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A-24

A ressaca americana

por A-24, em 11.12.11
Enquanto a turbulência persegue os mercados financeiros americanos e os protestos enchem as suas ruas, as escolhas de estilo de vida estão a evoluir de um modo revelador: vistos, em tempos, pelo resto do mundo, como uns adolescentes exuberantes – os extrovertidos do mundo, exportadores do rock & roll e de filmes chamativos de Hollywood – os americanos estão a retirar-se agora, decididamente, dessa posição, ou pelo menos a serem introspectivos. As tendências nas actividades de lazer reflectem essa mudança: frugalidade e laboriosidade estão na moda; o consumismo ostentoso está fora de moda.
Esta mudança deve-se à frágil economia, é claro, mas acredito que isso seja também psicológico. Após duas guerras e uma meia dúzia de conflitos não declarados, na década passada, a América entrou num período de hibernação cultural sem precedentes.Jardinagem, álbuns de recortes, tricotar, e cozinhar, tornaram-se em actividades recentes, desprezivelmente chiques. Nos bairros urbanos periféricos, para onde os jovens de estilo hipestão a mudar-se, as hortas citadinas e os tomates de herança, que crescem em floreiras, substituíram os veículos Lexus e Prius.Outros jovens hipsters deslocaram-se mais para o campo, em busca de uma idílica nova fantasia narrativa. O jovem casal – ele com barba e ela com um vestido sem mangas e botas de borracha – têm uma propriedade no vale do rio Hudson com um bando de galinhas, ou no Novo México, com uma cabana de palha amiga do ambiente. Eles substituíram o jovem casal de há cinco anos – ele com o fundo de cobertura (hedge fund), ela com decoradores de interiores – numa McMansão em Westchester County.As secções de produtos alimentares dos jornais urbanos que, há cinco anos, cobririam a recente cozinha de fusão, agora mostram perfis sonhadores do indivíduo com uma licenciatura Ivy League, que saiu da rede, e fez bem a ele mesmo ao iniciar uma linha de picles caseiros. Mercados de produtores da região, fogões a lenha, painéis solares e lojas agrícolas Agway são os novos focos do sonho com aspiração para as pessoas, que há pouco tempo tinham muitos créditos ilimitados, consumiam marcas de luxo adaptadas à classe média e fantasiavam sobre o tipo de vida exposta nas revistas de luxo.Até mesmo os enredos de Hollywood ecoam, hoje, este desejo de fugir para uma “vida mais simples”, com a sua aversão ao excesso de riqueza e à indulgência. No filme, que está prestes a estrear, Querida, comprei um zoo, um pai solteiro cura a dor da sua família ao mudar-se para o campo onde compra uma mansão com um zoo de animais selvagens incluído – uma casa degradada e paisagens naturais espectaculares garantem um cenário redentor para a vida doméstica.Outros filmes adicionam tanto de excesso como de repugnante. O sucesso de bilheteira A Ressaca – Parte 2 mostra três jovens amigos que se vêem envolvidos numa noite de farra na Tailândia, onde têm liberdade total para satisfazerem todos os apetites – de trabalhadores do sexo transexuais, a drogas e caos de todos os géneros. No final, contudo, a personagem principal satisfaz o seu desejo de casamento, família e da vida calma de um dentista. Num enredo paralelo dirigido às mulheres, o filme A melhor despedida de solteira caracteriza uma futura noiva que está prestes a obter “tudo” – através de um noivo monótono mas extremamente rico – mas abandona o excesso que a circunda e refugia-se no seu humilde apartamento.Após as ajudas aos bancos, escândalos financeiros do tipo Bernard Madoff e uma bolha imobiliária que deixou os americanos desamparados, é como se o inconsciente colectivo estivesse a reformular que a vida em iates e os campos de golfe imaculados fossem desagradáveis e que, economicamente, a grande simplicidade rural fosse um alívio de limpeza virtuoso. Como seria de esperar, a última vez que a cultura americana teve tal inversão de iconografia, foi durante a Grande Depressão, quando filmes como As Vinhas da Ira lançam a realidade da simplicidade – contra a corrupção das elites ricas – como sendo uma excelente virtude. (“Sempre que houver um polícia a bater em alguém, eu estarei lá… em qualquer local onde as pessoas estejam a comer as coisas que cultivaram e estejam a morar nas casas que construíram, eu estarei lá, também”, tal como disse Tom Joad).Ronald Reagan afirmou em 1980 que era “manhã na América”, mas na América de hoje é a manhã seguinte. Este movimento no sentido de sair da rede, come o que cultivas, anda de bicicleta por tua iniciativa, fantasia colectiva de energia solar, é inevitável: os americanos foram bombardeados de esperança de que um maior consumo torná-los-ia mais felizes, mas ao invés foram largados com uma pilha de dívidas. Pediram-lhes que admirassem o topo da pirâmide de rendimentos, somente para descobrirem que estavam a olhar para um esquema piramidal.Não admira, portanto, que uma espécie de chique sobrevivente se tenha tornado na versão actualizada do chique radical e comunal dos anos 1960. Os americanos perderam a fé naqueles que, em tempos de bonança, ronronaram, “Confiem em nós”. O novo sonho americano – um bando de galinhas e um frasco de picles – representa a perspicácia de que as únicas pessoas em quem os americanos podem confiar numa crise são em eles próprios.

Naomi Wolf