As contradições das "viúvas negras" da Tchetchénia
por A-24, em 30.03.10
As bombistas suicidas tchetchenas inspiram fascínio e horror desde que em 2002 apareceram em grande destaque no certo ao teatro Dubrovka, em Moscovo.
O regime da Rússia apresenta as mulheres bombistas como um produto da islamização do conflito e as organizações regionais de direitos humanos descrevem-nas como fruto da brutalidade das forças russas na pequena república.
Há quem sublinhe que na maioria dos casos há uma componente pessoal de vingança – muitas vezes pela morte do marido, daí o nome pelo qual são popularmente conhecidas, as “viúvas negras”, mas a razão pode ser também o terem sido espancadas ou violadas pelos soldados russos que agem com cada vez mais brutalidade na região. A tudo isto pode juntar-se uma vida miserável num território minado pela guerra, pela violência e pela pobreza e poucas perspectivas de melhoria.
O especialista em Cáucaso do Norte Alexandre Tcherkassov, da organização não governamental Memorial, diz à AFP que “na maior parte das vezes é o desejo de vingança que as leva a sacrificar-se”.
Mas há também quem aponte casos de bombistas muito novas, solteiras, que podem ter sido coagidas pelos seus compatriotas através de violação (esta traz desonra à mulher ou à família, e a mulher não poderá casar ou ter filhos) ou do uso de drogas. As bombistas podem ainda ser vendidas pela família à insurreição, ou levadas através de outras pressões, violência ou chantagem a cometer estes actos.
Os atentados suicidas levados a cabo por mulheres tchetchenas começaram depois da entrada das tropas russas no território no final de 1999: entre as primeiras bombistas suicidas estão Hawa Baraieva, que em Junho de 2000 matou 27 soldados russos num atentado suicida – a bombista pertence ao clã Baraiev, conhecidos líderes da guerrilha tchetchena –, ou Aisan Sasuieva, de apenas 18 anos que, uns meses mais tarde, se fez explodir junto do comandante russo a quem perguntava repetidamente por notícias do marido e do irmão.
O cerco ao Teatro Dubrovka
O fenómeno começou a ganhar mais atenção mediática com o cerco do teatro Dubrovka em 2002 – entre o grupo de 41 rebeldes havia 18 mulheres, e cinco delas deixaram mensagens gravadas explicando por que levaram a cabo o ataque (todos morreram junto com 119 reféns quando forças especiais russas terminaram o cerco que durou 57 horas).
Apareceram em vídeos difundidos pela Al-Jazira, de vestidos negros e lenço islâmicos, algumas mostrando apenas os olhos delineados com kohl escuro, com os seus cintos de explosivos, explicando as razões do ataque. Após o fim do cerco, as imagens mostravam-nas, com as mesmas vestes negras e explosivos à cintura, mortas nas cadeiras do teatro.
A história das mulheres do cerco do teatro Dubrovka parece ter tantas contradições como a das "viúvas negras" em geral: há descrições de vítimas dizendo que eram elas as mais cruéis (“pareciam guardas prisionais”, disse uma sobrevivente, citada pela da estação de televisão norte-americana ABC), outras sublinhando que eram elas as mais caridosas (“pareciam freiras”, disse outro sobrevivente, citado na revista britânica "New Statesman").
Uma mulher suicida seria algo duplamente estranho na sociedade tchetchena. O conservadorismo ditaria que ela é sobretudo cuidadora - embora as mulheres tchetchenas não existissem apenas no domínio do lar: estudavam e tinham carreiras profissionais, sobretudo antes da guerra. E o suicídio é proibido pelo islão (a na Tchetchénia a maioria dos muçulmanos são sufis, vistos aliás como hereges pelas correntes mais fundamentalistas).
Ainda assim, há relatos de mulheres guerreiras pelo menos desde 1870, diz um artigo da GlobalSecurity.org, e durante a primeira guerra de 1994 a 1996 algumas mulheres pegaram em armas contra a Rússia, incluindo por exemplo como snipers, lembra o diário britânico "The Times".
Depois do cerco do teatro, as "viúvas negras" participaram em vários ataques menos mediáticos, ou noutros mais espectaculares como os que atingiram dois aviões em 2003 (90 mortos), ou o atentado de ontem no metro de Moscovo.
O regime da Rússia apresenta as mulheres bombistas como um produto da islamização do conflito e as organizações regionais de direitos humanos descrevem-nas como fruto da brutalidade das forças russas na pequena república.
Há quem sublinhe que na maioria dos casos há uma componente pessoal de vingança – muitas vezes pela morte do marido, daí o nome pelo qual são popularmente conhecidas, as “viúvas negras”, mas a razão pode ser também o terem sido espancadas ou violadas pelos soldados russos que agem com cada vez mais brutalidade na região. A tudo isto pode juntar-se uma vida miserável num território minado pela guerra, pela violência e pela pobreza e poucas perspectivas de melhoria.
O especialista em Cáucaso do Norte Alexandre Tcherkassov, da organização não governamental Memorial, diz à AFP que “na maior parte das vezes é o desejo de vingança que as leva a sacrificar-se”.
Mas há também quem aponte casos de bombistas muito novas, solteiras, que podem ter sido coagidas pelos seus compatriotas através de violação (esta traz desonra à mulher ou à família, e a mulher não poderá casar ou ter filhos) ou do uso de drogas. As bombistas podem ainda ser vendidas pela família à insurreição, ou levadas através de outras pressões, violência ou chantagem a cometer estes actos.
Os atentados suicidas levados a cabo por mulheres tchetchenas começaram depois da entrada das tropas russas no território no final de 1999: entre as primeiras bombistas suicidas estão Hawa Baraieva, que em Junho de 2000 matou 27 soldados russos num atentado suicida – a bombista pertence ao clã Baraiev, conhecidos líderes da guerrilha tchetchena –, ou Aisan Sasuieva, de apenas 18 anos que, uns meses mais tarde, se fez explodir junto do comandante russo a quem perguntava repetidamente por notícias do marido e do irmão.
O cerco ao Teatro Dubrovka
O fenómeno começou a ganhar mais atenção mediática com o cerco do teatro Dubrovka em 2002 – entre o grupo de 41 rebeldes havia 18 mulheres, e cinco delas deixaram mensagens gravadas explicando por que levaram a cabo o ataque (todos morreram junto com 119 reféns quando forças especiais russas terminaram o cerco que durou 57 horas).
Apareceram em vídeos difundidos pela Al-Jazira, de vestidos negros e lenço islâmicos, algumas mostrando apenas os olhos delineados com kohl escuro, com os seus cintos de explosivos, explicando as razões do ataque. Após o fim do cerco, as imagens mostravam-nas, com as mesmas vestes negras e explosivos à cintura, mortas nas cadeiras do teatro.
A história das mulheres do cerco do teatro Dubrovka parece ter tantas contradições como a das "viúvas negras" em geral: há descrições de vítimas dizendo que eram elas as mais cruéis (“pareciam guardas prisionais”, disse uma sobrevivente, citada pela da estação de televisão norte-americana ABC), outras sublinhando que eram elas as mais caridosas (“pareciam freiras”, disse outro sobrevivente, citado na revista britânica "New Statesman").
Uma mulher suicida seria algo duplamente estranho na sociedade tchetchena. O conservadorismo ditaria que ela é sobretudo cuidadora - embora as mulheres tchetchenas não existissem apenas no domínio do lar: estudavam e tinham carreiras profissionais, sobretudo antes da guerra. E o suicídio é proibido pelo islão (a na Tchetchénia a maioria dos muçulmanos são sufis, vistos aliás como hereges pelas correntes mais fundamentalistas).
Ainda assim, há relatos de mulheres guerreiras pelo menos desde 1870, diz um artigo da GlobalSecurity.org, e durante a primeira guerra de 1994 a 1996 algumas mulheres pegaram em armas contra a Rússia, incluindo por exemplo como snipers, lembra o diário britânico "The Times".
Depois do cerco do teatro, as "viúvas negras" participaram em vários ataques menos mediáticos, ou noutros mais espectaculares como os que atingiram dois aviões em 2003 (90 mortos), ou o atentado de ontem no metro de Moscovo.