Caos. Europa prepara-se para a saída de Chipre do euro
por A-24, em 22.03.13
Dois terços dos cipriotas querem sair do euro e reforçar os laços com a Rússia, segundo uma sondagem ontem divulgada em Nicosia. O Eurogrupo, que reuniu quarta-feira o seu grupo de trabalho sem a presença de Chipre, reconhece que a situação é caótica e que o melhor é começar desde já a preparar tudo para a saída do Chipre da moeda única. Uma das preocupações depois da casa roubada é impedir a saída em massa de capitais da ilha quando os bancos abrirem terça-feira. O presidente cipriota fala na criação de um fundo nacional de solidariedade com o capital de 5,6 mil milhões de euros exigido por Bruxelas, dos quais 2,5 mil milhões provenientes da reestruturação da banca, com a criação de um banco mau e de um banco bom para preservar os depósitos até 100 mil euros (ver caixa). Esta proposta estava a ser discutida pelo Eurogrupo à hora do fecho desta edição. Mas o presidente Anastesiades mantém a recusa total em taxar os depósitos dos cipriotas. Os russos estão furiosos com a União Europeia e Durão Barroso desculpou-se por ter sido o último a saber do espantoso resgate desenhado na madrugada de sábado pelo Eurogrupo e querem agora fazer parte de uma solução para a ilha.
INCAPACIDADE EUROPEIA É mesmo a tempestade perfeita na zona euro. E está a atingir o seu ponto mais forte exactamente numa pequena ilha e num pequeno país com um PIB de 17 mil milhões de euros, o menor da zona euro. Como sempre, são os elos mais fracos que provocam grandes catástrofes e Chipre mostra como a União Europeia e a zona euro não estão obviamente preparadas para lidar com situações de crise violentas. Não estão agora, como não estavam em 2008 quando o mundo foi abalado pela falência do Lehman Brothers. A crise financeira, das dívidas soberanas e da economia europeia, com mais de 26 milhões de desempregados e recessão na generalidade dos países, mostram à evidência que o grande projecto europeu, afinal, vai nu. E a moeda única entrou numa zona de turbulência que pode ser o princípio do fim de um projecto voluntarista iniciado nos anos 90 precipitado pela unificação alemã.
SÁBADO FATÍDICO Em Fevereiro, nas eleições cipriotas, o eleitorado deu uma vitória clara a um presidente e a um partido que fez campanha pela moeda única, pela Europa e contra a presença excessiva de capitais russos no sistema financeiro cipriota. Ontem, menos de um mês depois, dois terços dos cipriotas querem sair do euro. Uma mudança provocada pura e simplesmente pela decisão de sábado passado do Eurogrupo que, do alto da sua pesporrência, decidiu punir todos os cipriotas com uma taxa sobre os depósitos bancários. Um castigo dos deuses europeus, com os alemães à cabeça, pelo facto dos bancos cipriotas agora na falência terem sido paraísos fiscais para capitais estrangeiros, com os russos à cabeça.
CASTIGO ALEMÃO Wolfgang Schäuble, ministro das Finanças alemão, resumiu a questão de uma forma simples: é o que acontece a quem arrisca e investe em paraísos fiscais de risco. Um castigo, portanto, que cai por inteiro em cima de um povo que votou a adesão à União Europeia em 2008 e ao euro em 2008, sem que ninguém em Brusdelas ou em Frankfurt tivesse levantado qualquer questão sobre a forte presença russa na ilha.
RÚSSIA COM MEDO DOS TURCOS Perante a recusa dos cipriotas e dos seus deputados em aceitarem o plano de resgate com as taxas sobre os depósitos, Nicosia voltou-se de imediato para Moscovo com as reservas de gás natural no bolso. E a União Europeia, que depende totalmente do gás da Gazprom russa, chegou ontem a Moscovo com ar envergonhado (ver peça ao lado) a pedir desculpa ao primeiro-ministro Medvedev e ao presidente Putin por não ter avisado a Rússia do seu extraordinário plano de resgate para Chipre. Agora, obviamente, Moscovo quer fazer parte da solução e não ficar apenas com o problema cipriota. E dá passos cautelosos perante os pedidos lancinantes dos ministros das Finanças e da Energia cipriotas para avançarem com um novo empréstimo de cinco mil milhões de euros ou a compra de direitos sobre as reservas de gás natural de Chipre. Por duas razões: avançar com um empréstimo iria tornar a dívida pública cipriota insustentável e comprar direitos de exploração sobre o gás poderia lançar a Turquia numa ofensiva militar no Mediterrâneo, algo que Moscovo dispensa em absoluto com o seu aliado no Médio Oriente, a Síria, envolvida numa longa guerra civil.
HOLANDÊS TEIMOSO Mas a teimosia do Eurogrupo em taxar os depósitos dos cipriotas não tem limites. Mesmo com os avisos de vários analistas internacionais e da própria Fitch, agência de rating norte-americana, alertar para o facto de a situação cipriota poder afectar o conjunto dos países do euro, com baixa de rating generalizadas.Ontem, num encontro com o Parlamento Europeu, o novo presidente do Eurogrupo, o holandês Jeroen Dijsselbloem, não recuou um milímetro na decisão de taxar os depósitos em Chipre, facto que deixou os eurodeputados verdadeiramente de cabelos em pé. E nem mesmo os apelos do presidente do Parlamento Europeu, o alemão Martin Schulz, demoveram o ministro das Finanças da Holanda desta correria para o abismo do euro. Mas os cinco maiores partidos europeus nem pediam muito ao holandês. Apenas queriam que os depósitos abaixo dos 100 mil euros não fossem taxados. Algo que os cipriotas recusam de uma forma peremptória.