A revolta de Kengir - Revoltas do Gulag
por A-24, em 25.05.12
“Nas estepes quentes do Cazaquistão
Levantaram-se os campos especiais
Desdobraram-se as costas cansadas
Não é a hora de se lamentar.
Na rotura sagrada
Se abriram feridas
Não seremos, não seremos escravos
Nem queremos nos jugo portar!
Decaíram os murros que nos separavam,
O irmão encontra irmã,
Pai e filho, esposa e marido
Uma moça saúda o rapaz…”
(Hino da revolta de Kengir da autoria do ucraniano Mykhaylo Soroka)
A revolta de Kengir faz parte do movimento da resistência popular dos prisioneiros políticos soviéticos, que abalou o sistema dos campos de concentração de GULAG. A revolta que durou entre 16 de maio e 26 de Junho foi esmagada com blindados T-34.
O campo especial dos prisioneiros políticos № 4 – “Steplag” (campo de estepe) se situava no deserto areoso da província de Karaganda. Localidade de Kengir, hoje Dzhezkazgan, o atual Cazaquistão.
O campo criado em 1948, cercado primeiramente com o arame farpado e depois com um murro de três metros de altura, abrigava duas zonas prisionais: masculina e feminina. A mão-de-obra semiescrava era usada na construção de fábricas, manufaturas, estradas, edifícios habitacionais.
Quando o número dos prisioneiros ultrapassou 3.000 pessoas, campo foi alargado até 5 zonas. Cada zona era separada das restantes por um murro alto e robusto. As pessoas viviam em abrigos feitos na terra, mais de 70 pessoas em cada um. Mais tarde, passaram para as barracas, lá viviam até 200 pessoas. Era a força laboral gratuita, mal alimentada, humilhada, privada de quaisquer direitos e escravizada, a construir “o futuro melhor” no “país socialista mais democrático do mundo”. As suas ferramentas eram a alavanca, marreta, pá e cunha de 12 kg. Tudo era escovado e retirado manualmente, para o transporte eram usadas as carinhas de mão.
No início de 1954 o “Steplag” já abrigava 20.698 prisioneiros, destes 9.596 eram ucranianos (incluindo vários membros e simpatizantes do movimento guerrilheiro ucraniano), 2.661 russos, 2.690 lituanos, 1074 letões, 878 belarusos, no total representantes de 33 nacionalidades, além disso 167 pessoas eram registados pela administração como “outros”.
Nas vésperas da Páscoa de 1954 um dos guardas matou com o fogo da sua pistola-metralhadora 13 e feriu 33 pessoas, dos quias 5 morreram mais tarde. Na terceira zona o guarda, sem um motivo aparente, abateu a tiro o prisioneiro idoso, ao qual faltavam apenas duas semanas para a sua libertação. Numa ocorrência separada, no pátio auxiliar foram assassinados mais de 50 presos.
No dia 16 de maio, mais de 10.000 prisioneiros de Kengir entraram em greve, após a recusa da administração de investigar e punir os guardas responsáveis pelo assassinato das pessoas inocentes, alegando a “tentativa de fuga”, por vezes apenas para ganhar uma fola extra ou um relógio pela “dedicação ao serviço”.
No segundo dia da greve o campo parou por completo. Para desmoralizar os grevistas, a administração transferiu para “Steplag” cerca de 600 criminosos de delito comum, oficialmente classificados não como “inimigos do povo”, mas como “cidadãos soviéticos que optaram pelo caminho de reabilitação”. Quebrados fisicamente e psicologicamente pela resistência organizada dos veteranos do Exército Insurgente Ucraniano (UPA), uma considerável parte deles optou por apoiar a revolta.
Os prisioneiros cavaram os túneis e abriram as brechas nos murros, unificando todas as zonas e a cadeia interna em uma única entidade. Cerca de 12.000 prisioneiros de diversas nacionalidades uniram-se, elegendo na reunião geral o Comité organizativo da revolta de 16 pessoas. Os revoltosos tomaram o controlo da reserva alimentar, garantiam a continuação do funcionamento da cozinha, cabeleireiro, banhos, lavatórios e outros pontos estratégicos do campo.
O Comité grevista comunicava com a população civil circunvizinha, usando os altifalantes e os papagaios de papel, pedindo informar Moscovo e a intervenção de uma comissão estatal. As negociações com a administração local não levavam aos resultados aceitáveis. O campo era guarnecido pelo perímetro exterior, os chekistas não aceitavam as exigências dos grevistas de parar os desmandos e castigar os guardas – assassinos.
No 40° dia da greve, os franco-atiradores do ministério do Interior mataram os vigias nas barricadas e iniciaram o ataque da sua própria infantaria, secundada pelos blindados. O memorando № 228 dedicado à revolta de “Steplag”, reúne os informes do vice – ministro do Interior da URSS, S. Iegorov, do chefe do GULAG, tenente – general I. Dolgikh, do vice-chefe do GULAG tenente – general V. Bochkov, endereçados ao ministro soviético do Interior, coronel-general S. Kruglov. O memorando confirma o uso em Kengir de cinco blindados T-34, duas divisões de guardas armados de 1600 homens, 98 cães com os guias e três carros de bombeiros com os jatos de água.
Os blindados demoliam os barracos, esmagando as pessoas, usavam as metralhadoras disparando contra a multidão. O médico húngaro Ferenc Varkoni (1920 – 1988) afirma nas suas memórias publicadas em 1956 no Ocidente, que na manha do dia 26 de junho foram esmagados cerca de 500 homens e 400 mulheres. O prisioneiro político ucraniano, Vasyl S. Fursyk, afirmava que pelos dados dos próprios guardas, foram mortos cerca de 1000 pessoas, entre eles 520 mulheres, quase 2.000 foram feridas.
Durante quatro horas os prisioneiros, armados apenas com pedras, tijolos e algumas armas brancas, resistiam às metralhadoras e aos tanques. Era a revolta dos milhares de invencíveis que tiveram a coragem de defender a sua própria dignidade. Mesmo após o ataque dos blindados, os revoltosos não se renderam imediatamente, recuando e transformando as suas barracas em último reduto da resistência.
Os participantes ativos da revolta (cerca de 500 homens e 500 mulheres) foram transferidos para Magadan, recorda um dos participantes, ucraniano Yuriy Ferenchuk, condenado aos 25 anos de campos de concentração e 5 anos de exílio especial.
Vários factos sobre a revolta são conhecidos graças ao livro de um outro resistente, ucraniano Volodymyr M. Karatash. Nascido em 1926 na região de Odessa e proveniente de uma família destroçada pelo regime soviético, ele chegou a ser condenado à pena capital pelos nazis. Preso pelo NKVD, recebeu a sentença de 8 anos de prisão e mais tarde, em 1953, a pena capital. Depois da morte do Estaline, o fuzilamento foi substituído pela prisão e exílio. Após o fim da revolta, ele juntamente com outros 305 prisioneiros foi transferido para a Kolyma e em 1956, cumprindo 12 anos da sua pena, foi absolvido pelo Presídio do Conselho Supremo da URSS com a anulação das condenações.
por: Bohdan Melnychuk, deputado municipal da VO Svoboda
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