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A-24

De Salazar a Soares

por A-24, em 12.02.13

Ricardo Arroja

Nos últimos anos, pouco a pouco, com o distanciamento histórico que só o tempo permite, têm surgido na literatura portuguesa diversas obras que, não obfuscando a natureza ditatorial do Estado Novo, vão fazendo justiça à História Portuguesa do século XX, que o 25 de Abril, apesar dos seus inegáveis méritos, contribuiu para distorcer. Neste sentido, o novo livro de Henrique Raposo, “História Politicamente Incorrecta do Portugal Contemporâneo”, inserido na colecção ‘Politicamente Incorrecta’ da editora Guerra e Paz, é um valioso contributo.
O livro, que está dividido em cinco ensaios (1. Salazar não era uma criatura da Igreja; 2. Portugal não precisou de Mário Soares para entrar na Europa; 3. Os portugueses ficaram mais ricos durante o Estado Novo; 4. A esquerda também era colonialista; 5. Álvaro Cunhal venceu), dá particular destaque à segunda metade do Estado Novo, e aos primeiros avanços na área social que se tornaram possíveis de financiar a partir do extraordinário crescimento económico registado entre 1950 e 1973. Mas é na análise política, nomeadamente na evolução política do PS de Soares, e da esquerda portuguesa em geral em relação ao colonialismo e à Europa, que na minha opinião a obra mais se centra. Basicamente, há duas ideias centrais no pensamento politicamente incorrecto de Raposo, designadamente, que na antecâmara da revolução de Abril, na década de 60, a esquerda oposicionista a) não era hostil ao colonialismo (defendia apenas um colonialismo diferente, uma confederação por oposição ao modelo centralizador de Salazar), e; b) também não era especialmente favorável à integração europeia, vendo a CEE como um agrupamento de interesses “neo-capitalistas” (página 107). Isto é, o contrário do que prespassa na ideologia que veio a tornar-se dominante.
Há ainda outros temas no livro que desafiam o pensamento dominante, em especial a crítica à opinião publicada do pré e pós-revolução de Abril que, influenciada pela ditadura cultural de Cunhal, nas palavras de Sophia (implicitamente subscritas pelo autor, na página 120), se assumia como “um novo fascismo em nome do antifascismo”. Ou ainda o real motivo pelo qual se fez o 25 de Abril: para acabar com a guerra que, tendo mobilizado 800 mil portugueses em treze anos, havia produzido 6.000 baixas - um número que, em função da população portuguesa, representava um número de mortos relativamente superior às baixas norte-americanas no Vietname -, e não especificamente para instituir a democracia. Escreve Henrique Raposo (na página 56), “em 1973, uma grande sondagem fez aos portugueses a seguinte pergunta: qual é o objectivo político mais importante? Cinquenta e três por cento responderam ‘que haja paz’ e apenas 3,7% escolheu a opção ‘que exista democracia’. Enfim, comprem e leiam o livro. Vale muito a pena.