Cartas para Moscovo
por A-24, em 27.04.14
Carlos M. Fernandes via Insurgente
Alexander Rodchenko, pintor, fotógrafo, desenhador e activista da causa bolchevique, chegou a Paris no dia 23 de Março de 1925. Ficou três meses. Viajou para montar algumas das exposições e pavilhões preparados pela União Soviética para a exposição de Artes Decorativas e Industriais Modernas. Aproveitando o embalo, tentou estabelecer contactos com a comunidade artística e na bagagem levava quase trezentas obras suas. Visitou Léger, mas com Picasso ficou-se pelas intenções. Mergulhou no Sena, viu os Dez Mandamentos de DeMille, foi ao circo, bebeu Chablis. E escreveu quase diariamente a Varvara Stepánova, amante e futura mulher.
Nas cartas, Rodchenko descreve um Ocidente decadente e compara-o com a grandeza da pátria em construção. E fala das compras que fez no dia anterior. Critica o consumismo e o capitalismo de uma sociedade tecnológica. E conta que comprou duas camisolas, uma máquina fotográfica e um tripé. Espanta-se, porque ali “todos trabalham e as coisas correm bem”, para logo redimir-se “para quê?”, “onde querem chegar?”. E vão mais duas câmaras e quinze rolos de película. Deixa-se deslumbrar pela oferta e pelos preços de Paris mas logo encontra na mulher-objecto e no bidet motivos para soltar a verve revolucionária. E troca a vestimenta operária pelo fato que comprou de manhã. Volta à carga contra o capitalismo mas é com insucesso que tenta refrear o impulso gastador (“aqui há milhões de coisas, apetece comprar tudo”) e esconder o fascínio pelo esplendor técnico que o rodeia nos dias parisienses. E compra um casaco de peles para Stepánova.
No dia 18 de Junho de 1925, depois de longas negociações com a alfândega e com as autoridades da URSS, deixa Paris, carregado com: várias máquinas fotográficas e respectivos acessórios, máquinas de filmar, roupa, muita roupa, para ele e para a mulher, perfumes, cachimbos, um gramofone e discos. Ao subir para o comboio ainda deve ter soltado mentalmente mais dois ou três impropérios contra o capitalismo. Mas a natureza humana é traidora, inimiga do proletariado e a primeira obreira da contra-revolução. Depois de Paris, o empenho de Rodchenko na invenção do homem novo nunca mais foi o mesmo.