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A-24

Alentejo tem das taxas de suicídio mais elevadas do mundo

por A-24, em 31.05.12
As estatísticas não são absolutamente fiáveis e há contributos genéticos e culturais difíceis de pesar. Luiz Gamito, da Associação de Psiquiatria Alentejana, defende que o único factor certo e evitável por detrás da elevada prevalência do suicídio no Alentejo é a falta de médicos. O alerta volta a servir de mote no segundo congresso da associação, que arranca hoje em Serpa. “O Alentejo tem das maiores prevalências de suicídio do mundo. Enquanto assim for, esta será a nossa principal preocupação.”
Embora o Instituto Nacional de Estatística contabilize as mortes por lesão auto-infligida, que servem de base aos números oficiais do suicídio, existe uma percentagem elevada de mortes violentas por causa indeterminada onde poderá estar uma fatia significativa de casos. A taxa oficial de suicídios em 2010 rondou os 10,32 casos por 100 mil habitantes (1098 mortes) mas na realidade poderá rondar os 20,72 casos, cerca de 2204 óbitos nesse ano, estimou ao i em Fevereiro o psiquiatra Ricardo Gusmão, que tem estudado o fenómeno. O facto de a região norte ser mais religiosa pode fazer com que haja mais casos ocultos por motivos de estigma social.
Se com todas estas nuances é difícil avaliar com exactidão a realidade, o psiquiatra Luiz Gamito sublinha que historicamente os indicadores têm apontado para uma diferença avassaladora ente Norte e Sul, com o cenário mais grave no Alentejo, onde a taxa de suicídios oficial supera em algumas zonas os 20 casos/ano por 100 mil habitantes. Em Odemira, concelho com recorde de suicídios a nível europeu, aponta-se para 40 casos/ano por 100 mil habitantes. Luiz Gamito avisa que nos últimos anos a incidência tem vindo a aumentar mo litoral alentejano, nos concelhos de Santiago do Cacém, Sines e Grândola, algo que na sua opinião deveria ser estudado. Entre tudo o que está apurar, inclusive as próprias causas genéticas e culturais do suicídio, a lacuna médica parece evidente, até pelo paralelismo com o único país europeu onde também há uma divisão nacional na incidência do suicídio, explica Gamito. Em Portugal, a divisão faz-se a partir de Santarém. Na Hungria, constata-se o mesmo, mas na metade Leste. O ponto em comum é o número de psiquiatras por habitantes, conclui o médico. No Alentejo serão no total oito a nove especialistas no SNS. “É razoável admitir que a falta de assistência permite que a praga avance. E se não sabemos com certezas que factores têm mais responsabilidade, sabemos que se houver mais médicos a tratar pessoas com depressão, há menos suicídios.”
Política de incentivos Para Gamito, até para resolver situações como a do Hospital de Beja, que tem tido dificuldades em recrutar psiquiatras para a futura unidade de internamentos urgentes, seria importante definir uma política de incentivos que atraísse os médicos, que acabam por fazer formação nos grandes centros urbanos e encontrar trabalho. O médico refere também que, numa situação de crise, em que os casos psiquiátricos tendem a aumentar, a ausência de planeamento e um país em que os serviços tendem a variar “entre o péssimo e o excelente”, tornam a capacidade de resposta em termos de pessoal e instituições inconsistente.
Além do suicídio e dos riscos acrescidos da crise, vai debater-se o potencial de novas ferramentas como a realidade virtual e diferenças nos casos rurais e urbanos de psicopatologia. Este ano o tema foi abordado com o caso do autor do triplo homicídio em Beja, que viria a cometer suicídio poucos dias após ter sido detido. Francisco Esperança, de 60 anos, tinha sido diagnosticado com depressão aos 30 anos. Segundo o advogado de defesa num caso de desfalque no banco onde trabalhava, julgado nos anos 1980, o tribunal acabou por decidir-se pela prisão em vez do acompanhamento recomendado numa perícia psiquiátrica feita na altura. Sem comentar o caso, Gamito diz que as dificuldades de acesso e falta de assistência podem precipitar casos violentos.
A associação foi criada em 2011 para enfatizar o problema regional da saúde mental e contribuir com soluções. Em parceria com a Delta Cafés, lançam este ano no congresso uma campanha que aproveita o espaço para mensagens nos pacotes de açúcar. A provocação do humorista Art Buchwald “Não se suicide. Poderá sempre arrepender-se duas semanas depois” foi uma das frases escolhidas. O objectivo é transmitir a ideia de que o suicídio é o fim da linha de uma doença e pode ser prevenido.
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