Ainda sobre Miguel Portas
por A-24, em 25.04.12
“É da pessoa querer saber como parte: de cara lavada ou de cara pintada. Prefiro de cara lavada.” Prático e directo, Miguel Portas falava, assim, há nove meses numa entrevista ao “Expresso”, sobre o que pretendia levar daqui “lá para onde for”. Com o desassombro próprio de quem, como ele, já tinha dado de caras com a “precariedade da vida”: um tumor maligno no pulmão, que combatia desde Abril de 2010. Até ontem. Miguel Portas morreu às seis da tarde, rodeado pela família, num hospital em Antuérpia. Fazia 54 anos a 1 de Maio.
Político, jornalista, escritor, economista de formação. “Uma vida intensa”, descreveu o Bloco de Esquerda quando ontem comunicou oficialmente o óbito de um dos seus fundadores. A entrega às causas da sua família política foi absoluta, como bem mostra o seu perfil público no Facebook. Ainda no sábado Miguel Portas se indignava com a resolução do Parlamento Europeu contra a nacionalização da petrolífera argentina filial da Repsol: “Tesourinhos deprimentes: o Parlamento Europeu ficou do lado da Repsol.” Foi também ali que deixou o último alerta público ao seu Bloco de Esquerda, congratulando-se com os 40% de votos de uma lista alternativa ao “aparelho” do partido, na Concelhia de Lisboa, aconselhou uma interpretação “devida” dos resultados aos dirigentes.
Há pouco menos de um ano, numa entrevista ao i, defendia que a renovação do Bloco passasse pela saída dos quatro fundadores. “Mais que ajustar contas com os resultados eleitorais [caíram muito nas legislativas] é preciso traçar o caminho para a frente”, disse então. Sempre crítico, mas fiel ao partido que criou com Luís Fazenda, Fernando Rosas e Francisco Louçã em 1999. Ao “Expresso” disse que o Bloco de Esquerda é o “legado político” que deixa. “Incentivou--nos da cama do hospital”, disse ontem Louçã. Conheciam-se desde os 13 anos.
Foi mais ou menos por essa altura que Miguel despertou para a política. Aos 15 começou a militar na União de Estudantes Comunistas (UEC) e chegou a ser detido pela PIDE durante uma assembleia de estudantes na Faculdade de Medicina, em Dezembro de 1973.
MISSA E PCP Provocador no liceu, foi mudando de escola ao sabor de reprimendas de professores – do São João de Brito, para o Passos Manuel e daí para o Pedro Nunes. Aos 12 zangara-se com a mãe, Helena Sacadura Cabral. Queria ir à missa, ela não deixava. Deixou-lhe um bilhete e fugiu. “Era um miúdo bastante católico e gostava particularmente das missas da Igreja de Santa Isabel, que tinham música e canto”, contou em entrevista à “Visão”. A zanga passou, mas acabou por ir viver com o pai, o arquitecto Nuno Portas. O irmão Paulo (têm uma meia-irmã, Catarina Portas), hoje ministro dos Negócios Estrangeiros, ficou com a mãe. Apesar disso, foram sempre inseparáveis, à prova de divergências políticas: um fundador do Bloco, outro líder do CDS. Ontem de manhã, Paulo Portas abandonou os Açores, onde estava para o encerramento das Jornadas Parlamentares do CDS, para estar com o irmão.
Saiu do PCP em 1989. “Não tenho dúvida nenhuma de que a minha formação foi muito marcada pelo PCP. Foi metade da minha vida activa!”, dizia ao “Expresso” em Julho. Tinha “um problema”, disse-lhe um dia um dirigente comunista: “Traços de personalidade.” Apesar de respeitar a disciplina do partido, sempre se viu como um “heterodoxo” e fazia uma relação curiosa entre o PCP e o catolicismo: “A convicção que tinha [como católico] acabou por ser transportada para o comunismo que não é mais do que uma religião laica.”
Mas a sua carreira política continuou. Cinco anos depois criou a Política XXI que juntamente com o PSR e a UDP deram origem ao Bloco. Em 2004 foi o primeiro eurodeputado eleito pelo BE, foi reeleito em 2009 com 10% dos votos, um valor histórico para o partido que nessa altura elegeu três eurodeputados (hoje só restavam Miguel e Marisa Matias, depois da ruptura de Rui Tavares).
Inserido no grupo da Esquerda Unitária, Miguel Portas foi autor, na primeira legislatura, do relatório sobre a integração dos imigrantes na Europa e na legislatura actual foi o relator sobre o financiamento e funcionamento do Fundo Europeu de Ajustamento à Globalização.
Licenciou-se em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão de Lisboa, mas foi ao jornalismo que foi parar. Dirigiu a revista “Contraste” (1986), trabalhou no “Expresso” (1988), onde foi editor da revista. Foi também director do semanário “Já” (1995). Era esta que dizia ser a sua profissão. À política chamava “comissão de serviço”.
A doença não o levou de volta ao catolicismo, “nem um bocadinho”, disse. A aproximação que fez neste par de anos foi aos dois filhos adolescentes que viviam com ele em Bruxelas. “Ninguém se reaproxima dos filhos para compensar o tempo que não esteve com eles. Reaproxima-se para ver se está algum tempo com eles”, afirmou ao “Expresso” quando admitiu que nesse campo sentia alguma necessidade de reparo.
Deixou de fumar mal lhe foi diagnosticado um tumor maligno no pulmão direito, num check up de rotina no Parlamento Europeu. O tumor e parte do pulmão foram retirados, numa cirurgia no Instituto Português de Oncologia. Por essa altura festejava no seu mural do Facebook: “Vai um mês que não fumo, daqui a nada fará um ano e um pouco mais lá adiante uma década.”
Jornal I