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A-24

Da politiquice Nacional

por A-24, em 29.09.14
In Blasfémias

"Em política ninguém governa sozinho. O percurso de um líder, desde a conquista do poder no seu grupo, até ao poder do estado, é sempre feito a dois, com um “braço direito” que o completa e que é, muitas vezes e em inúmeros assuntos, mais importante do que ele. Frequentemente, quando a parelha se desfaz, o líder passa a fraquejar e quase sempre revela as suas fragilidades e insuficiências. Querem exemplos? Freitas do Amaral e Amaro da Costa (o primeiro nunca se recompôs da morte do segundo), Cavaco Silva e Fernando Nogueira (Eurico de Melo, primeiro), António Guterres e Jorge Coelho, Paulo Portas e Luís Nobre Guedes (António Pires de Lima, depois), Durão Barroso e José Luís Arnaut, Mário Soares e Salgado Zenha (Almeida Santos, mais tarde), José Sócrates e Silva Pereira, Passos Coelho e Miguel Relvas. O número dois, para além do que foi já dito, tem uma outra enorme utilidade: permite compreender quem é verdadeiramente, o que pensa e como age o líder. Em relação a António Costa, antes de qualquer outra questão de relevo, é esta que importa esclarecer: quem será o seu braço direito no PS. Só isso nos permitirá compreender se ele é, ou não, refém do passado. E, curiosamente, Costa não tem ainda um número dois à vista…"


"António Costa parece ter ganho ontem eleições no país e não apenas no PS. A natureza do processo eleitoral escolhido para a escolha do líder socialista, a diferença substancial das votações entre os candidatos e a comunicação social fizeram destas eleições internas uma espécie de primeira volta das legislativas do próximo ano. O élan ontem ganho por Costa dificilmente será quebrado até às eleições, e tenderá mesmo a crescer em termos nacionais. A esperança sempre foi a principal força motriz das mudanças políticas, e Costa, que nada prometeu e nada garantiu, continuará a dizer apenas que fará melhor do que o governo PSD/PS. O fundamento é simples e há muito que tem vindo a ser difundido na opinião pública, até por gente do PSD: não era necessário ter ido tão longe nas políticas de austeridade, e o caminho seguido pelo governo deveu-se apenas à sua cegueira ideológica liberal e não às exigências dos credores e do memorando assinado com a troika.
Pelas hostes do governo, a imagem de Pedro Passos Coelho passou a ser, de há duas semanas para cá, a principal preocupação. Provavelmente continuará a sê-lo por muito tempo, o que fará vir ao de cima as clivagens no PSD, reprimidas nos últimos anos pelas exigências da governação e pela distância das eleições. O CDS fará também questão de se afastar o que for possível do governo em que esteve nestes três anos, sendo que Paulo Portas deu já o mote para o motim: a necessidade de baixar impostos no próximo orçamento, o que o PSD dificilmente, por razões objectivas, poderá aceitar. Passos será apresentado como um líder teimoso, que não escutou o parceiro de coligação nas decisões que mais afectaram os portugueses, única esperança para o CDS poder manter o seu eleitorado.
Neste panorama, o PSD de Pedro Passos Coelho irá fragilizado às legislativas, sendo natural que o seu baronato, para quem o instinto de sobrevivência fala sempre mais alto do que qualquer outro sentimento, procure soluções que lhe permitam manter-se na orla do poder. Nesse contexto, o nome de Rui Rio surgirá como inevitável, sendo que o próprio deu já inúmeros sinais de que, desta vez, poderá não enjeitar responsabilidades. Se o posicionamento eleitoral do PSD for o de avivar os fantasmas socialistas e socráticos do passado, a derrota arrisca-se a ser grande: a política não vive de memórias do que já foi, mas de esperança quanto ao que poderá vir a ser. O PSD terá de falar sobre o futuro, missão que, pela natureza das coisas, não lhe será fácil.
Assim, muito dificilmente deixaremos de ter, no segundo semestre de 2015, um governo liderado pelo PS. A emergência das finanças públicas e uma vitória relativa poderão impor um governo de coligação com o principal adversário, desde que este recomponha a sua liderança.
Quanto ao hoje incensado António Costa, só quando for chefe do governo os portugueses perceberão o que já tiveram oportunidade para perceber inúmeras vezes: que não existem homens providenciais, nem milagres. Perceberão, também, qual é a realidade do seu país. Mas, nessa altura, já de pouco lhes valerá."


Não estou certo que as primárias tenham vindo para ficar. Não acho a participação eleitoral assim tão extraordinária. E duvido que seja fácil voltar a unir o PS. Sem certezas, mas a contracorrente

1. Parece haver um consenso entre os comentadores e, também, entre os políticos do PS que se pronunciaram na noite das primárias: a de que este método de escolher o candidato a primeiro-ministro veio para ficar. É uma unanimidade quase igual à que existiu quando António José Seguro decidiu convocar estas primárias: a única diferença é que antes todos as criticaram e agora todos as aplaudem. A mim, que nunca me pareceu um mau método, também não me surge como mezinha para todos os males do nosso sistema partidário.
As razões porque não tenho a certeza que este método se generalize é que as condições destas primárias não são repetíveis. Far-se-ão primárias para “candidato a primeiro-ministro” no início de um ciclo eleitoral, isto é, quando um partido perde as eleições e escolhe um novo líder para quatro anos? Ou deixa-se isso para um ano antes das eleições? E quanto a candidatos presidenciais? E candidatos a presidentes de câmara? Desaparecem as directas? Sujeitar-se-á um primeiro-ministro em funções a “primárias”, como se sujeita o Presidente dos Estados Unidos?
Como veem, o caminho é tudo menos claro. Para além que não convém embandeirar em arco e esquecer, por artes mágicas, o tom lamentável desta campanha, um tom que facilmente se poderia repetir em exercícios semelhantes. Quantos partidos estarão dispostos a passar por este tipo de experiência?
2. Terão votado ontem 170 a 180 mil militantes e simpatizantes do PS. Esse número provocou enorme entusiasmo. É prudente colocar alguma água na fervura. Se compararmos estas eleições primárias com as que tiveram lugar em França e Itália na mesma área política, a participação em Portugal foi uma desilusão. Para, proporcionalmente, a participação ser semelhante deveriam ter votado cerca de 600 mil portugueses – votaram bem menos de 200 mil.
Esta questão não é menor. Porque é que os socialistas portugueses, principal partido da oposição no tempo de um Governo que foi obrigado a aplicar medidas duríssimas, não conseguiram mobilizar tanto a cidadania como os seus correligionários franceses ou italianos? Será a nossa crise de participação política ainda maior do que nesses dois países – dois países onde há movimentos anti-sistema muito fortes, a Frente Nacional em França e o movimento Beppe Grillo em Itália?
E, já agora, mais uma pergunta incómoda: porque é que cerca de 30% dos que podiam votar não o fizeram, sendo que muitos se tinham inscrito apenas algumas semanas antes? Há quem tenha dito que foi uma abstenção baixa – a mim pareceu-me algo elevada se pensarmos no carácter voluntário e muito próximo do acto de inscrição como simpatizante do PS.
3. Toda a gente jurou nesta curta noite eleitoral que o PS se vai voltar a unir rapidamente. De novo, tenho dúvidas. E as minhas dúvidas foram reforçadas pelo discurso de vitória de António Costa. Se era necessária uma prova de que a campanha deixou feridas duradouras, tivemo-las nesse discurso, pois o vencedor da noite não foi capaz de citar o nome do seu adversário e tratou de contornar o incómodo dizendo que quem tinha vencido era todo o PS, que não havia derrotados. Não foi elegante nem teve grandeza.
Numa das suas últimas entrevistas antes das primárias, ao DN, este sábado, Costa antecipou que só um pequeno número de irredutíveis de Seguro manterão a acrimónia. Um Seguro que ele trata nessa mesma entrevista com desprezo e altivez, ao afirmar que não lhe devia ter dado oportunidade de se afirmar. Mais uma vez julgo que aquilo que estas palavras revelam não se resolve apenas porque um lado conseguiu mais de dois terços dos votos.
Para que o PS se unisse rapidamente teria sido necessário que António Costa tivesse ontem mostrado, no seu discurso, uma grandeza para com os vencidos que não foi capaz de mostrar. Essa é que é essa.
Numa noite de tantas certezas, deixo aqui estas dúvidas. A contracorrente.