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A-24

Deixarei a minha filha estudar humanidades?

por A-24, em 22.03.14
Henrique Raposo

Há dias, Obama apontou o dedo para um pequeno tabu: um operário especializado ganha mais dinheiro do que um licenciado em história de arte; aquele técnico com formação profissional tem uma vida mais cómoda do que uma pessoa com formação superior em letras. Após a polémica presidencial, o debate prosseguiu na sociedade americana. Nós devíamos fazer o mesmo. Nós temos o dever de falar sobre este assunto sem tiques de prima dona. Deixarei a minha filha estudar letras? Deixarei a minha filha ingressar nas humanidades depois de saber o que aconteceu à minha geração?

Eu sou de letras, mas sei que Obama está a laborar num ponto importante: nós, ocidentais, estamos a perder a corrida das engenharias e das matemáticas. A matemática exige uma disciplina que os pais ocidentais já não sabem impor às crianças. Se nós achamos que os meninos não devem memorizar a tabuada até ao 10, que crueldade, meu deus, os pais indianos exigem às suas crianças uma agilidade mental até ao 19x9. Não por acaso, o medo da matemática é aquilo que empurra muita gente para os cursos de letras nos campus ocidentais. Nas ciências duras, as leis da gravidade são imutáveis e imunes ao nosso parlapiê. Nas humanidades, sobretudo nas humanidades pós-modernas, nós podemos fazer a nossa própria lei da gravidade, não é verdade? Além da óbvia fuga à matemática, o discurso de Obama apontou o dedo a outro erro que, aparentemente, os EUA partilham com Portugal: a menorização ou mesmo diabolização do ensino profissional.

Quer isto dizer que não deixarei a minha filha estudar letras? Não. Nós não podemos cair no extremo oposto, não podemos cair na visão utilitária, não podemos matar vocações. Contudo, a minha filha será confrontada com três alíneas que nunca entraram no contrato da minha geração, a saber: "(1) só vais para letras se essa for a tua vocação, não aceito escolhas baseadas na fuga à matemática; ir para letras para fugir à raiz quadrada não é vocação ou busca do sonho, é preguiça, uma preguiça que marcou milhares e milhares da minha geração, não vais repetir o erro. (2) Vais continuar a estudar matemática mesmo depois de entrares no agrupamento de humanidades; não podes perder a agilidade com os números. Quando acabares o curso superior em letras, o mundo pode fazer gazeta aos teus sonhos e, nessa altura, tens de estar preparada para mudar de caminho sem dramas; nessa mudança de caminho a matemática é fundamental. (3) Fica já a saber que o caminho das Letras é mais difícil do que os outros caminhos, é uma vida mais instável e pobre do que vidinha de alguém que segue economias, engenheiras, direitos, aliás, é mais instável do que o caminho do técnico profissional. Se escolheres letras, será um acto de coragem. O pai ficará orgulhoso, mas será mesmo coragem e não a inconsciência que marcou boa parte da minha geração. Se aceitas os termos do contrato, assina aqui em baixo".