A mexicana Nayeli Manzano já tem um papel e já pode sentir-se americana
por A-24, em 19.08.12
Primeira medida claramente eleitoralista de Obama. Milhões de ilegais poderão reclamar a nacionalidade americana. Muitos ainda ficarão de fora.
"Milhares de filhos de imigrantes ilegais começaram a candidatar-se ao programa antideportação de Obama. De fora ficarão ainda 6,8 milhões de indocumentados.
Em Los Angeles, Chicago, Detroit, Atlanta, Nova Iorque, Washington e por todo o país, milhares de pessoas que nasceram no estrangeiro mas cresceram nos Estados Unidos não desperdiçaram a oportunidade para reclamar a sua plena integração na sociedade americana, a única que muitos deles - salvadorenhos, etíopes ou tailandeses - conhecem e que ainda os marginaliza sob o estigma de "imigrante ilegal".
No dia em que entrou em vigor a nova política antideportação desenhada pelo Presidente Barack Obama em Junho, as filas para a apresentação de candidaturas serpenteavam por quarteirões nas grandes cidades americanas. O programa permitirá a legalização de milhares de indocumentados que cumpram critérios como: terem entre 15 e 31 anos de idade, terem vivido continuamente nos Estados Unidos há mais de cinco anos, frequentarem a escola ou terem um diploma do ensino secundário ou equivalente e nunca terem enfrentado acusações criminais - estima-se que cerca de dois milhões de residentes possam ser abrangidos.
Em Chicago, mais de dez mil pessoas acorreram ao Navy Pier para preencher as candidaturas, disse a Illinois Coalition for Immigrant and Refugee Rights. Aos 16 anos, a mexicana Nayeli Manzano tem dificuldade em identificar-se com o seu país de origem: a única realidade que conhece é a americana. "Vim do México quando ainda era uma criança, e para mim todos os costumes e tradições são os dos EUA. A única coisa que me impedia de sentir-me americana era uma folha de papel como esta", explicava à cadeia televisiva WLS de Chicago, apontando para a sua candidatura. "Esta folha faz toda a diferença na minha vida."
Crescencio Calderón, um jovem de 21 anos nascido no México, encontrou uma fila formada quando chegou à porta de uma organização de apoio a imigrantes em Los Angeles, pouco depois das cinco da manhã. O estudante universitário, que pretende enveredar por uma carreira jurídica, notava que a adesão ao programa lhe concedia uma segurança que o seu pai, jardineiro, nunca experimentara. "Esta é a chave para abrir a porta das oportunidades", dizia, "esta é a mudança em que podemos acreditar", referindo-se ao slogan da campanha presidencial de Barack Obama em 2008.
Não existem números oficiais, mas projecções consensuais apontam a existência de pelo menos onze milhões de trabalhadores indocumentados nos Estados Unidos, 15% dos quais terão o direito a um visto de residência e trabalho se cumprirem os requisitos do programa. Cerca de sete em dez dos possíveis candidatos são provenientes do México; 20% são originários de outros países da América Central e do Sul; 8% nasceram na Ásia e apenas 2% terão imigrado a partir da Europa.
De fora ficarão ainda 6,8 milhões de pessoas, imigrantes que deram entrada nos Estados Unidos depois dos 16 anos ou que já têm mais de 31 anos. É o caso de Elsi Hernandez, que descobriu enquanto preenchia os papéis num centro de apoio de Washington que por uma questão de meses ficaria excluída. Hernandez, de 25 anos, terminou o liceu em 2008 e espera, um dia, estudar numa universidade americana - mas o facto de ter chegado de El Salvador com 17 anos obriga-a a procurar outra maneira para escapar da clandestinidade em que vive.
Quando foi anunciado, o programa foi interpretado pelos analistas como uma brilhante cartada política do Presidente, uma manobra destinada a garantir a Obama a reeleição, apesar de - ironicamente - nenhum dos beneficiários da medida obter o direito ao voto nas presidenciais de Novembro. O candidato democrata deverá conquistar a esmagadora maioria dos votos do chamado "bloco latino", que é a força eleitoral em maior crescimento nos Estados Unidos mas também uma das que mais tende à abstenção.
O programa antideportação não resolve o impasse em que caiu a reforma do sistema de imigração no Congresso dos Estados Unidos. A política de Obama fica longe da amnistia que muitos defendem para os trabalhadores que contribuem com os seus impostos para a riqueza americana, mas oferece um "alívio" temporário para milhões de famílias que vivem na angústia constante de poderem ser expatriadas ao fim de décadas nos Estados Unidos. "Não se trata de amnistia nem de imunidade, mas de uma medida temporária enquanto tentamos estabelecer um sistema mais justo e mais eficiente", sublinhou o Presidente. Os beneficiários, notou, "são crianças que estudaram nas nossas escolas, que cresceram nos nossos parques, que juraram sob a nossa bandeira. Não tem sentido nenhum expulsar do país jovens talentosos que, para todos os efeitos, são americanos", considerou.No mesmo dia em que abriram as candidaturas, a campanha do republicano Mitt Romney lançou um anúncio televisivo em espanhol, lançando dúvidas sobre o trabalho de Obama em prol da comunidade hispânica, afectada pelo desemprego e a pobreza. Mas a frontal oposição de Romney e do seu candidato à vice-presidência Paul Ryan a qualquer iniciativa que permita a legalização dos trabalhadores clandestinos afastou os latinos do ticket republicano.