energias a dividir as pessoas: empregadores contra empregados, banqueiros contra contribuintes, esquerda contra direita. […] Flamengos contra Valões. […] Por que não utilizar um décimo desta energia na busca de medidas e escolhas políticas mais prometedoras e que terão mais efeito na nossa competitividade?
A 1500 quilómetros do local, o ABC utiliza a mesma fotografia que o Gazet van Antwerpen na primeira página, mas com um tom completamente diferente: “Ford deixa a Bélgica atraída pela competitividade da Espanha”. Na medida em que a produção da fábrica em Genk será transferida para Almusafes, na região de Valência:
A reestruturação mundial desenhada pela Ford reforça os interesses da indústria automóvel espanhola […]. Pela primeira vez depois de vários meses, a Europa do Sul impõe-se perante a do Norte numa decisão de grande importância industrial.
A decisão da construtora americana resulta na perda de dez mil empregos na Bélgica, mas garante a continuidade de 15 mil outros em Espanha, adianta o ABC:
As lágrimas dos trabalhadores de Genk contrastavam ontem com o alívio na fábrica de Almusafes. […] As tensões nacionalistas que abalam a Bélgica estão relacionadas com o encerramento da fábrica de Genk, cujos modelos passarão a ser produzidos com custos inferiores em Valência. […] Num período de ajustamentos e de encerramentos, a Espanha consolida a sua posição de segunda construtora europeia após a Alemanha, no setor que representa 10% do PIB e emprega mais de 300 mil trabalhadores.
Face a esta reviravolta, La Libre Belgique recorda os encerramentos das fábricas da Renault em Vilvorde, em 1997, e da Opel (General Motors) em Antuérpia, em 2010, e interroga-se: “Haverá um mal belga?”:
O encerramento da fábrica Ford em Genk deve-se aos elevados custos salariais na Bélgica (€40,60 à hora), […] que detinha em 2011 o recorde da União Europeia em matéria de custo salarial por hora, sendo duas vezes mais elevado do que na Espanha (€22).
No entanto, Peter Van Houte, economista responsável pela ING, quando interrogado pelo diário belga, constata que “ignorar este problema de custo na Bélgica seria uma falta de discernimento. […] Mas focar-se neste custo também seria um erro”. As questões “relacionadas com a dimensão do país, outras com decisões políticas ou perspetivas estratégicas” podem explicar um clima pouco apreciado pelas multinacionais. O último relatório de competitividade do Banco Mundial confirma-o, colocando
a Bélgica em 20º lugar em 2008 e em 33º lugar em 2012. Contudo, neste mesmo espaço de tempo, outros países europeus progrediram. Como é o caso da Espanha, que saltou do 62º lugar para o 44º.